quinta-feira, 14 de julho de 2011

Tirando os Beatles...

Quem me conhece de perto, sabe bem que não sou o fã número um do sistema democrático, sobretudo tal como o conhecemos e o aplicamos – ou ele se aplica sobre nós, talvez seja mais rigoroso pôr os termos assim. Mas não falemos na democracia como modelo político. Prefiro debruçar-me sobre a democratização da opinião e, concretamente, a democratização da opinião no planeta do futebol.
Não sei se será só impressão minha ou se mais alguém concorda com o seguinte: um gosto de uma maioria muito raramente é um gosto distinto ou requintado. Assim de repetente, tirando os Beatles e o Benfica, não me ocorre mais nada de que toda a gente goste e que tenha realmente pinta. Do incontornável Tony Carreira ao insuportável Barcelona, passando pela preferência pela selecção brasileira, tudo aquilo de que a grande massa é fã se caracteriza habitualmente pela falta de bom gosto.
Os mais pudicos escusam de balbuciar entre dentes “reaccionário dum cabrão” porque este texto é o oposto da reacção: é todo pelo progresso. Sobretudo, pelo progresso nas mentalidades, pela descarneirização da opinião.
Voltando ao assunto, sejamos justos: a mediocridade só precisa de ser fácil para agradar à esmagadora maioria, sobrepondo-se, em número de preferências, a qualquer excelência que requeira um mínimo de esforço. O Ronaldinho Gaúcho encantava muito mais do que o divino Bergkamp (e este tópico não é discutível: não suporto o gaúcho e era menino para fazer um altar ao holandês que não voava) e isso diz muito da capacidade de uma multidão para avaliar a elegância e o charme de um verdadeiro artista.
Por esta altura, noto alguma agitação por esses gabinetes de call center e repartições de finanças e guichets de centros de saúde. Interrogam-se “mas do que é que este gajo está para aqui a falar?”. Tenhamos calma. Amanhã também é dia de trabalho e, assim, tereis mais matéria de leitura para ocupar esse tempo morto entre as nove e as cinco.
Voltemos à tal democracia. O facto de eu não morrer de amores por ela não significa que seja apaixonado pelas ditaduras. E é com algum espanto que noto, por vezes, uma injustificada intolerância entre Benfiquistas, sendo o sentido dessa intolerância invariavelmente o mesmo: os que questionam e levantam dúvidas são vistos pela massa maioritária como agitadores, demagogos ou, na maioria dos casos, simplesmente idiotas. Que fique bem claro: eu não fico 200 gramas menos Benfiquista por questionar políticas do meu clube. Eu posso contestar o nosso presidente, desde que não lhe falte ao respeito ou atente contra a sua honra, dignidade e mais uma série de coisas que são imagens de marca de quem gere clubes de futebol. Portanto, sempre que eu tiver uma ideia ou algo a apontar à gestão do meu clube, se não se importam, estou apenas a exercer o meu direito – moralmente, é até o meu dever! – de Benfiquista. Porque eu para o meu clube só posso querer o melhor – e, tirando os Beatles, o melhor nem sempre é aquilo de que a maioria mais gosta. Mais: o facto de ter ideias e de gostar de debatê-las neste espaço (semi-)público não implica que, como por vezes sugerem quando os argumentos se esgotam, eu me candidate à presidência do Benfica. Calma, senhores. Se um dia houver motivo e condições para isso, será o meu maior orgulho – e do meu pai, e do meu já falecido avô e de uma grande, grande, grande parte da minha família. Porém, por enquanto, limito-me a isto: dizer coisas que penso. A manifestar a minha opinião, o meu desagrado, a minha insatisfação ou as minhas dúvidas. Ou só devemos manifestar o nosso Benfiquismo quando é para festejar no Marquês? Bem sei que é mais fácil e dá menos trabalho. Há mais alegria e tudo. Mas, para lá chegarmos, por vezes é realmente necessário que alguém pense e ponha em prática determinadas coisas, com acerto. Borrifando-se na democracia. Sem funcionar para as maiorias. Ou, melhor: funcionando para a totalidade - porque não há Benfiquista nenhum que não goste de ganhar. Agora, isso dá algum trabalho…

5 comentários:

mago disse...

Muito, muito bom. Acho que está tudo dito.

Não, espera, há algo que por estes dias também inquieta "todágente" Benfiquista... ENTÃO E O DEFESA-ESQUERDO?

Dylan disse...

O Benfica é isto - a democraticidade de opiniões. No entanto, alguns usam essa liberdade para atacar tudo dentro do Benfica, muitas vezes atingindo a honra das pessoas e, face a isto, não posso tolerar.

Parabéns pela sua escrita tão assertiva!

David Pereira disse...

Olá!

Eu confesso que não sou benfiquista, no entanto, no meu blogue pessoal faço algumas análises de jogos de futebol, alguns dos quais do Benfica, onde tento mostrar a minha imparcialidade, e gostava que visitassem e inclusivamente, que os administradores deste blogue o adicionassem aos seus links:

http://davidjosepereira.blogspot.com/

Eu não sou benfiquista, mas respeito a vossa dedicação, empenho e amor pelo clube.

Cumprimentos ;)

Anónimo disse...

Diego,

Vim ler o seu texto através so link que voçê deixou no "Ontem Vi-te no Estádio da Luz" em resposta a um dos comentadores. Confesso que gostei e que me revejo em muita coisa que voçê escreveu! Gosto do raciocinio!

Em jeito de brincadeira e retiranto do seu texto, quero discordar de:

"...um gosto de uma maioria muito raramente é um gosto distinto ou requintado..."

Ás vezes a maioria também tem razão, claro que ser presidente do nosso clube é motivo de maior orgulho.

"...do meu pai, e do meu já falecido avô e de uma grande, grande, grande parte da minha família..."

Não será isto uma maioria com gosto distinto e requintado?

Um abraço e continue escrevendo.

Diego Armés disse...

Se ler o texto com alguma atenção há-de notar que, em relação a maiorias e gostos, são aceites algumas excepções. Lembro-me, isto completamente ao acaso, dos Beatles, por exemplo.