Num blogue aqui vizinho, um comentador – daqueles comentadores decentes e correctos, semelhante a (quase) todos os que aqui param – dizia algo do género «não é por perdermos que as críticas devem surgir; as críticas devem existir sempre que se justifiquem». E é uma grande verdade. Porque é muito fácil fingir que tudo está bem quando ganhamos 11 jogos consecutivos, mesmo que vejamos que há coisas que funcionam mal e, depois, no final, quando as tais coisas que funcionam mal levam ao descalabro, isto é, ao desfecho das épocas do Benfica nos últimos dois anos, todos nós temos dedos e razões para apontar e, muito sabiamente, conseguimos explicar tintin por tintin a origem da tragédia.
Há, felizmente, muita gente que pensa bem e que fala bem e que é séria e que executa a função crítica com o rigor e o Benfiquismo que se pretende. Eu sou, por norma, um tipo mais calado. Gosto de ler e observar, pensar sobre o assunto. Esta é, claro, uma posição de enorme conforto. Quem não contesta, não se põe a jeito. Mas não é pelo conforto da situação que o faço, acreditem que isto é mesmo feitio: gosto de deixar as pessoas trabalhar, de um modo geral, sem me intrometer. O que não significa que não tire as minhas notas.
Porém, e por uma questão de respeito a todos os que na hora das vitórias mantiveram o espírito crítico, zelando pelo interesse maior do Benfica, e igualmente por respeito àqueles que não critiquei quando havia tempo para emendar o que estava errado, vou manter-me sossegado, em vez de alinhar na campanha de incêndios que, parece-me, já começou um pouco por toda a parte. Até porque não creio que seja com motins que a coisa vá ao sítio – a história tem vários exemplos que ilustram bem o quão perigoso é mudar as coisas com raiva e pelos motivos errados, em vez de o fazer serenamente e com uma estratégia.
Acontece que já falei aqui sobre Jorge Jesus e pus em causa a sua continuidade no Benfica. E agora devo uma explicação, uma boa explicação, tanto a quem me lê como ao próprio Jorge Jesus, que é provável que não me leia, mas enfim, somos pessoas educadas e eu tenho consideração por ele.
Eu acho que é perigoso Jorge Jesus continuar na equipa por uma série de razões, mas vou focar-me em apenas uma que é, quanto a mim, a mais perigosa de todas: a “perda” da equipa. Não estão em causa o valor do treinador, as suas ideias, as suas qualidades ou os seus defeitos. Simplesmente, sinto que Jesus perdeu a equipa. As declarações de Maxi Pereira no final do jogo contra o Olhanense são sintomáticas: eles, os pilares da equipa, estão gastos – estão cansados de ganhar poucos títulos e estão frustrados por este título lhes ter escorregado por entre os dedos: era um campeonato fácil, convenhamos; há dois meses atrás, não me passava pela cabeça não ser campeão.
Esta frustração causa, em jogadores “da casa” que são ambiciosos, revolta, de alguma forma. Eu, ingenuamente ou não, acredito que estes jogadores (Maxi, Lusião, Aimar, Javi, entre outros) querem tanto ganhar jogos e troféus quanto eu quero. E isto, acreditem, é dizer muito porque, por mim, começávamos numa ponta e acabávamos na outra, não deixávamos uma só derrota, um só empate para trás, era tudo corrido a vitória – e das pesadas, de preferência. Uma época com campeonato, Champions e Taça de Portugal seria “uma boa época” (mas ainda ficaria a faltar a Taça da Liga…).
Estes jogadores são, na minha perspectiva, o argumento mais forte que o Benfica tem para os próximos tempos. São eles a estrutura da equipa e é com eles que temos de contar para integrar novos elementos no plantel, por um lado, e para solidificar um certo espírito Benfiquista que se perdeu na tragédia dos anos 90, por outro. O Benfica precisa deles. O Benfica precisa de constituir família e são estes jogadores quem o pode fazer. Temos de deixar heranças no balneário e no relvado, temos de acrescentar caras novas à iconografia do clube. Estes jogadores são a nossa força e o renascimento de uma equipa que é também uma família, como o foi nos anos 60 e 70.
Acontece que, olhando de fora e correndo o risco de estar completamente errado, este núcleo duro parece desmoralizado, desgastado e, no fim das contas, desiludido. E não há pior para um líder do que a desilusão do grupo que dirige.
Que fique claro que reconheço a Jorge Jesus todas as qualidades que sempre lhe reconheci (sobretudo, estou-lhe grato pelos inúmeros momentos de excelentíssimo futebol com que me presenteou, a um nível absolutamente de topo). De resto, não defendo que «Jesus tem de sair», sequer. Só acho que é muito arriscado para ambas as partes tentar uma reconciliação. Sobretudo quando, de cada vez que tomamos uma opção errada, o Porto fica um campeonato mais perto. Em Maio, ficarão a apenas seis. E eu, egoistamente, preferia que em 2013 eles voltassem a ficar a sete, em vez de passarem a estar a cinco.