Fez ontem quatro anos que recebi a notícia da morte da minha cadela Okapi, também – ou mais – conhecida por “ka-píi”. Não me recordaria da data se não fosse o meu irmão a lembrar-se e, singela mas sentidamente, lembrar-nos a todos com uma simples frase no facebook.
É natural que tenha sido o meu irmão a lembrar-se. Okapi nunca foi uma cadela verdadeiramente “minha” e, com o tempo, tornou-se absolutamente do meu irmão. Tínhamos uma relação estranha e distante, mas havia amor entre nós. Víamo-nos uma, duas vezes por mês. Apesar da distância e de ter sido, desde sempre, uma enormíssima vagabunda sem vergonha, eu conseguia passeá-la tranquilamente e sem recurso a trela – coisa que não pode dizer-se do comum dos mortais, sobretudo se houvesse gatos, motas, bêbados ou tractores por perto (nunca consegui descobrir a característica comum a todos os seus ódios). O certo é que me mostrava obediência, não sob a forma amestrada mas antes, estou em crer, como demonstração de gratidão.
Ka-píi era uma cadela da rua que bebia das sarjetas e comia do lixo. Magra, fraca, de orelhas para trás da cabeça, olhava as pessoas com olhos de súplica, com expressão de pedinte que quer e vai lacerar-nos o coração. Há 16 anos atrás, tal como hoje, eu tentava manter os sentimentos em ordem e, por isso, desviava o olhar e pensava em coisas boas. Não dava para ignorar que a tristeza existe, mas evitava a perigosa queda no sentimento que nos oblitera a razão (e isto é-me hoje fundamental, quando vivo paredes meias com Santa Apolónia, acreditem em mim).
Um dia, Ka-píi seguiu-me até casa e não arredou pé e eu não resisti: na minha imensa bondade, ensopei três carcaças com 6 dias em água da torneira e servi-as num alguidar. O manjar não lhe sobreviveu dois minutos e então ofereci-lhe ainda uma taça de leite. Sorveu com a sofreguidão de quem não sabe se voltará a comer no dia seguinte ou mais alguma vez em toda a sua vida. Depois disso, enxotei-a. Não queria um cão, estava bem como estava, sozinho e adolescente; e, depois, não queria AQUELE cão, escanzelado, sofrido, esfolado e submisso e, ao mesmo tempo, chato, a ladrar e a correr atrás das motas...
No dia seguinte voltou. Dois meses depois, dormia no sofá lá de casa (“não quero cães cá em casa!” dizia o meu pai duas semanas antes de a deixar adormecer no seu colo, frente à televisão) e 11 anos passados era bem mais “da casa” do que eu próprio – companheira dos meus pais, fiel amiga do meu irmão, condessa territorial mais que legítima, patroa de refeições e feroz opositora de qualquer companhia feminina de qualquer um de nós irmãos, Ka-píi ganhou estatuto. Estatuto e peso – de lingrinhas capaz de abalar com o vento, transformou-se num batoque de generosas proporções: um cão vagabundo será sempre um cão vagabundo; pode comer em casa, mas nunca, nunca esquece o seu percurso de alimentação alternativa. Tal como o gato escaldado que de água fria tem medo, um cão uma vez esfomeado será sôfrego uma vida inteira, nem que seja por precaução.
Ontem, quando recordei Ka-píi, lembrei-me de como eu gostava dela e a admirava, aquela cachorra snob embora rude, astuta, refilona e prepotente e lânguida o bastante para saber como levar-nos à certa, na altura ideal. Uma cadela de eleição no corpo e na pele de uma vira-lata! E depois pensei: como seria ter outro cão agora? Certamente, iria gostar dele e educá-lo e fazer as cedências e as exigências de que uma relação cino-familiar necessita. Mas não seria a mesma coisa. Nunca mais será a mesma coisa.
E ia pensando nisto enquanto estendia a roupa, no intervalo de uma conversa com dois distintos blógueres “da cor” quando, quase por milagre e para justificar a inclusão deste post neste blogue, me lembrei de fazer uma inesperada analogia com Jorge Jesus no Benfica. O Benfica é a minha casa, Jesus é a Ka-píi. Salvo seja, isto é sem maldade.
Jesus era o vira-lata que eu desprezava e que eu gozava quando o ouvia na TV, treinava ele o Belenenses e outros menores. Da primeira vez que se falou da sua possível vinda para o Benfica (na pré-época de Quique), ri-me. Mas ri-me muito. Quando, um ano mais tarde, a conversa foi mais séria, não quis acreditar. O Benfica não podia ter um treinador “daqueles”, um bruto, um bronco, sem nível, sem educação, sem conseguir fazer concordar um sujeito com um predicado numa frase simples. Autistamente, recusei a ideia.
Mas Jesus foi ficando. E foi ganhando. E foi fazendo asneiras. E foi ganhando mais e foi fazendo mais asneiras. E foi perdendo. E eu senti compaixão por ele. E depois recuperou e esforçou-se e tentou ser melhor. E eu fui-me identificando com o Benfica dele. E o Benfica foi tendo uma identidade e foi ele que a construiu. E hoje, quase três anos depois, Jesus faz parte do Benfica. Deste Benfica. É curioso que a entidade que a todos une seja tão maleável a quem a marca, em determinada era: o Benfica de Eusébio, o Benfica de Eriksson, o Benfica de Artur Jorge, o Benfica de Simão. O Benfica de Jesus.
Esta reflexão despretensiosa e, muito provavelmente, inconclusiva é uma singela homenagem a estas figuras que, na vida quotidiana e no futebol, marcam a nossa existência e a nossa forma de estar. Mesmo que as recusemos, se elas vierem para ficar, ficam mesmo. E acabamos por adoptá-las e por ficar confusos quando imaginamos o nosso mundo sem elas.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Reset
G.K. Chesterton, n' O Homem Que Era Quinta-feira, aludia às inúmeras possibilidades que existem no decorrer de uma viagem de metro, desde que se entra na carruagem até que se sai dela: apesar de tomarmos como certo e seguro que, entrando em Santa Apolónia, sairemos no Alto dos Moinhos a tempo de tomar uma cerveja, fumar um cigarro e dar dois dedos de conversa antes de entrarmos no Estádio, existe, na verdade, uma série praticamente infinita de outras possibilidades plausíveis que nunca levamos em consideração. Por exemplo, um amigo ligar-nos a dizer que "epá olha, estou no Colombo", altera o plano inicial: não saímos no Alto dos Moinhos, afinal; saímos na estação seguinte. Se quisermos um exemplo mais dramático, uma falha de electricidade pode fazer com que o comboio pare entre São Sebastião e a Praça de Espanha, o que fará com que nos atrasemos uns bons 40 minutos. No capítulo da tragédia mais à séria, tenhamos sempre presente o dia 1 de Novembro de 1755 e a possibilidade permanente de se ter que adiar um jogo por falta de Estádio. Há, portanto, todo um universo complexo por acontecer de cada vez que sucede precisamente o evento esperado, eliminando todas as outras possibilidades. Rejubilemos, então, de cada vez que esse evento corresponde à nossa expectativa, valorizemos o cumprimento de cada pequeno plano.
Edward Murphy, mais radical, declarou, peremptória mas não originalmente, que "o que pode correr mal, acaba, eventualmente, por correr mal". Não existe concordância entre as mensagens de Chesterton e de Murphy, mas existe complementaridade. O que o primeiro encara como possibilidade, o segundo sublinha como fatalidade - "pode não ser hoje, mas um dia..." Todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, o Adalberto Gilberto Norberto Roberto nos vai ligar a dizer que passou primeiro no Colombo.
Hoje, desde que acordei - e eu acordei cinco pontos mais cedo do que todos os portistas -, tenho tido estes pensamentos, estes nomes, Chesterton e Murphy, Murphy e Chesterton, a possibilidade e a fatalidade, coisas indistintas e sem forma, como visões sem rumo, a pairar-me sobre as ideias, dentro das ideias, antes e depois das ideias. Preocupado como sou, preocupei-me com naturalidade: "queres ver, Diego, que é um sinal de maldição e a gente ainda perde isto?".
Acontece que em matéria de futurologia e de superstição sou um tipo bastante científico. E então dei por mim a interpretar metodicamente estas mensagens encriptadas que o subconsciente, bem mais perspicaz do que eu próprio, me foi enviando. A verdade, supondo que só existe uma, é que a minha preocupação era umbiguista, diegocêntrica.
Eis que, com o decorrer das horas e após a ingestão de dois cafés, abri a mente: Chesterton e Murphy, Murphy e Chesterton, na minha cabeça, falavam afinal do Porto - mas com John Mortimore.
Edward Murphy, mais radical, declarou, peremptória mas não originalmente, que "o que pode correr mal, acaba, eventualmente, por correr mal". Não existe concordância entre as mensagens de Chesterton e de Murphy, mas existe complementaridade. O que o primeiro encara como possibilidade, o segundo sublinha como fatalidade - "pode não ser hoje, mas um dia..." Todos sabemos que, mais cedo ou mais tarde, o Adalberto Gilberto Norberto Roberto nos vai ligar a dizer que passou primeiro no Colombo.
Hoje, desde que acordei - e eu acordei cinco pontos mais cedo do que todos os portistas -, tenho tido estes pensamentos, estes nomes, Chesterton e Murphy, Murphy e Chesterton, a possibilidade e a fatalidade, coisas indistintas e sem forma, como visões sem rumo, a pairar-me sobre as ideias, dentro das ideias, antes e depois das ideias. Preocupado como sou, preocupei-me com naturalidade: "queres ver, Diego, que é um sinal de maldição e a gente ainda perde isto?".
Acontece que em matéria de futurologia e de superstição sou um tipo bastante científico. E então dei por mim a interpretar metodicamente estas mensagens encriptadas que o subconsciente, bem mais perspicaz do que eu próprio, me foi enviando. A verdade, supondo que só existe uma, é que a minha preocupação era umbiguista, diegocêntrica.
Eis que, com o decorrer das horas e após a ingestão de dois cafés, abri a mente: Chesterton e Murphy, Murphy e Chesterton, na minha cabeça, falavam afinal do Porto - mas com John Mortimore.
domingo, 29 de janeiro de 2012
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Sabedoria alternativa
- Que elaboras, Pequeno Vermelho?
- Master, não te ouvi entrar...
- Porque me movo como a brisa primaveril.
- Aprofundo sonhos, Master. Elaboro pensamentos.
- Fazes desenhos...
- Bom, não são bem desenhos.
- Rabiscos.
- Não, Master... são... tácticas.
- Ah, tácticas. Tácticas é bom.
- São tácticas alternativas.
- Alternativo também é bom. Está muito na moda. E é alternativo a quê?
- Bom, eu... No último jogo, eu vi Aimar começar no banco.
- Todos o vimos. Todos o vimos, Pequeno Vermelho...
- E até me fez sentido, no momento.
- Porém...
- Porém, depois vi Aimar entrar em campo e jogar e ganhar o jogo com delícia.
- Todos nos deliciámos, Pequeno Vermelho.
- Pois foi. E, mais tarde li o teu magnífico texto sobre Aimar.
- Sou modesto e aceito o teu elogio com humildade.
- Pois, eu sei que és, Master. E é contigo que aprendo. Mas dizia que li o teu texto e uma luz se acendeu em mim: a luz do problema. Porque, como tu dizes, "o problema é
- a luz que alumia o conhecimento", sim Pequeno Vermelho.
- Problematizei: se é de universal injustiça ou até mesmo ofensa iniciar um jogo com Aimar no banco, como fazer para incluí-lo numa equipa em grande forma, sendo que não existe a possibilidade de alinhar com 12?
- A tua pergunta é inteligente.
- Javi é a fundação do meio-campo, Witsel o seu dínamo e pulmão; Bruno César é arte e surpresa, Nolito é determinação e rasgo; Rodrigo é um puro sangue letal. E Cardozo...
- Cardozo é quem nos faz os golos. Quem tirarias tu de entre estes, Pequeno Vermelho?
- Ponderei, Master querido. Não obtive resultados. E então meditei.
- O teu processo é irrepreensível!
- Foi em ti que observei o método.
- E que te disseram os pensamentos que o Cosmos te ofereceu?
- Disseram-me que a minha questão não era certeira.
- Como assim?
- Sim, assim mesmo. E que, num conjunto, só se deve emendar as fraquezas, nunca as forças.
- Faz sentido. Mas onde está então a fraqueza? Se não existe, deverá Aimar permanecer no banco?
- Não, Master querido. Eu, ingénuo, busquei a fraqueza onde ela não existia, esse foi o meu erro. Fui preconceituoso. Voltei a ponderar. E perguntei-me "se a fraqueza não está aqui, no sítio em que a procuro, onde poderá ela estar?".
- Ah, espera... espera... dá-me sete segundos de pensamento. Espera... já sei: o Emerson! Claro, o Emerson!
- O teu brilho fascina-me, Master.
- Mostra-me os teus desenhos.
- São tácticas.
- Mostra-me as tuas tácticas.
- O meu espanto e admiração por ti são crescentes, Pequeno Vermelho.
- Ruboresço de embaraço e também de orgulho.
- Que clarividência! Que audácia! Que maturidade! Que idade tens, Pequeno Vermelho?
- Se penso no que sei, sou imberbe e ignorante. Mas quando questiono o que é tomado como óbvio, sinto-me velho como o Universo.
- ... Esta semana não vemos mais o Karaté Kid.
- Master, não te ouvi entrar...
- Porque me movo como a brisa primaveril.
- Aprofundo sonhos, Master. Elaboro pensamentos.
- Fazes desenhos...
- Bom, não são bem desenhos.
- Rabiscos.
- Não, Master... são... tácticas.
- Ah, tácticas. Tácticas é bom.
- São tácticas alternativas.
- Alternativo também é bom. Está muito na moda. E é alternativo a quê?
- Bom, eu... No último jogo, eu vi Aimar começar no banco.
- Todos o vimos. Todos o vimos, Pequeno Vermelho...
- E até me fez sentido, no momento.
- Porém...
- Porém, depois vi Aimar entrar em campo e jogar e ganhar o jogo com delícia.
- Todos nos deliciámos, Pequeno Vermelho.
- Pois foi. E, mais tarde li o teu magnífico texto sobre Aimar.
- Sou modesto e aceito o teu elogio com humildade.
- Pois, eu sei que és, Master. E é contigo que aprendo. Mas dizia que li o teu texto e uma luz se acendeu em mim: a luz do problema. Porque, como tu dizes, "o problema é
- a luz que alumia o conhecimento", sim Pequeno Vermelho.
- Problematizei: se é de universal injustiça ou até mesmo ofensa iniciar um jogo com Aimar no banco, como fazer para incluí-lo numa equipa em grande forma, sendo que não existe a possibilidade de alinhar com 12?
- A tua pergunta é inteligente.
- Javi é a fundação do meio-campo, Witsel o seu dínamo e pulmão; Bruno César é arte e surpresa, Nolito é determinação e rasgo; Rodrigo é um puro sangue letal. E Cardozo...
- Cardozo é quem nos faz os golos. Quem tirarias tu de entre estes, Pequeno Vermelho?
- Ponderei, Master querido. Não obtive resultados. E então meditei.
- O teu processo é irrepreensível!
- Foi em ti que observei o método.
- E que te disseram os pensamentos que o Cosmos te ofereceu?
- Disseram-me que a minha questão não era certeira.
- Como assim?
- Sim, assim mesmo. E que, num conjunto, só se deve emendar as fraquezas, nunca as forças.
- Faz sentido. Mas onde está então a fraqueza? Se não existe, deverá Aimar permanecer no banco?
- Não, Master querido. Eu, ingénuo, busquei a fraqueza onde ela não existia, esse foi o meu erro. Fui preconceituoso. Voltei a ponderar. E perguntei-me "se a fraqueza não está aqui, no sítio em que a procuro, onde poderá ela estar?".
- Ah, espera... espera... dá-me sete segundos de pensamento. Espera... já sei: o Emerson! Claro, o Emerson!
- O teu brilho fascina-me, Master.
- Mostra-me os teus desenhos.
- São tácticas.
- Mostra-me as tuas tácticas.
- O meu espanto e admiração por ti são crescentes, Pequeno Vermelho.
- Ruboresço de embaraço e também de orgulho.
- Que clarividência! Que audácia! Que maturidade! Que idade tens, Pequeno Vermelho?
- Se penso no que sei, sou imberbe e ignorante. Mas quando questiono o que é tomado como óbvio, sinto-me velho como o Universo.
- ... Esta semana não vemos mais o Karaté Kid.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Manual do bloguer de bola - versão muito resumida
Por vezes, chegam a estas caixas de comentários mensagens do género:
«Gosto muito do vosso blogue e estou a começar o meu, o euseimaisdeboladoqueofreitaslobo.blogspot.com, e gostava que incluíssem o link na vossa barra lateral. Se o fizerem, eu retribuo.»
Não percebo grande coisa da dinâmica da blogosfera nem sei como potenciar a leitura massiva de um blogue. Prova do que digo é que raramente passo dos 400 leitores por dia. Para terem uma ideia do quanto o número é ridículo, a Marta Rebelo, por cada crónica, chega tranquilamente aos 800 mil leitores - e só dois é que gostam dela. No entanto, sei outras coisas que podem ser úteis para o bloguer que inicia funções. Pode não fazer dele a nova Marta Rebelo. Mas apresenta outras vantagens, nomeadamente para mim.
Se não se importam, vou organizar isto numa lista. E pôr números nos tópicos. Eu gosto de números e tópicos, dá um ar técnico à cena. Gosto mesmo disso. Portanto:
1) As boas maneiras.
Este tópico é generalista, já que o tema abrange todo o convívio entre humanos. Imaginando a blogosfera futebolística como uma comunidade, as boas maneiras são sempre bem-vindas. Assim, caro bloguer, ao invés de me propores algo que eu não te pedi e que posso dispensar com a maior das indiferenças, sobretudo depois de ter lido a mesma proposta em 57 outros blogues de futebol que frequento sem que tivesse existido sequer a preocupação com a concordância entre o número a que aponta a tua mensagem e a quantidade de pessoas que escreve neste blogue (lamento, sou só um…), por que não uma demonstração de cortesia da tua parte? Ser cortês fica bem até numa reunião entre o Pinto da Costa e um dirigente da arbitragem, o YouTube não me deixa mentir. Assim, sugiro que deixes de parte esse esforço inglório de palmilhar blogues e blogues, de copy-paste em copy-paste, a ser chato, a ser incómodo e a ser ignorado, e canalizes a tua energia para uma coisa muito mais simples: linka os blogues de que verdadeiramente gostas. É simpático e será uma questão de dias até que os administradores desses blogues se apercebam da tua gentileza. Quando o fizerem, visitar-te-ão e, te garanto, se gostarem do que lerem, serás justamente retribuído.
2) A intervenção pública.
Tens muitas coisas para dizer, pois tens, aliás, foi isso que te levou a fundar um blogue só teu: tens uma opinião muito própria, extremamente própria, e achas que ela importa realmente. És jovem, tens vigor, sabes coisas e a ti ninguém te manipula, não senhor, tu és independente! Pois bem, nada como mostrá-lo ao mundo. Mas calma: o passo não deve ser maior do que a perna. Assim, antes de iniciares a produção daquilo que será a futura enciclopédia do futebol pós-moderno e vanguardista – e para que não a escrevas sem que ninguém dê por isso a não ser que espalhes o teu comentário-melga por cada pardieiro que se aparente vagamente com um blogue –, que tal comentares os blogues que lês e – vá lá, confessa – te serviram pelo menos de molde, nem que seja pela negação das aberrações que são quando comparados com o teu modelo brilhante, que frequentas diariamente? Aí, podes, sem compromisso, experimentar o debate, a argumentação, a própria escrita, em casos extraordinários, a leitura e compreensão do que os outros dizem. Bem sei que parece disparatado mas, eventualmente, darão pela tua presença. Nesse momento, clicarão no teu nick que os há-de encaminhar para o teu blogue. Então, estaremos perante a situação descrita no ponto 1 (opá, o que eu gosto disto dos pontos! Fica tão mais simples. O Sporting não sabe o que perde, de facto… ter pontos é tão bom).
3) A atitude.
Agora que já foste cortês e interventivo e, com isso, captaste a atenção de alguns distintos bloguéres (que palavra chic) do futebol nacional, convém que estejas preparado: tens de ter textos à mostra para que possamos deleitar-nos com a leitura do teu génio. Porém, isto não é só literatura. Nada disso, as coisas não podem ser assim tão simples, não é? Pois claro que não. Um bom blogue sustenta-se na atitude do seu autor (quando são vários autores, as diversas atitudes criam uma dinâmica própria que tornará o blogue, em si, distinto de todos os outros; no entanto, e pelo que conheço, os blogues comunitários, digamos assim, têm sempre uma espécie de “líder tribal” que concentra em si a atitude que os leitores esperam quando, pela manhã, abrem o blogue em busca de novidades. Mais que não seja, porque esse redactor compulsivo escreve, por norma, 92% dos posts expostos – e não estou aqui a apontar o meu dedo a ninguém, escusam de se insurgir). Não existe uma atitude que possa ser eleita como “a” atitude. Mas temos para ti vários modelos à escolha. Vou apresentar-te os três com maiorimplante implantação neste nosso pequeno mundinho.
3.1) [Opá, que maravilha… 3.1… classe! Classe!] Sintetizador do óbvio.
Se não quiseres ter muito trabalho mas, em contrapartida, pretenderes garantir vasta audiência, faz o seguinte: finge que os teus leitores não vêem os jogos, não lêem jornais e não gostam de pensar. Posto isto, supõe que TU és o guru que os vai iluminar, mostrando-lhes o que acontece em frases claras e simples como «o Benfica ontem sentiu dificuldades, mas conseguiu levar a água ao seu moinho». Depois dissertas um pouco sobre o assunto. Se puderes, especula – do género «e se Aimar tivesse jogado de início?» -, mas sempre sem exagerar. Lembra-te: estás a fingir que nós não pensamos e nós estamos a fingir o mesmo. Portanto, não nos dês muito trabalho: diz-nos aquilo que sabemos que vamos ler.
3.2) Provocador.
Esta postura também dá milhões de clientes. És do Benfica? Faz posts a gozar com o Porto. És do Porto? Faz posts a dizer mal do Benfica. És do Sporting? Xinga os do Braga até não poderes mais. Não falha. Os teus rivais vão andar em cima de ti como o fora-de-jogo em cima do Postiga: não te dão um milímetro. Serás insultado, vandalizado, apupado, moralmente violado, tudo isso. Mas serás, sobretudo, visitado. E não é isso o que se pretende?
3.3) Literato.
Não é para todos, mas quero que saibas que acredito piamente nos teus talentos e, por isso, esta é a modalidade em que te vejo, sem margem para dúvidas. Dominas a escrita como o Pepe controla a raiva, o teu discurso está ao nível do de Jorge Jesus – calma, só ao nível da criatividade –, leste mais romances clássicos do que exemplares d’ A Bola no tempo do Olímpio Bento? És o homem certo para o lugar vago. Ter um blogue é um exercício de pavão, é bom que tenhas consciência disso. E, se tu não gostares de ti, Narciso, quem gostará? Exibe-te, espalha o teu glamour.
Agora, vai, dá o teu melhor. Mostra ao mundo o quanto és bonito. Eu estarei cá para te ler. E, se gostar, partilho o link na minha barra lateral. Palavra de honra.
«Gosto muito do vosso blogue e estou a começar o meu, o euseimaisdeboladoqueofreitaslobo.blogspot.com, e gostava que incluíssem o link na vossa barra lateral. Se o fizerem, eu retribuo.»
Não percebo grande coisa da dinâmica da blogosfera nem sei como potenciar a leitura massiva de um blogue. Prova do que digo é que raramente passo dos 400 leitores por dia. Para terem uma ideia do quanto o número é ridículo, a Marta Rebelo, por cada crónica, chega tranquilamente aos 800 mil leitores - e só dois é que gostam dela. No entanto, sei outras coisas que podem ser úteis para o bloguer que inicia funções. Pode não fazer dele a nova Marta Rebelo. Mas apresenta outras vantagens, nomeadamente para mim.
Se não se importam, vou organizar isto numa lista. E pôr números nos tópicos. Eu gosto de números e tópicos, dá um ar técnico à cena. Gosto mesmo disso. Portanto:
1) As boas maneiras.
Este tópico é generalista, já que o tema abrange todo o convívio entre humanos. Imaginando a blogosfera futebolística como uma comunidade, as boas maneiras são sempre bem-vindas. Assim, caro bloguer, ao invés de me propores algo que eu não te pedi e que posso dispensar com a maior das indiferenças, sobretudo depois de ter lido a mesma proposta em 57 outros blogues de futebol que frequento sem que tivesse existido sequer a preocupação com a concordância entre o número a que aponta a tua mensagem e a quantidade de pessoas que escreve neste blogue (lamento, sou só um…), por que não uma demonstração de cortesia da tua parte? Ser cortês fica bem até numa reunião entre o Pinto da Costa e um dirigente da arbitragem, o YouTube não me deixa mentir. Assim, sugiro que deixes de parte esse esforço inglório de palmilhar blogues e blogues, de copy-paste em copy-paste, a ser chato, a ser incómodo e a ser ignorado, e canalizes a tua energia para uma coisa muito mais simples: linka os blogues de que verdadeiramente gostas. É simpático e será uma questão de dias até que os administradores desses blogues se apercebam da tua gentileza. Quando o fizerem, visitar-te-ão e, te garanto, se gostarem do que lerem, serás justamente retribuído.
2) A intervenção pública.
Tens muitas coisas para dizer, pois tens, aliás, foi isso que te levou a fundar um blogue só teu: tens uma opinião muito própria, extremamente própria, e achas que ela importa realmente. És jovem, tens vigor, sabes coisas e a ti ninguém te manipula, não senhor, tu és independente! Pois bem, nada como mostrá-lo ao mundo. Mas calma: o passo não deve ser maior do que a perna. Assim, antes de iniciares a produção daquilo que será a futura enciclopédia do futebol pós-moderno e vanguardista – e para que não a escrevas sem que ninguém dê por isso a não ser que espalhes o teu comentário-melga por cada pardieiro que se aparente vagamente com um blogue –, que tal comentares os blogues que lês e – vá lá, confessa – te serviram pelo menos de molde, nem que seja pela negação das aberrações que são quando comparados com o teu modelo brilhante, que frequentas diariamente? Aí, podes, sem compromisso, experimentar o debate, a argumentação, a própria escrita, em casos extraordinários, a leitura e compreensão do que os outros dizem. Bem sei que parece disparatado mas, eventualmente, darão pela tua presença. Nesse momento, clicarão no teu nick que os há-de encaminhar para o teu blogue. Então, estaremos perante a situação descrita no ponto 1 (opá, o que eu gosto disto dos pontos! Fica tão mais simples. O Sporting não sabe o que perde, de facto… ter pontos é tão bom).
3) A atitude.
Agora que já foste cortês e interventivo e, com isso, captaste a atenção de alguns distintos bloguéres (que palavra chic) do futebol nacional, convém que estejas preparado: tens de ter textos à mostra para que possamos deleitar-nos com a leitura do teu génio. Porém, isto não é só literatura. Nada disso, as coisas não podem ser assim tão simples, não é? Pois claro que não. Um bom blogue sustenta-se na atitude do seu autor (quando são vários autores, as diversas atitudes criam uma dinâmica própria que tornará o blogue, em si, distinto de todos os outros; no entanto, e pelo que conheço, os blogues comunitários, digamos assim, têm sempre uma espécie de “líder tribal” que concentra em si a atitude que os leitores esperam quando, pela manhã, abrem o blogue em busca de novidades. Mais que não seja, porque esse redactor compulsivo escreve, por norma, 92% dos posts expostos – e não estou aqui a apontar o meu dedo a ninguém, escusam de se insurgir). Não existe uma atitude que possa ser eleita como “a” atitude. Mas temos para ti vários modelos à escolha. Vou apresentar-te os três com maior
3.1) [Opá, que maravilha… 3.1… classe! Classe!] Sintetizador do óbvio.
Se não quiseres ter muito trabalho mas, em contrapartida, pretenderes garantir vasta audiência, faz o seguinte: finge que os teus leitores não vêem os jogos, não lêem jornais e não gostam de pensar. Posto isto, supõe que TU és o guru que os vai iluminar, mostrando-lhes o que acontece em frases claras e simples como «o Benfica ontem sentiu dificuldades, mas conseguiu levar a água ao seu moinho». Depois dissertas um pouco sobre o assunto. Se puderes, especula – do género «e se Aimar tivesse jogado de início?» -, mas sempre sem exagerar. Lembra-te: estás a fingir que nós não pensamos e nós estamos a fingir o mesmo. Portanto, não nos dês muito trabalho: diz-nos aquilo que sabemos que vamos ler.
3.2) Provocador.
Esta postura também dá milhões de clientes. És do Benfica? Faz posts a gozar com o Porto. És do Porto? Faz posts a dizer mal do Benfica. És do Sporting? Xinga os do Braga até não poderes mais. Não falha. Os teus rivais vão andar em cima de ti como o fora-de-jogo em cima do Postiga: não te dão um milímetro. Serás insultado, vandalizado, apupado, moralmente violado, tudo isso. Mas serás, sobretudo, visitado. E não é isso o que se pretende?
3.3) Literato.
Não é para todos, mas quero que saibas que acredito piamente nos teus talentos e, por isso, esta é a modalidade em que te vejo, sem margem para dúvidas. Dominas a escrita como o Pepe controla a raiva, o teu discurso está ao nível do de Jorge Jesus – calma, só ao nível da criatividade –, leste mais romances clássicos do que exemplares d’ A Bola no tempo do Olímpio Bento? És o homem certo para o lugar vago. Ter um blogue é um exercício de pavão, é bom que tenhas consciência disso. E, se tu não gostares de ti, Narciso, quem gostará? Exibe-te, espalha o teu glamour.
Agora, vai, dá o teu melhor. Mostra ao mundo o quanto és bonito. Eu estarei cá para te ler. E, se gostar, partilho o link na minha barra lateral. Palavra de honra.
«Ou vão roubar para a estrada ou a malta fica na rua»
ANTES DE MAIS: http://apoiamosporfora.blogspot.com/ É aqui que devem dirigir-se.
Finalmente, um post institucional. A desfaçatez do presidente do Feirense levou-o a querer o melhor de dois mundos. O Benfica garantir-lhe-ia a melhor receita da época. Porém, para que tal acontecesse, o Feirense - um clube que sempre me mereceu simpatia - teria de jogar em Aveiro, num estádio com maior capacidade. Ora, fizeram-se contas e deu quanto? Deu isto: joga-se em casa, num quintalinho que leva 5 mil pessoas. Para não se perder dinheiro, cobram-se preços de final de Liga dos Campeões aos Benfiquistas eufóricos.
É certo, só à vai à bola quem quer e ninguém é obrigado a pagar bilhete... E é isso mesmo que o blogue O Céu Encarnado sugere: Benfiquista, vai com o Benfica, mas não pagues bilhete. Faz a tua festa, grita pelos teus, mas, por favor: não pagues esse bilhete! A ideia é tão boa que merece o apoio de blogues tão distintos quanto o Ontem Vi-te no Estádio da Luz, que espera ver-te sábado à porta do Marcolino de Castro. Leiam, se ainda não leram, as sugestões e os detalhes do plano.
PS - Sugere uma amiga minha: «É levar o Meo Go». É improvável que alguém da Meo leia este blogue. Mas a ideia de a Meo se associar à iniciativa seria de grande nível...
Finalmente, um post institucional. A desfaçatez do presidente do Feirense levou-o a querer o melhor de dois mundos. O Benfica garantir-lhe-ia a melhor receita da época. Porém, para que tal acontecesse, o Feirense - um clube que sempre me mereceu simpatia - teria de jogar em Aveiro, num estádio com maior capacidade. Ora, fizeram-se contas e deu quanto? Deu isto: joga-se em casa, num quintalinho que leva 5 mil pessoas. Para não se perder dinheiro, cobram-se preços de final de Liga dos Campeões aos Benfiquistas eufóricos.
É certo, só à vai à bola quem quer e ninguém é obrigado a pagar bilhete... E é isso mesmo que o blogue O Céu Encarnado sugere: Benfiquista, vai com o Benfica, mas não pagues bilhete. Faz a tua festa, grita pelos teus, mas, por favor: não pagues esse bilhete! A ideia é tão boa que merece o apoio de blogues tão distintos quanto o Ontem Vi-te no Estádio da Luz, que espera ver-te sábado à porta do Marcolino de Castro. Leiam, se ainda não leram, as sugestões e os detalhes do plano.
PS - Sugere uma amiga minha: «É levar o Meo Go». É improvável que alguém da Meo leia este blogue. Mas a ideia de a Meo se associar à iniciativa seria de grande nível...
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Cada segundo deve ser apreciado
“Costumo dizer aos mais novos para apreciarem cada minuto do jogo, para não esperarem até serem mais experientes. Ser futebolista é fantástico e cada segundo deve ser apreciado.”
A admiração e respeito que tenho por Pablo Aimar – a quem não identificou de imediato o autor da citação: vergonha nessa cara – não pára de crescer e, mesmo quando penso que atingiu o expoente máximo, o Mago entra pelo meu mundo adentro, ora com a bola nos pés, ora com o brilho na ponta da língua, e explica-me que é sempre possível fazer melhor – mesmo quando já se fez o melhor. Não há limites para esta nossa relação, o crescendo é permanente e desconfio que será sempre assim. E até é uma relação, bem vistas as coisas, bastante próxima: vemo-nos pelo menos duas vezes por mês e, normalmente, até fico perto dele. O Pablo não sabe quem eu sou mas isso pouco importa: piso zero, bancada Sagres na direcção da linha direita (para quem ataca) da pequena área, por volta da 20.ª fila – sou aquele rapaz parecido contigo, Pablito.
Sobre ser futebolista sei muito, muito pouco. Joguei mais ou menos a sério, mas era novo e jogava muito mal. Muitos anos mais tarde, já eu não jogava a sério – e, mesmo a brincar, jogava muito pouco –, recebi aquela que parecia ser a solução para a minha falta de talento: a camisola com o 10 nas costas e a inscrição “Aimar”. Ganhei, de cada vez que entrei em campo com ela, pelo menos uns bons 10 a 15 minutos de respeito de adversários e companheiros. Por um lado, pela inequívoca beleza da camisola em si; por outro, pela ilusão que a minha fisionomia, em conjunto com o jersey ungido, criava nos jogadores em campo: «será El Mago?», «Pablo, és mesmo tu?» ou «o que se passa contigo, Pablito? Estás doente?» foram frases que ouvi diversas vezes. Como gosto de futebol e de fantasia, não gosto de desfazer logo o equívoco revelando a minha identidade reduzida. Prefiro deixar andar até àquele momento em que alguém mais perspicaz exclama «ó, bolas, afinal é o Diego!…» e, pronto, mais ninguém me passa a bola. Nestas coisas, quanto mais tarde, melhor… afinal, eu também pago o aluguer do campo.
Ainda assim, entendo na perfeição o que diz Aimar. E é tão bonito saber que ele pensa assim. Desfrutar, deleitar-se: coisas tão simples de fazer e que o ser humano faz tão raramente. Somos ingratos, não somos? Aimar não é, é sim clarividente e apaixonado pelo que faz.
Mas, se de futebolista nada percebo, já sobre ser adepto de futebol sei muita coisa. E sobre ser do Benfica sei muito mais, porque só sei ser dessa maneira, não conheço outra. E, se há coisa fantástica em toda esta circunstância de adorar o futebol e de viver com o Benfica, é precisamente poder apreciar Pablo Aimar, camisola 10 encarnada, franzino e genial a conduzir o jogo como nunca vi outro. A expressão “dominar a bola” assenta aqui como a bola assenta no pé de Aimar quando recebe um balão de 40 metros. Acontece que a coisa não fica assim, porque “dominar” é um termo de peso que aponta à subjugação e eu não creio que Aimar subjugue a sua doçura redondinha. Nada disso, aquela obediência é coisa cúmplice, tudo ali é amor e não temor. Aimar domina porque a bola o consente e até gosta. Cúbica, caprichosa e escorregadia para tantos; oferecida, redonda, suave e macia para tão poucos, a bola de futebol, como qualquer mulher, escolhe aqueles que podem encantá-la e encantar com ela. E eu nunca vi uma que resistisse aos encantos de Pablito.
Tudo isto para dizer aos mais poderosos do Benfica para apreciarem cada minuto de Aimar em campo, para não esperarem até ser tarde demais. Tê-lo como futebolista é fantástico e cada segundo seu em acção deve ser apreciado. Se possível, prolongado, esticado, acrescentado. E renovado.
A admiração e respeito que tenho por Pablo Aimar – a quem não identificou de imediato o autor da citação: vergonha nessa cara – não pára de crescer e, mesmo quando penso que atingiu o expoente máximo, o Mago entra pelo meu mundo adentro, ora com a bola nos pés, ora com o brilho na ponta da língua, e explica-me que é sempre possível fazer melhor – mesmo quando já se fez o melhor. Não há limites para esta nossa relação, o crescendo é permanente e desconfio que será sempre assim. E até é uma relação, bem vistas as coisas, bastante próxima: vemo-nos pelo menos duas vezes por mês e, normalmente, até fico perto dele. O Pablo não sabe quem eu sou mas isso pouco importa: piso zero, bancada Sagres na direcção da linha direita (para quem ataca) da pequena área, por volta da 20.ª fila – sou aquele rapaz parecido contigo, Pablito.
Sobre ser futebolista sei muito, muito pouco. Joguei mais ou menos a sério, mas era novo e jogava muito mal. Muitos anos mais tarde, já eu não jogava a sério – e, mesmo a brincar, jogava muito pouco –, recebi aquela que parecia ser a solução para a minha falta de talento: a camisola com o 10 nas costas e a inscrição “Aimar”. Ganhei, de cada vez que entrei em campo com ela, pelo menos uns bons 10 a 15 minutos de respeito de adversários e companheiros. Por um lado, pela inequívoca beleza da camisola em si; por outro, pela ilusão que a minha fisionomia, em conjunto com o jersey ungido, criava nos jogadores em campo: «será El Mago?», «Pablo, és mesmo tu?» ou «o que se passa contigo, Pablito? Estás doente?» foram frases que ouvi diversas vezes. Como gosto de futebol e de fantasia, não gosto de desfazer logo o equívoco revelando a minha identidade reduzida. Prefiro deixar andar até àquele momento em que alguém mais perspicaz exclama «ó, bolas, afinal é o Diego!…» e, pronto, mais ninguém me passa a bola. Nestas coisas, quanto mais tarde, melhor… afinal, eu também pago o aluguer do campo.
Ainda assim, entendo na perfeição o que diz Aimar. E é tão bonito saber que ele pensa assim. Desfrutar, deleitar-se: coisas tão simples de fazer e que o ser humano faz tão raramente. Somos ingratos, não somos? Aimar não é, é sim clarividente e apaixonado pelo que faz.
Mas, se de futebolista nada percebo, já sobre ser adepto de futebol sei muita coisa. E sobre ser do Benfica sei muito mais, porque só sei ser dessa maneira, não conheço outra. E, se há coisa fantástica em toda esta circunstância de adorar o futebol e de viver com o Benfica, é precisamente poder apreciar Pablo Aimar, camisola 10 encarnada, franzino e genial a conduzir o jogo como nunca vi outro. A expressão “dominar a bola” assenta aqui como a bola assenta no pé de Aimar quando recebe um balão de 40 metros. Acontece que a coisa não fica assim, porque “dominar” é um termo de peso que aponta à subjugação e eu não creio que Aimar subjugue a sua doçura redondinha. Nada disso, aquela obediência é coisa cúmplice, tudo ali é amor e não temor. Aimar domina porque a bola o consente e até gosta. Cúbica, caprichosa e escorregadia para tantos; oferecida, redonda, suave e macia para tão poucos, a bola de futebol, como qualquer mulher, escolhe aqueles que podem encantá-la e encantar com ela. E eu nunca vi uma que resistisse aos encantos de Pablito.
Tudo isto para dizer aos mais poderosos do Benfica para apreciarem cada minuto de Aimar em campo, para não esperarem até ser tarde demais. Tê-lo como futebolista é fantástico e cada segundo seu em acção deve ser apreciado. Se possível, prolongado, esticado, acrescentado. E renovado.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Diálogo sobre a insensatez
(Pequeno Vermelho): Master, leste o que disse Vareta?
(Eu): Não, Pequeno Vermelho. Que disse Vareta?
(Pequeno Vermelho): Ele diz que não tens razão, que te falta o cuspinho dos post-its quando expões a tese de que a condição de Benfiquista é essencial ao homem quando nasce.
(Eu): Ofereço a Vareta a minha expressão mais profundamente admirada.
(Pequeno Vermelho): Hu-hum… e diz que copias o excepcionalismo americano.
(Eu): Pequeno Vermelho, tu sabes como jogam futebol os americanos?
(Pequeno Vermelho): Não, Master. Como é?
(Eu)? Com as mãos.
(Pequeno Vermelho): Oh… O meu espanto é monumental.
(Eu): E de capacete! É para que vejas como as pessoas conseguem, por vezes, ser insensatas e injustas. Que comparação descabida! Estamos perante um povo que modificou geneticamente o Belo Desporto, como podes constatar.
(Pequeno Vermelho): O horror… o horror…
(Eu): De tal modo que um jogador americano de futebol é substancialmente diferente de um jogador de futebol americano.
(Pequeno Vermelho): O Onyewu é um jogador de futebol americano ou um americano jogador de futebol?
(Eu): Bom… é… do Sporting. É… diferente.
(Pequeno Vermelho): Ah, pois…
(Eu): E que mais diz Vareta?
(Pequeno Vermelho): Diz que o Benfiquismo, tal como o vês, pode ser equiparado à circuncisão.
(Eu): Americano e judeu… Dirá, também, Vareta que o Estádio da Luz fica em Hollywood?! Estou desconcertado.
(Pequeno Vermelho): E diz que o Benfiquismo nasce do não-Benfiquismo e não o contrário. Afirma Vareta que «o não-Benfiquismo se transforma na condição necessária ao nascimento do Benfiquismo».
(Eu): Que afirmação imprudente.
(Pequeno Vermelho): Explica-me, Master: onde está a verdade?
(Eu): Diz-me, Pequeno Vermelho, com quantos dedos nas mãos nasce um homem?
(Pequeno Vermelho): Dez, Master. Cinco em cada mão.
(Eu): E será normal se um homem nascer sem dedos?
(Pequeno Vermelho): Não, Master.
(Eu): Nascer com dez dedos é como nascer Benfiquista: é o que faz parte. Afirmar que o Benfiquismo nasce do não-Benfiquismo é insensato – é como dizer que o normal é que um homem nasça sem dedos. É verdade que pode acontecer. Mas não será normal.
(Pequeno Vermelho): E se nascer com nove dedos? Ou com onze?
(Eu): Segundo Vareta, será perfeitamente normal. Porém, não é esse o padrão a que a Natureza nos habituou, pois não?
(Pequeno Vermelho): Não, Master.
(Eu): O homem nasce Benfiquista e com dez dedos. Nascer com nove ou com onze é um acidente, tal como nascer não-Benfiquista.
(Pequeno Vermelho): O Álvaro nasceu com onze…
(Eu): Mas Benfiquista.
(Pequeno Vermelho): E o Shéu com nove..
(Eu): É para que vejas…
(Eu): Não, Pequeno Vermelho. Que disse Vareta?
(Pequeno Vermelho): Ele diz que não tens razão, que te falta o cuspinho dos post-its quando expões a tese de que a condição de Benfiquista é essencial ao homem quando nasce.
(Eu): Ofereço a Vareta a minha expressão mais profundamente admirada.
(Pequeno Vermelho): Hu-hum… e diz que copias o excepcionalismo americano.
(Eu): Pequeno Vermelho, tu sabes como jogam futebol os americanos?
(Pequeno Vermelho): Não, Master. Como é?
(Eu)? Com as mãos.
(Pequeno Vermelho): Oh… O meu espanto é monumental.
(Eu): E de capacete! É para que vejas como as pessoas conseguem, por vezes, ser insensatas e injustas. Que comparação descabida! Estamos perante um povo que modificou geneticamente o Belo Desporto, como podes constatar.
(Pequeno Vermelho): O horror… o horror…
(Eu): De tal modo que um jogador americano de futebol é substancialmente diferente de um jogador de futebol americano.
(Pequeno Vermelho): O Onyewu é um jogador de futebol americano ou um americano jogador de futebol?
(Eu): Bom… é… do Sporting. É… diferente.
(Pequeno Vermelho): Ah, pois…
(Eu): E que mais diz Vareta?
(Pequeno Vermelho): Diz que o Benfiquismo, tal como o vês, pode ser equiparado à circuncisão.
(Eu): Americano e judeu… Dirá, também, Vareta que o Estádio da Luz fica em Hollywood?! Estou desconcertado.
(Pequeno Vermelho): E diz que o Benfiquismo nasce do não-Benfiquismo e não o contrário. Afirma Vareta que «o não-Benfiquismo se transforma na condição necessária ao nascimento do Benfiquismo».
(Eu): Que afirmação imprudente.
(Pequeno Vermelho): Explica-me, Master: onde está a verdade?
(Eu): Diz-me, Pequeno Vermelho, com quantos dedos nas mãos nasce um homem?
(Pequeno Vermelho): Dez, Master. Cinco em cada mão.
(Eu): E será normal se um homem nascer sem dedos?
(Pequeno Vermelho): Não, Master.
(Eu): Nascer com dez dedos é como nascer Benfiquista: é o que faz parte. Afirmar que o Benfiquismo nasce do não-Benfiquismo é insensato – é como dizer que o normal é que um homem nasça sem dedos. É verdade que pode acontecer. Mas não será normal.
(Pequeno Vermelho): E se nascer com nove dedos? Ou com onze?
(Eu): Segundo Vareta, será perfeitamente normal. Porém, não é esse o padrão a que a Natureza nos habituou, pois não?
(Pequeno Vermelho): Não, Master.
(Eu): O homem nasce Benfiquista e com dez dedos. Nascer com nove ou com onze é um acidente, tal como nascer não-Benfiquista.
(Pequeno Vermelho): O Álvaro nasceu com onze…
(Eu): Mas Benfiquista.
(Pequeno Vermelho): E o Shéu com nove..
(Eu): É para que vejas…
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Não é amor, vem antes disso
Pai: Então doutor? Já nasceu?
Doutor: Hum... sim, já nasceu...
Pai: E então? Está tudo em ordem?
Doutor: Bom, err... está quase quase tudo bem...
Pai: Quase tudo?
Doutor: Há um... um pequeno, vá lá, problema com o menino...
Pai: Um problema? Que problema, doutor?
Doutor: Bom... a criança, enfim... a criança infelizmente não é Benfiquista...
Pai: Mas... mas... não é Benfiquista? Como "não é Benfiquista"?
Doutor: Ainda não posso adiantar muito, teremos de fazer uns exames para determinar o desvio... Estas malformações não são detectáveis nas ecografias, compreende? De qualquer forma, é um handicap raro de origem ainda indeterminada...
Pai: Ó meu Deus... e agora? É muito grave, doutor? Há cura?
Doutor: Cura não tem. Mas, quem sabe, no futuro não surge uma terapia eficiente? Há que ter esperança.
Pai: Mas é grave?
Doutor: Diria que poderá trazer transtornos, mas a gravidade só poderá ser avaliada depois de determinada a natureza do desvio. De qualquer modo, é importante educar o menino num ambiente confortável, tratá-lo como se não tivesse qualquer problema e, sobretudo, acarinhá-lo muito. Pode ser diferente, mas merece o vosso amor. É o vosso filho e nunca se esqueçam disso...
Quando ouço ou leio alguém que não é Benfiquista a falar das alegrias que o seu clube lhe dá, sinto sempre alguma compaixão, penso sempre "coitados... alegria dos tristes". Isto não é maldade nem, tão pouco, maledicência de qualquer espécie. É uma reacção natural, uma intuição: sem Benfica, tudo é incompleto, tudo pode ser, na melhor das hipóteses, quase bom. Não sei como explicá-lo. É como se, não se sendo Benfiquista, a vitória, seja ela qual for, não passasse de um prémio de consolação. Porque ser do Benfica é um estado perpétuo e elevado de existência. Não ser do Benfica é o resto. Vejo sempre o ser do Benfica como uma condição natural do ser humano, a priori; se não se é do Benfica é porque alguma coisa falhou, algures.
Ontem ouvi a Maria José Valério a falar na televisão, a contar como foi cantar pela primeira vez o hino do Sporting. E notei-lhe - não estou a brincar - uma leve angústia na voz e no olhar quando ela descrevia, com sorriso amargo, a alegria que sentiu quando cantou, no Tivoli, "viva o Sporting!" e o público, sportinguista, respondia "viva o Sporting". Havia um traço a transtornar-lhe a expressão, algo naquela descrição denunciava uma felicidade imperfeita e incontornável - como se ela pensasse "mas, apesar de tudo, foi um momento alegre, enfim...".
Doutor: Hum... sim, já nasceu...
Pai: E então? Está tudo em ordem?
Doutor: Bom, err... está quase quase tudo bem...
Pai: Quase tudo?
Doutor: Há um... um pequeno, vá lá, problema com o menino...
Pai: Um problema? Que problema, doutor?
Doutor: Bom... a criança, enfim... a criança infelizmente não é Benfiquista...
Pai: Mas... mas... não é Benfiquista? Como "não é Benfiquista"?
Doutor: Ainda não posso adiantar muito, teremos de fazer uns exames para determinar o desvio... Estas malformações não são detectáveis nas ecografias, compreende? De qualquer forma, é um handicap raro de origem ainda indeterminada...
Pai: Ó meu Deus... e agora? É muito grave, doutor? Há cura?
Doutor: Cura não tem. Mas, quem sabe, no futuro não surge uma terapia eficiente? Há que ter esperança.
Pai: Mas é grave?
Doutor: Diria que poderá trazer transtornos, mas a gravidade só poderá ser avaliada depois de determinada a natureza do desvio. De qualquer modo, é importante educar o menino num ambiente confortável, tratá-lo como se não tivesse qualquer problema e, sobretudo, acarinhá-lo muito. Pode ser diferente, mas merece o vosso amor. É o vosso filho e nunca se esqueçam disso...
Quando ouço ou leio alguém que não é Benfiquista a falar das alegrias que o seu clube lhe dá, sinto sempre alguma compaixão, penso sempre "coitados... alegria dos tristes". Isto não é maldade nem, tão pouco, maledicência de qualquer espécie. É uma reacção natural, uma intuição: sem Benfica, tudo é incompleto, tudo pode ser, na melhor das hipóteses, quase bom. Não sei como explicá-lo. É como se, não se sendo Benfiquista, a vitória, seja ela qual for, não passasse de um prémio de consolação. Porque ser do Benfica é um estado perpétuo e elevado de existência. Não ser do Benfica é o resto. Vejo sempre o ser do Benfica como uma condição natural do ser humano, a priori; se não se é do Benfica é porque alguma coisa falhou, algures.
Ontem ouvi a Maria José Valério a falar na televisão, a contar como foi cantar pela primeira vez o hino do Sporting. E notei-lhe - não estou a brincar - uma leve angústia na voz e no olhar quando ela descrevia, com sorriso amargo, a alegria que sentiu quando cantou, no Tivoli, "viva o Sporting!" e o público, sportinguista, respondia "viva o Sporting". Havia um traço a transtornar-lhe a expressão, algo naquela descrição denunciava uma felicidade imperfeita e incontornável - como se ela pensasse "mas, apesar de tudo, foi um momento alegre, enfim...".
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Assim falou Armés
«Não sei se é possível humilhar, goleando, uma equipa como a do Barcelona. Mas, se o for, hoje é um bom dia para isso acontecer.»
Podem ver o jogo indo por aqui. Mas - e atenção a este MAS - só DEPOIS de acabarem de ver o Benfica.
Podem ver o jogo indo por aqui. Mas - e atenção a este MAS - só DEPOIS de acabarem de ver o Benfica.
«Enfermeira, que lhe parece, não acha que a situação está a evoluir favoravelmente?»
A crónica de hoje de Eduardo Barroso é apenas uma tremenda seca lamechas sobre a profunda desgraça que é o «seu querido Sporting», pejada de lamúrias e sem ponta de interesse. A dor de cotovelo está lá, mas de forma latente. Bravo, doutor. Bravo.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
«Mi casa es mi casa» (contém ilustrações)
Para mim, com o Benfica não há dilemas: ou há impossibilidade, ou há a obrigação moral de ir à Catedral. Por impossibilidade, entenda-se a própria morte, a morte de alguém próximo, doença incapacitante, lesão dolorosa recente, bancarrota, compromisso profissional intransigente ou datas profundamente inalteráveis – o casamento, por exemplo, não está contemplado nesta última categoria e, se algum dia me casar, tentarei fazê-lo na segunda metade de Julho ou, se for em ano sem Europeu nem Mundial, na segunda metade de Junho ou primeira de Julho; já o aniversário da minha namorada, por seu lado, está amplamente abrangido pela categoria e permite escusa com justificação.
Acontece, precisamente e é uma feliz coincidência estarmos agora a falar disto, que a minha namorada fez anos no fim-de-semana e lá fomos nós ao Algarve, que é a terra dela. É estranho dizer-se que se “vai à terra” indo uma pessoa ao Algarve. Normalmente, vai-se “à terra” a Oliveira do Hospital, ao Sabugal, a São João da Pesqueira ou, sei lá, a Borba. Parece quase injusto ir-se à terra ao Algarve. Mas a vida é feita destas contrariedades e, assim, todos os santos verões, só para que tenham uma ideia do que passo, lá me vejo obrigado a rumar ao Sul, a ter de enfrentar águas tépidas e mansas, para não falar nas temperaturas de 35 graus, do marisco e das sardinhas. Enfim, tudo na vida tem um preço e eu estou disposto a pagá-lo, de bom grado, em troca da harmonia familiar. Fomos, portanto, à terra festejar o aniversário.
Chegados ao destino, fui em busca de um bom sítio para ver o Benfica – escusa de ir ao Estádio não abrange licença de abstinência: lá ou aqui ou em qualquer lado, o Benfica é para ser sentido, acompanhado, celebrado e adorado. Há que cuidar bem das coisas bonitas da vida. Desci direitinho ao Merlin’s, faltavam dez minutos para o apito inicial, mas…
Fechado.
Faltavam nove minutos para começar a partida. Baralhado, desorientado, em pânico, comecei a subir a rua, de regresso. Mas de regresso para onde? Não, erro. Voltemos para baixo. E lá fui eu, descendo em passo rápido, auscultando cada café, cada pub, cada restaurante, em busca de uma SportTV sintonizada e de um distintivo azul na porta. Por toda a parte, apenas Sky Sports ou, em alternativa, canais abertos nacionais. Seis minutos para o kick-off e eu a percorrer ruas estreitas e retorcidas da zona velha de Albufeira, dirigindo-me ao centro, esperando encontrar no meio daquela cidade apagada, abstraída de Portugal, um lampejo de amor ao futebol de cá da terra – eu já nem pensava em Benfiquismo, não pedia tanto.
Ao virar uma esquina e chegar à praça central, ouço um inconfundível separador publicitário, um «trululum»… SPORTTV!!!!!
Segui aquele som como se, no limite da minha sede, seguisse o ruído pacífico de um curso de água no meio da floresta (ando a ler a Pearl S. Buck, todas as minhas metáforas devem conter elementos da natureza transmitindo a paz e a serenidade tipicamente orientais). Quando chego perto, a incredulidade arrebata-me, primeiro, esmaga-me, em seguida, e, por fim, faz-me grato e comovido: o som vinha da Casa do Benfica de Albufeira.
Subi as escadas e, entrando na sala, disse bem alto «boa tarde e viva o Benfica!». Uma mini Sagres posou graciosamente sobre o balcão como se tivesse esperado por mim a vida inteira. Sentei-me, em casa, entre os meus, acendi um cigarro e vi o nosso Benfica ganhar.
Acontece, precisamente e é uma feliz coincidência estarmos agora a falar disto, que a minha namorada fez anos no fim-de-semana e lá fomos nós ao Algarve, que é a terra dela. É estranho dizer-se que se “vai à terra” indo uma pessoa ao Algarve. Normalmente, vai-se “à terra” a Oliveira do Hospital, ao Sabugal, a São João da Pesqueira ou, sei lá, a Borba. Parece quase injusto ir-se à terra ao Algarve. Mas a vida é feita destas contrariedades e, assim, todos os santos verões, só para que tenham uma ideia do que passo, lá me vejo obrigado a rumar ao Sul, a ter de enfrentar águas tépidas e mansas, para não falar nas temperaturas de 35 graus, do marisco e das sardinhas. Enfim, tudo na vida tem um preço e eu estou disposto a pagá-lo, de bom grado, em troca da harmonia familiar. Fomos, portanto, à terra festejar o aniversário.
Chegados ao destino, fui em busca de um bom sítio para ver o Benfica – escusa de ir ao Estádio não abrange licença de abstinência: lá ou aqui ou em qualquer lado, o Benfica é para ser sentido, acompanhado, celebrado e adorado. Há que cuidar bem das coisas bonitas da vida. Desci direitinho ao Merlin’s, faltavam dez minutos para o apito inicial, mas…
Fechado.
Faltavam nove minutos para começar a partida. Baralhado, desorientado, em pânico, comecei a subir a rua, de regresso. Mas de regresso para onde? Não, erro. Voltemos para baixo. E lá fui eu, descendo em passo rápido, auscultando cada café, cada pub, cada restaurante, em busca de uma SportTV sintonizada e de um distintivo azul na porta. Por toda a parte, apenas Sky Sports ou, em alternativa, canais abertos nacionais. Seis minutos para o kick-off e eu a percorrer ruas estreitas e retorcidas da zona velha de Albufeira, dirigindo-me ao centro, esperando encontrar no meio daquela cidade apagada, abstraída de Portugal, um lampejo de amor ao futebol de cá da terra – eu já nem pensava em Benfiquismo, não pedia tanto.
Ao virar uma esquina e chegar à praça central, ouço um inconfundível separador publicitário, um «trululum»… SPORTTV!!!!!
Segui aquele som como se, no limite da minha sede, seguisse o ruído pacífico de um curso de água no meio da floresta (ando a ler a Pearl S. Buck, todas as minhas metáforas devem conter elementos da natureza transmitindo a paz e a serenidade tipicamente orientais). Quando chego perto, a incredulidade arrebata-me, primeiro, esmaga-me, em seguida, e, por fim, faz-me grato e comovido: o som vinha da Casa do Benfica de Albufeira.
Subi as escadas e, entrando na sala, disse bem alto «boa tarde e viva o Benfica!». Uma mini Sagres posou graciosamente sobre o balcão como se tivesse esperado por mim a vida inteira. Sentei-me, em casa, entre os meus, acendi um cigarro e vi o nosso Benfica ganhar.
Melhor diálogo do fim-de-semana
-Tou, Diego?
-Yo, máméne, comé quié? Tá-se?
-Tá-se, tá-se… já vamos ver se tá-se…
-Então, pá? Que é que se passa?
-Tás no Algarve?
-Tou, acabei de passar aquela placa que diz “Algarve” mesmo, aquela grande. Granda pontaria, man… Ainda estou na estrada.
-Que fixe… olha, não tens contigo por acaso um Redpass com o nome de Felisberto Roberto Gilberto Adalberto, não?
-Eu?! Tás parvo?! Não, pá… então, eu devolvi-te isso… não te lembras?
-Não, não me lembro… e, além de não me lembrar, não o encontro, cabrão… e foi a ti que eu o emprestei.
-Mas eu devolvi-te… tenho a certezinha absoluta disso… eu lembro-me perfeitamente…
-Ai tens? Pensa lá bem se tens…
-Absoluta, man!... Estou a ver aqui a carteira… e tudo…
-Sim…? E não o tens? De certeza?
-Epá… erhm… mais ou menos…
-O que é que queres dizer com “mais ou menos”?
-Mas… tu querias ir ver a bola, era?
-Ó palhaço, eu estou à porta do Estádio! O que é que tu achas?
-… man, eu pago-te o bilhete…
-TENS OU NÃO TENS A PORRA DO REDPASS?
-… eu pago-te o bilhete, já disse… vai lá ver a bola descansado…
-…
- :(
-Tão caladinho… aposto que estás a fazer um saddy…
- :(
-Eu não vejo a tua cara, Diego…
-Yo, máméne, comé quié? Tá-se?
-Tá-se, tá-se… já vamos ver se tá-se…
-Então, pá? Que é que se passa?
-Tás no Algarve?
-Tou, acabei de passar aquela placa que diz “Algarve” mesmo, aquela grande. Granda pontaria, man… Ainda estou na estrada.
-Que fixe… olha, não tens contigo por acaso um Redpass com o nome de Felisberto Roberto Gilberto Adalberto, não?
-Eu?! Tás parvo?! Não, pá… então, eu devolvi-te isso… não te lembras?
-Não, não me lembro… e, além de não me lembrar, não o encontro, cabrão… e foi a ti que eu o emprestei.
-Mas eu devolvi-te… tenho a certezinha absoluta disso… eu lembro-me perfeitamente…
-Ai tens? Pensa lá bem se tens…
-Absoluta, man!... Estou a ver aqui a carteira… e tudo…
-Sim…? E não o tens? De certeza?
-Epá… erhm… mais ou menos…
-O que é que queres dizer com “mais ou menos”?
-Mas… tu querias ir ver a bola, era?
-Ó palhaço, eu estou à porta do Estádio! O que é que tu achas?
-… man, eu pago-te o bilhete…
-TENS OU NÃO TENS A PORRA DO REDPASS?
-… eu pago-te o bilhete, já disse… vai lá ver a bola descansado…
-…
- :(
-Tão caladinho… aposto que estás a fazer um saddy…
- :(
-Eu não vejo a tua cara, Diego…
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Escolhe uma alcunha
Aviso prévio: este post, se avaliado numa escala de bom-gosto e educação, seria eliminado por não preencher os requisitos mínimos. A sua essência é o insulto e a sua natureza é bastante ordinária.
Depois daquele aviso, vou resumir a nota introdutória: o assunto é a Marta Rebelo. Uma pequena ronda pela Gloriososfera deixa uma ideia bem vincada: à Marta ninguém lhe pegava, por mais Benfiquista que se auto-proclame. Por mim, destituía-a do grau de Benfiquismo. De hoje em diante, ser-lhe-ia proibido ostentar essa patente, a mais alta da escala do clubismo. Não sei se terei poderes para isso, mas fica aqui a sugestão, ainda assim.
Bom, vamos ao que interessa. A Marta traz diversão. E não estou a ser porco - ainda. Traz diversão - e não disse "diverte" - porque, após a leituras do seu Record de cretinices, muitas outras crónicas de escárnio e ódio, veneno e verdades se geram com origem no sémen que debita - isto, sem qualquer tipo de maldade, não estou a sugerir que a Marta escreva... enfim, era metafórico.
De toda a parte chegam palavras para Marta Rebelo. E quando as palavras não chegarem - continue a Marta a escrever todas as semanas e as palavras não chegarão -, alguém há-de inventar palavras novas para qualificar a Marta.
Pela minha parte, farei o que posso: encontrar o epíteto ideal para Marta Rebelo, esta pessoa que já foi um pouco de tudo, sem nunca ser sido nada.
«Cardozo é teimoso, pesado, cabeçudo, preguiçoso, lento e caprichoso», diz Marta Rebelo, que é jurista e assistente universitária, para além de ex-deputada e boa companhia. Porém, entre tanta função distinta, uma pessoa perde-se e não sabe qual será o cognome ideal. Procurêmo-lo, peço-vos ajuda. Fica, para já, a minha proposta: Marta, a Usada.
Depois daquele aviso, vou resumir a nota introdutória: o assunto é a Marta Rebelo. Uma pequena ronda pela Gloriososfera deixa uma ideia bem vincada: à Marta ninguém lhe pegava, por mais Benfiquista que se auto-proclame. Por mim, destituía-a do grau de Benfiquismo. De hoje em diante, ser-lhe-ia proibido ostentar essa patente, a mais alta da escala do clubismo. Não sei se terei poderes para isso, mas fica aqui a sugestão, ainda assim.
Bom, vamos ao que interessa. A Marta traz diversão. E não estou a ser porco - ainda. Traz diversão - e não disse "diverte" - porque, após a leituras do seu Record de cretinices, muitas outras crónicas de escárnio e ódio, veneno e verdades se geram com origem no sémen que debita - isto, sem qualquer tipo de maldade, não estou a sugerir que a Marta escreva... enfim, era metafórico.
De toda a parte chegam palavras para Marta Rebelo. E quando as palavras não chegarem - continue a Marta a escrever todas as semanas e as palavras não chegarão -, alguém há-de inventar palavras novas para qualificar a Marta.
Pela minha parte, farei o que posso: encontrar o epíteto ideal para Marta Rebelo, esta pessoa que já foi um pouco de tudo, sem nunca ser sido nada.
«Cardozo é teimoso, pesado, cabeçudo, preguiçoso, lento e caprichoso», diz Marta Rebelo, que é jurista e assistente universitária, para além de ex-deputada e boa companhia. Porém, entre tanta função distinta, uma pessoa perde-se e não sabe qual será o cognome ideal. Procurêmo-lo, peço-vos ajuda. Fica, para já, a minha proposta: Marta, a Usada.
São só duas coisas rápidas, sem importância
1) Os leitores que aqui se dão ao trabalho de comentar são, por norma, pessoas de grande nível. É uma honra e um orgulho ter-vos por cá. Agradeço-vos, mas agradeço-vos sinceramente, as mensagens de parabéns, de elogio e de incentivo. Aliás, penso que poderiam traduzir esses incentivos e elogios participando nesta votação aqui: 227218 ao poder!
2) Este blogue cujo nome é um número esquisito - um à-parte: quantos dos leitores assíduos não sabem já o meu número de sócio de cor, hum? - e que fez um ano ainda agora há dias está surpreendentemente nomeado para Blogue de Desporto de 2011. Podem votar aqui: o 227218 é o maior. Não digo que votem neste blogue. Felizmente, estou em muitíssimo boa companhia. Se eu pudesse votar em 3 ou 4, votava. Como não posso, votei apenas em mim (decisão meramente salomónica, para não pensarem que gosto mais de uns do que de outros).
3) Um dia destes hei-de escrever sobre aquela que ganha pontos, crónica após crónica, como meu "ódio de estimação do futuro". Chama-se Marta Rebelo, escreve às segundas no Record e percebe menos de futebol do que as esposas de José António Saraiva e de Eduardo Barroso. Como agravante, é do Benfica (diz ela), o que me causa profundo embaraço.
4) Vota democraticamente: 227218!
2) Este blogue cujo nome é um número esquisito - um à-parte: quantos dos leitores assíduos não sabem já o meu número de sócio de cor, hum? - e que fez um ano ainda agora há dias está surpreendentemente nomeado para Blogue de Desporto de 2011. Podem votar aqui: o 227218 é o maior. Não digo que votem neste blogue. Felizmente, estou em muitíssimo boa companhia. Se eu pudesse votar em 3 ou 4, votava. Como não posso, votei apenas em mim (decisão meramente salomónica, para não pensarem que gosto mais de uns do que de outros).
3) Um dia destes hei-de escrever sobre aquela que ganha pontos, crónica após crónica, como meu "ódio de estimação do futuro". Chama-se Marta Rebelo, escreve às segundas no Record e percebe menos de futebol do que as esposas de José António Saraiva e de Eduardo Barroso. Como agravante, é do Benfica (diz ela), o que me causa profundo embaraço.
4) Vota democraticamente: 227218!
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
«Serás um bom Benfiquista»
Aparentemente, fazer um ano não basta. Para se merecer uma simples palavrinha, uma singela parabenização, este blogue tem de providenciar aos seus exigentes consumidores matéria literária em quantidade que justifique a maçada de se escrever um comentário com uma palavra (e um ponto de exclamação, se formos modernos). Recebi, até ao momento, quatro comentários (mais ou menos) de parabéns. Um deles, de um distinto sportinguista, selo de qualidade deste blogue, albino desta ninhada de leitores que atesta a pureza de gosto de quem por aqui pára. Assim sendo, aqui vai o que eu tenho para vos dizer hoje. É uma espécie de discurso que eu andei a ensaiar no banho e será valioso se conseguirem imaginar-me, não na banheira, mas antes no lugar de topo de uma longa mesa, com um cálice de Porto velho na mão, dirigindo-me a vós, brindando e agradecendo-vos. Mais ou menos.
Há um ano atrás, lembro-me como se tivesse sido ontem, estava eu assoberbado de trabalho e pensei “que se lixe! Eu gosto é do Benfica”. Pensadas estas palavras, deitei mãos à obra. Há quem defenda poeticamente que “o homem sonha, a obra nasce”, mas esta é uma verdade apenas parcial – qualquer ronda pelos arquivos do blogue demonstrará que foram uma meia-dúzia, se tanto, os textos que me saíram de sonhos, sendo que da última ocasião em que tal aconteceu o resultado foi um post vertiginoso e psicadélico. Portanto, neste blogue, “o homem trabalha e a obra cresce”! Esta, sim, é uma verdade rigorosa – o trabalho é fundamental, já que sempre que estou de férias, tenho muito mais que fazer do que escrever aqui.
Há um ano atrás – as memórias são-me tão nítidas, tão cristalinas, que ao invés de nostalgia, sinto o vigor de quem acabou de nascer –, disse para comigo: «Diego, se é para fazeres um blogue Benfiquista, não será para andares a relatar os jogos como se fosses um jornalista sem carteira profissional nem ordenado. Tens de fazer qualquer coisa que vá mais longe. Tens de conseguir que as pessoas te leiam sem dizeres coisas relevantes». Modéstia à parte, se aqui estamos hoje, eu a escrever e vocês a ler-me, é porque consegui: 365 dias, zero motivos de interesse, quase 40 mil leitores.
Hoje, um ano muito breve mais tarde, uma pequena vertigem depois do pontapé de saída – um ano? O que é um ano na História de um Clube centenário como o meu? –, sinto-me um bom Benfiquista. E todos os dias tento ser um Benfiquista melhor, partilhando convosco a nobre missão de adorar e venerar esse desporto extraordinário que é o futebol.
Obrigado por estarem aqui. À nossa!
Há um ano atrás, lembro-me como se tivesse sido ontem, estava eu assoberbado de trabalho e pensei “que se lixe! Eu gosto é do Benfica”. Pensadas estas palavras, deitei mãos à obra. Há quem defenda poeticamente que “o homem sonha, a obra nasce”, mas esta é uma verdade apenas parcial – qualquer ronda pelos arquivos do blogue demonstrará que foram uma meia-dúzia, se tanto, os textos que me saíram de sonhos, sendo que da última ocasião em que tal aconteceu o resultado foi um post vertiginoso e psicadélico. Portanto, neste blogue, “o homem trabalha e a obra cresce”! Esta, sim, é uma verdade rigorosa – o trabalho é fundamental, já que sempre que estou de férias, tenho muito mais que fazer do que escrever aqui.
Há um ano atrás – as memórias são-me tão nítidas, tão cristalinas, que ao invés de nostalgia, sinto o vigor de quem acabou de nascer –, disse para comigo: «Diego, se é para fazeres um blogue Benfiquista, não será para andares a relatar os jogos como se fosses um jornalista sem carteira profissional nem ordenado. Tens de fazer qualquer coisa que vá mais longe. Tens de conseguir que as pessoas te leiam sem dizeres coisas relevantes». Modéstia à parte, se aqui estamos hoje, eu a escrever e vocês a ler-me, é porque consegui: 365 dias, zero motivos de interesse, quase 40 mil leitores.
Hoje, um ano muito breve mais tarde, uma pequena vertigem depois do pontapé de saída – um ano? O que é um ano na História de um Clube centenário como o meu? –, sinto-me um bom Benfiquista. E todos os dias tento ser um Benfiquista melhor, partilhando convosco a nobre missão de adorar e venerar esse desporto extraordinário que é o futebol.
Obrigado por estarem aqui. À nossa!
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
O desvendar de um mistério
Que razão me leva a ler gente que não gosto de ler, semana após semana? A pergunta é de um leitor que assina Here Comes the Rain – alcunha que, junto com a sua breve nota acerca da Antena 3 e a impropriedade ligeira da questão, parece indiciar que HCtR tem maior afinidade com o universo da música do que com o do futebol. Ao contrário de mim, apesar dos meus esforços regulares para equilibrar um pouco mais as coisas.
A pergunta não é tonta, não chegamos a tanto. Eu próprio dou por mim a pensar «ó Diego, mas para que é que tu insistes? Para quê?!». Mas depois caio em mim – e este processo não demora muito – e apercebo-me de que o assunto, enfim, é futebol. E esta, disfarçando-se de explicação simples, é uma condição explicativa de boa parte dos fenómenos do meu quotidiano.
Imaginemos a seguinte situação: vai dar o Sporting – Porto. E eu – surpresa, surpresa - sou Benfiquista. Mas generalizemos esta situação a todos os leitores: os que não forem do Benfica (gosto de cultivar a ilusão de que os há neste blogue), substituam os termos à medida do que vos for mais conveniente. Portanto: vai dar o jogo, sábado, às oito da noite.
Situação paralela: eu tenho um convite para jantar mais a minha senhora e três outros casais amigos. É daqueles jantares que prometem bom convívio, bom prato e bom vinho, muita conversa, trocas de ideias, apresentações públicas de tremendos projectos para o futuro, elogios mútuos, uísque velho, boa sobremesa e, havendo juízo, uma saída louca até às duas da manhã ou mais. Uma jantarada!
«Quando é que é mesmo o jantar, xuxu?»
«Sábado, fofinho. Sábado, às oito e meia.»
«Opá, que aborrecido… Não posso, minha flor. Já tinha combinado umas coisas…»
«Coisas?! Que coisas?! Diego Armés, Diego Armés… é a um sábado… e o Benfica joga no domingo, que eu sei muito bem e até disse logo à Luísa “tu não marques para domingo senão o Diego diz logo que não vai”… Portanto, o que é que tu tens de tão importante para fazer sábado à hora do jantar que te impede de aceitar o convite?»
«É o… bom, é o… zbôd – pürt…»
«Desculpa?»
«zbôd – pürt»
«Ahn? Fala como um homem, que assim não te percebo!»
«É o SPORTING – PORTO».
Longo silêncio. Decidida saída feminina em direcção à cozinha. Água a correr. Pratos são lavados com muita energia.
Nesta altura, o narrador-protagonista suspendeu a respiração e está profundamente estático, imóvel, de olhar fixo no vazio, esperando que o tempo passe até que…
«Tu explicas-me, hum? Explicas-me? Explicas-me como é tu, Benfiquista»
«Amor, acho que a água ficou a correr»
«Eu quero que a água se lixe! Como é que tu, um Benfiquista que só vê é o Benfica à frente, faz planos – planos ah-ah, espera, planos imutáveis! Não se toque nos planos do menino! – como é que me fazes planos para ver a merda de um jogo entre duas equipas que tu odeias? Como? Explicas-me?»
«Eu… é que…»
«Fica sabendo que eu vou a esse jantar! Não queres vir não vens.»
Saída com andar no imperativo. Os mesmos pratos são novamente lavados, agora com mais energia.
Caro Here Comes the Rain: na verdade, há coisas que não têm explicação. São assim simplesmente porque são assim. Não trazem nada de bom às nossas vidas, acrescentam apenas aborrecimentos, rancores e energias negativas. Mas não conseguimos passar sem elas.
A pergunta não é tonta, não chegamos a tanto. Eu próprio dou por mim a pensar «ó Diego, mas para que é que tu insistes? Para quê?!». Mas depois caio em mim – e este processo não demora muito – e apercebo-me de que o assunto, enfim, é futebol. E esta, disfarçando-se de explicação simples, é uma condição explicativa de boa parte dos fenómenos do meu quotidiano.
Imaginemos a seguinte situação: vai dar o Sporting – Porto. E eu – surpresa, surpresa - sou Benfiquista. Mas generalizemos esta situação a todos os leitores: os que não forem do Benfica (gosto de cultivar a ilusão de que os há neste blogue), substituam os termos à medida do que vos for mais conveniente. Portanto: vai dar o jogo, sábado, às oito da noite.
Situação paralela: eu tenho um convite para jantar mais a minha senhora e três outros casais amigos. É daqueles jantares que prometem bom convívio, bom prato e bom vinho, muita conversa, trocas de ideias, apresentações públicas de tremendos projectos para o futuro, elogios mútuos, uísque velho, boa sobremesa e, havendo juízo, uma saída louca até às duas da manhã ou mais. Uma jantarada!
«Quando é que é mesmo o jantar, xuxu?»
«Sábado, fofinho. Sábado, às oito e meia.»
«Opá, que aborrecido… Não posso, minha flor. Já tinha combinado umas coisas…»
«Coisas?! Que coisas?! Diego Armés, Diego Armés… é a um sábado… e o Benfica joga no domingo, que eu sei muito bem e até disse logo à Luísa “tu não marques para domingo senão o Diego diz logo que não vai”… Portanto, o que é que tu tens de tão importante para fazer sábado à hora do jantar que te impede de aceitar o convite?»
«É o… bom, é o… zbôd – pürt…»
«Desculpa?»
«zbôd – pürt»
«Ahn? Fala como um homem, que assim não te percebo!»
«É o SPORTING – PORTO».
Longo silêncio. Decidida saída feminina em direcção à cozinha. Água a correr. Pratos são lavados com muita energia.
Nesta altura, o narrador-protagonista suspendeu a respiração e está profundamente estático, imóvel, de olhar fixo no vazio, esperando que o tempo passe até que…
«Tu explicas-me, hum? Explicas-me? Explicas-me como é tu, Benfiquista»
«Amor, acho que a água ficou a correr»
«Eu quero que a água se lixe! Como é que tu, um Benfiquista que só vê é o Benfica à frente, faz planos – planos ah-ah, espera, planos imutáveis! Não se toque nos planos do menino! – como é que me fazes planos para ver a merda de um jogo entre duas equipas que tu odeias? Como? Explicas-me?»
«Eu… é que…»
«Fica sabendo que eu vou a esse jantar! Não queres vir não vens.»
Saída com andar no imperativo. Os mesmos pratos são novamente lavados, agora com mais energia.
Caro Here Comes the Rain: na verdade, há coisas que não têm explicação. São assim simplesmente porque são assim. Não trazem nada de bom às nossas vidas, acrescentam apenas aborrecimentos, rancores e energias negativas. Mas não conseguimos passar sem elas.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Queiram desculpar, este homem dá-me nervos
Senhor Eduardo Barroso,
não belisco, nem por sombras, os méritos e talentos que terá na sua profissão, que não é para aqui chamada, e, por isso mesmo, não o trato por "doutor" - até porque felizmente não me dirijo a si na qualidade de paciente; pelo contrário: dirijo-me sem paciência à sua falta de qualidade. Para começar, o senhor Barroso tem uma escrita medíocre que dói, chata, aborrecida, sentimentalóide, lamechas e desenxabida. Ainda assim, pagam-lhe para que escreva e, como se não bastasse, publicam-no. Pelos vistos, há tanta gente com sorte quanto pessoas com falta de critérios.
Vem o senhor, semana após semana, queixando-se disto e daquilo e do outro, páginas e páginas e páginas de queixas e queixas e queixas e lamentos. Tentando auxiliá-lo, vou analisar aqui os seus sintomas: o senhor é moralmente hipocondríaco e sportinguistamente incontinente. Cura não tem, mas, com o acompanhamento devido, poderá ter melhoras. Para começar, recomendo um afastamento rigoroso das actividades da escrita.
Senhor Barroso, entenda: isto não é revolta. É fadiga. Cansa-me lê-lo e saber precisamente o que vai dizer, qual será a acusação seguinte, o queixume futuro, a suspeita que se avizinha. É, portanto, sem espanto mas com fastio, que leio a suspeita suja que levanta acerca do Benfica e da compra desse monstro do futebol mundial, o tal Djanini que, aparentemente, jogava nas competitivas distritais da Ilha Terceira. Adivinhava-se a perfídia e aí está ela. Pouco importa que o melhor dos leirienses naquela espécie de campo tenha sido precisamente esse jogador que o Benfica comprou; de nada vale que tenhamos demonstrado de modo inquestionável o quão melhores somos do que o nosso - honrado! - adversário. O Benfica comprou o Djanini e foi esse o único aspecto que lhe ficou na retina. Talvez o resultado lhe tenha escapado: ficou 4 a 0 para nós. E foram quatro golaços, daqueles que a sua equipa, acredite, teria dificuldade em marcar.
Se a djaninice era previsível, o chorinho da arbitragem, esse eterno choro, seria obrigatório. E o Eduardo não se furta às obrigações: considera o senhor, com o maior dos desplantes e a moralidade que lhe reconheço, que um fora-de-jogo mal tirado ao Sporting impediu que o Elias, esse mesmo que tem a pontaria de um Postiga, seguisse isolado nos 35 ou 40 metros que faltavam para a baliza da comadre portista. Sublinha o senhor que "pode ter sido um erro de arbitragem com directa interferência no resultado". Sejamos claros: quando se protesta, um gajo tem de assumir - ou é ou não é. Essa merda do "pode ter sido" é cobarde. Perdoe-me o registo carroceiro, mas sou assim mesmo quando me enervo e o senhor enerva-me com frequência. Portanto, em que ficamos? Foi ou não um erro com interferência directa no resultado?
E agora, já que estamos moralistas e com a mão na massa, não quer o senhor Barroso dar-me a sua opinião acerca daquele lance em que o Elias - o mesmíssimo Elias - empurra ostensivamente o Otamendi em plena área do Sporting, com o portista no ar? "Poderá ter sido" um erro de arbitragem com influência no resultado ou poderá não ter passado apenas de impressão minha?
Tenha vergonha. E, sobretudo, tenha dó. Não terá mais o que fazer do que escrever, e mal, com moralismos de pacotilha, com frases de meias insinuações, textos que revelam a espinha dorsal do lagarto que tão sentimentalmente é?
Enervadamente,
Diego
Ó senhores d'A Bola, mas não se pode despedi-lo? Porquê? Se querem um sportinguista, contratem o Bulhão Pato, pá!É que este homem é uma nódoa.
não belisco, nem por sombras, os méritos e talentos que terá na sua profissão, que não é para aqui chamada, e, por isso mesmo, não o trato por "doutor" - até porque felizmente não me dirijo a si na qualidade de paciente; pelo contrário: dirijo-me sem paciência à sua falta de qualidade. Para começar, o senhor Barroso tem uma escrita medíocre que dói, chata, aborrecida, sentimentalóide, lamechas e desenxabida. Ainda assim, pagam-lhe para que escreva e, como se não bastasse, publicam-no. Pelos vistos, há tanta gente com sorte quanto pessoas com falta de critérios.
Vem o senhor, semana após semana, queixando-se disto e daquilo e do outro, páginas e páginas e páginas de queixas e queixas e queixas e lamentos. Tentando auxiliá-lo, vou analisar aqui os seus sintomas: o senhor é moralmente hipocondríaco e sportinguistamente incontinente. Cura não tem, mas, com o acompanhamento devido, poderá ter melhoras. Para começar, recomendo um afastamento rigoroso das actividades da escrita.
Senhor Barroso, entenda: isto não é revolta. É fadiga. Cansa-me lê-lo e saber precisamente o que vai dizer, qual será a acusação seguinte, o queixume futuro, a suspeita que se avizinha. É, portanto, sem espanto mas com fastio, que leio a suspeita suja que levanta acerca do Benfica e da compra desse monstro do futebol mundial, o tal Djanini que, aparentemente, jogava nas competitivas distritais da Ilha Terceira. Adivinhava-se a perfídia e aí está ela. Pouco importa que o melhor dos leirienses naquela espécie de campo tenha sido precisamente esse jogador que o Benfica comprou; de nada vale que tenhamos demonstrado de modo inquestionável o quão melhores somos do que o nosso - honrado! - adversário. O Benfica comprou o Djanini e foi esse o único aspecto que lhe ficou na retina. Talvez o resultado lhe tenha escapado: ficou 4 a 0 para nós. E foram quatro golaços, daqueles que a sua equipa, acredite, teria dificuldade em marcar.
Se a djaninice era previsível, o chorinho da arbitragem, esse eterno choro, seria obrigatório. E o Eduardo não se furta às obrigações: considera o senhor, com o maior dos desplantes e a moralidade que lhe reconheço, que um fora-de-jogo mal tirado ao Sporting impediu que o Elias, esse mesmo que tem a pontaria de um Postiga, seguisse isolado nos 35 ou 40 metros que faltavam para a baliza da comadre portista. Sublinha o senhor que "pode ter sido um erro de arbitragem com directa interferência no resultado". Sejamos claros: quando se protesta, um gajo tem de assumir - ou é ou não é. Essa merda do "pode ter sido" é cobarde. Perdoe-me o registo carroceiro, mas sou assim mesmo quando me enervo e o senhor enerva-me com frequência. Portanto, em que ficamos? Foi ou não um erro com interferência directa no resultado?
E agora, já que estamos moralistas e com a mão na massa, não quer o senhor Barroso dar-me a sua opinião acerca daquele lance em que o Elias - o mesmíssimo Elias - empurra ostensivamente o Otamendi em plena área do Sporting, com o portista no ar? "Poderá ter sido" um erro de arbitragem com influência no resultado ou poderá não ter passado apenas de impressão minha?
Tenha vergonha. E, sobretudo, tenha dó. Não terá mais o que fazer do que escrever, e mal, com moralismos de pacotilha, com frases de meias insinuações, textos que revelam a espinha dorsal do lagarto que tão sentimentalmente é?
Enervadamente,
Diego
Ó senhores d'A Bola, mas não se pode despedi-lo? Porquê? Se querem um sportinguista, contratem o Bulhão Pato, pá!É que este homem é uma nódoa.
Conversa de sócios
eu: olha e leste o meu sonho de inverno?
não leste...
191036: claro que li
foi espectacular
e prometo que, mesmo que estejas em coma, eu vou lá dizer-te como é que o Benfica se anda a portar
para não andares aí pela rua sem saber às quantas andas
Enviado às 16:13 de Quarta-feira
eu: acho bem
191036: eu acredito que se a gente falar com as pessoas em coma, elas ouvem
juro que ia lá dizer-te tudo
eu: se eu algum dia ficar em coma - promete-me isto, ouviste? -, leva-me os No Name à beira da minha cama
e mete-os a cantar "oooooooooóóó Sport Lisboa... e Benfica... o CAMPEÃÃÃO"
191036: só conheço quatro, mas levo esses
eu: se eu não reagir, desliga as máquinas, não vale a pena gastar luz
191036: combinado
e queres com o instrumental reggae por trás ou só os hooligans a capela?
eu: não é reggae, é ska!
não leste...
191036: claro que li
foi espectacular
e prometo que, mesmo que estejas em coma, eu vou lá dizer-te como é que o Benfica se anda a portar
para não andares aí pela rua sem saber às quantas andas
Enviado às 16:13 de Quarta-feira
eu: acho bem
191036: eu acredito que se a gente falar com as pessoas em coma, elas ouvem
juro que ia lá dizer-te tudo
eu: se eu algum dia ficar em coma - promete-me isto, ouviste? -, leva-me os No Name à beira da minha cama
e mete-os a cantar "oooooooooóóó Sport Lisboa... e Benfica... o CAMPEÃÃÃO"
191036: só conheço quatro, mas levo esses
eu: se eu não reagir, desliga as máquinas, não vale a pena gastar luz
191036: combinado
e queres com o instrumental reggae por trás ou só os hooligans a capela?
eu: não é reggae, é ska!
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Sonho de uma noite de Inverno
Foi o melhor sonho que eu tive, de todos os que me lembro. E sonhei-o mesmo, não digo isto para entreter o leitor. E não foi sonho de sonhar acordado – que isso já o sonhei muitas outras vezes e sonho-o sempre que posso. Não. Desta vez, foi sonho de sonho, não é oratória Luther King style. Foi como quando se sonha que se está a voar ou que se está a cair (ou, se o leitor for mais jovem, que se está a mexer em maminhas). Parecia tudo verdade. Naquele momento, foi mesmo tudo verdade.
Eu ia na rua, ia pelo Chiado, e a cidade estava vazia. Eu estranhei porque ia ignorante nesse dia. Ou então alheado ou então tinha estado em coma. Tanto faz. Os sonhos não carecem de explicações, são narrativas libertárias. Não sabia o que se passava e estranhei a letargia no lugar do bulício. Entrei na Brasileira e tudo era silêncio. Silêncio e atenção a qualquer coisa difícil de distinguir. Olhei: era o futebol.
Lá ao fundo, num ecrã gigante, o Benfica jogava contra a Juventus. E eu perguntei “que jogo é este?” e o empregado “é a final da Taça dos Campeões”. Pedi uma cerveja e pensei “mas ainda nem jogámos os quartos-de-final nem as meias-finais…” e o empregado, antecipando-me os pensamentos, reagiu com indignação “nem foi preciso, então…?!”.
Estupefacção. A minha euforia diluía-se-me na surpresa, no espanto, na desorientação. Toda a minha atenção era pouca, toda a minha percepção era escassa, todo o meu pensamento era pobre: eu não entendia, não conseguia conceber, abarcando tudo, aquilo que ali se passava, ali na televisão, ali na Brasileira, no Chiado, naquele estádio cheio, na cidade vazia. Eu era um Benfiquista perdido e o Benfica estava a ganhar. Eu era de um pesadelo e estava a viver um sonho – o pesadelo era a minha ignorância, a minha incapacidade para perceber. Para perceber aquilo tudo que era maravilhoso.
“Quanto está?”, “olhe, com este, são seis” e gritaram golo outra vez “só mais um, só mais um, só mais um” e eu gritei também.
O jogo ainda não tinha acabado e eu fui à tabacaria comprar os jornais desportivos todos – Record, O Jogo e A Bola – e também o Público. Já eram todos do dia seguinte e diziam todos que o Benfica era campeão da Europa, “O Campeão da Europa é o Benfica!!!” e eu gritei e chorei, porque era verdade, era tudo verdade, finalmente, finalmente, finalmente. Quis abraçar aquilo tudo, Lisboa toda, a Europa inteira, mas os meus braços eram tão pequeninos. Saí para a rua com todos os jornais do dia seguinte debaixo do braço, andei perdido, aos tombos, aos saltos, de gatas, fui ao Marquês e fui ao Rato e fui ao Rossio e os Benfiquistas festejavam e eu festejava com tudo de mim e tudo de mim parecia muito pouco, muito poucochinho, e eu sentia fraqueza, impotência “por que é que eu só consigo festejar isto? Por que é que eu não dou mais? Porquê?” e tentei, tentei, tentei, esforcei-me por festejar o mais que podia, tudo, dei tudo, gritei tudo e chorei tudo e gastei o meu ar e caí, exausto, esvaído, inconsciente, feliz, talvez mesmo morto: justa e completamente morto.
Eu ia na rua, ia pelo Chiado, e a cidade estava vazia. Eu estranhei porque ia ignorante nesse dia. Ou então alheado ou então tinha estado em coma. Tanto faz. Os sonhos não carecem de explicações, são narrativas libertárias. Não sabia o que se passava e estranhei a letargia no lugar do bulício. Entrei na Brasileira e tudo era silêncio. Silêncio e atenção a qualquer coisa difícil de distinguir. Olhei: era o futebol.
Lá ao fundo, num ecrã gigante, o Benfica jogava contra a Juventus. E eu perguntei “que jogo é este?” e o empregado “é a final da Taça dos Campeões”. Pedi uma cerveja e pensei “mas ainda nem jogámos os quartos-de-final nem as meias-finais…” e o empregado, antecipando-me os pensamentos, reagiu com indignação “nem foi preciso, então…?!”.
Estupefacção. A minha euforia diluía-se-me na surpresa, no espanto, na desorientação. Toda a minha atenção era pouca, toda a minha percepção era escassa, todo o meu pensamento era pobre: eu não entendia, não conseguia conceber, abarcando tudo, aquilo que ali se passava, ali na televisão, ali na Brasileira, no Chiado, naquele estádio cheio, na cidade vazia. Eu era um Benfiquista perdido e o Benfica estava a ganhar. Eu era de um pesadelo e estava a viver um sonho – o pesadelo era a minha ignorância, a minha incapacidade para perceber. Para perceber aquilo tudo que era maravilhoso.
“Quanto está?”, “olhe, com este, são seis” e gritaram golo outra vez “só mais um, só mais um, só mais um” e eu gritei também.
O jogo ainda não tinha acabado e eu fui à tabacaria comprar os jornais desportivos todos – Record, O Jogo e A Bola – e também o Público. Já eram todos do dia seguinte e diziam todos que o Benfica era campeão da Europa, “O Campeão da Europa é o Benfica!!!” e eu gritei e chorei, porque era verdade, era tudo verdade, finalmente, finalmente, finalmente. Quis abraçar aquilo tudo, Lisboa toda, a Europa inteira, mas os meus braços eram tão pequeninos. Saí para a rua com todos os jornais do dia seguinte debaixo do braço, andei perdido, aos tombos, aos saltos, de gatas, fui ao Marquês e fui ao Rato e fui ao Rossio e os Benfiquistas festejavam e eu festejava com tudo de mim e tudo de mim parecia muito pouco, muito poucochinho, e eu sentia fraqueza, impotência “por que é que eu só consigo festejar isto? Por que é que eu não dou mais? Porquê?” e tentei, tentei, tentei, esforcei-me por festejar o mais que podia, tudo, dei tudo, gritei tudo e chorei tudo e gastei o meu ar e caí, exausto, esvaído, inconsciente, feliz, talvez mesmo morto: justa e completamente morto.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Esplendoroso sol de campeão
Saímos de Lisboa estava aquele sol de bronze dos nossos invernos. Não sei se outros sítios do mundo possuem, em Janeiro, um sol assim: castanho e suave, a embeber as coisas, fazendo-as brilhar com suavidade, sem histerismos. Mais tarde vim a pensar: “eis o esplendoroso sol de campeão”. Nestas alturas, pensamos em muitas coisas. Melhor: pensamos nessas coisas e não as censuramos. Tudo o que, em pensamento, é potencialmente disparatado ou sem jeito passa a ser justificado. A lua estava cheia - “para iluminar a liderança” -, a noite foi das mais frias – “revelando a têmpera do primeiro de todos” -, o sol todo ele era esplêndido – “o esplendoroso sol do campeão”. E, neste momento, tudo faz sentido, nada disto é mentira ou exagero. Há um dia em que todo o cosmos se alinha e se corrige, reencontrando o caminho da justiça. E esse dia foi ontem. Hoje é o primeiro dia da continuação.
Havíamos visto o duelo infame da noite anterior e o sentimento era generalizado: que injustiça! Como pode o Benfica não ser o primeiro deste campeonato – e destacado?! Digo-o sem pudores: há uma diferença muito grande entre este Benfica e os seus rivais mais próximos. O futebol que Um e outros jogam não merece traduzir-se em pontuações tão aproximadas. Enquanto o Benfica gere 90 minutos alternando classe e luxo com algumas cautelas e esforço moderado, os outros dois dão a sensação de que perdem quilos e quilos em campo para conseguirem um miserável e feio empate sem golos. Atenção: se há coisa que aprecio é o esforço e a abnegação dos jogadores, o espírito combativo em busca do resultado – não me entendam mal. Mas dá gosto perceber que o Benfica só precisa de entrar nesse registo se tudo – mas tudo – correr muito mal, porque até lá haverá charme e elegância de sobra para se ganhar jogos como se se desse lições de etiqueta.
Tal como este sol que me é dado pelo nosso Inverno, o regozijo e a satisfação que o Benfica me oferece não são histéricos. São, sobretudo, belos. Mas o espectáculo sobre a relva é ainda mais que isso: é prático e glamouroso, revigorante e concentrado. Há muito futebol neste Benfica, futebol de topo. E não falo da ilusão que foi 2009-2010 – degrau necessário na ascensão à excelência, talvez, mas ainda uma obra com demasiadas imperfeições. Falo de uma equipa amadurecida que soube transitar da vertigem do “rolo compressor” para a sumptuosidade sádica de quem sabe o quanto é valioso e pode ser letal. Há malvadez nesta equipa – para além de talentosos, eles são pacientes e eles são calculistas. Fazem questão de deixar que o adversário se iluda, que julgue, ingenuamente, poder discutir o resultado. E, depois, mostram-lhe que, afinal, não, não é bem assim. Segue-se, normalmente, um período de destruição pura – e, porém, nada sôfrega (isso eram hábitos de antigamente).
Hoje, um jogo do Benfica já não é só “para ganhar”; o momento deve ser aproveitado para que se demonstrem superioridade e nobreza. É um futebol snob, sim. Mas de uma aristocracia plenamente habilitada – e sobretudo poderosa.
Havíamos visto o duelo infame da noite anterior e o sentimento era generalizado: que injustiça! Como pode o Benfica não ser o primeiro deste campeonato – e destacado?! Digo-o sem pudores: há uma diferença muito grande entre este Benfica e os seus rivais mais próximos. O futebol que Um e outros jogam não merece traduzir-se em pontuações tão aproximadas. Enquanto o Benfica gere 90 minutos alternando classe e luxo com algumas cautelas e esforço moderado, os outros dois dão a sensação de que perdem quilos e quilos em campo para conseguirem um miserável e feio empate sem golos. Atenção: se há coisa que aprecio é o esforço e a abnegação dos jogadores, o espírito combativo em busca do resultado – não me entendam mal. Mas dá gosto perceber que o Benfica só precisa de entrar nesse registo se tudo – mas tudo – correr muito mal, porque até lá haverá charme e elegância de sobra para se ganhar jogos como se se desse lições de etiqueta.
Tal como este sol que me é dado pelo nosso Inverno, o regozijo e a satisfação que o Benfica me oferece não são histéricos. São, sobretudo, belos. Mas o espectáculo sobre a relva é ainda mais que isso: é prático e glamouroso, revigorante e concentrado. Há muito futebol neste Benfica, futebol de topo. E não falo da ilusão que foi 2009-2010 – degrau necessário na ascensão à excelência, talvez, mas ainda uma obra com demasiadas imperfeições. Falo de uma equipa amadurecida que soube transitar da vertigem do “rolo compressor” para a sumptuosidade sádica de quem sabe o quanto é valioso e pode ser letal. Há malvadez nesta equipa – para além de talentosos, eles são pacientes e eles são calculistas. Fazem questão de deixar que o adversário se iluda, que julgue, ingenuamente, poder discutir o resultado. E, depois, mostram-lhe que, afinal, não, não é bem assim. Segue-se, normalmente, um período de destruição pura – e, porém, nada sôfrega (isso eram hábitos de antigamente).
Hoje, um jogo do Benfica já não é só “para ganhar”; o momento deve ser aproveitado para que se demonstrem superioridade e nobreza. É um futebol snob, sim. Mas de uma aristocracia plenamente habilitada – e sobretudo poderosa.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
De pé direito em 2012
O Eterno Benfica deu prémios, distribuiu distinções. Se estou a falar no assunto, não há-de ser por acaso, como é evidente. Estamos numa altura do ano em que se pratica muito o dar e o receber e eu sei que tenho dado muito pouco e agora chego aqui e só porque a hora é de encher o ego escrevo um texto... A vida é assim mesmo, aceitam-no e adaptem-se.
Há quem lide mal com elogios e distinções, homenagens e celebrações em sua honra. Não é o meu caso, estejam à-vontade, estarei sempre disponível. Se podemos discutir os critérios do Eterno Benfica? Não, infelizmente estou a escrever com alguma pressa, terá de ficar para uma futura ocasião.
Neste post, atribuem a este blogue o Óscar de "Revelação 2011". Quem diria? Um blogue que se chama números... Além disto, ainda acrescentam uma nomeação para "Melhor Blogger" a todo staff do 227218. Falo por mim presumindo que toda a equipa sente o mesmo: estamos orgulhosos.
Só há uma coisa a fazer com este tipo de elogios: aceitá-los despudoradamente. São gentilezas, mimos para o ego. Foi uma bonita maneira de entrar em 2012, podem crer.
Posto isto, aproveito a data e aqui deixo os tradicionais desejos de Ano Novo: Benfica campeão europeu e Cardozo bota de ouro.
Há quem lide mal com elogios e distinções, homenagens e celebrações em sua honra. Não é o meu caso, estejam à-vontade, estarei sempre disponível. Se podemos discutir os critérios do Eterno Benfica? Não, infelizmente estou a escrever com alguma pressa, terá de ficar para uma futura ocasião.
Neste post, atribuem a este blogue o Óscar de "Revelação 2011". Quem diria? Um blogue que se chama números... Além disto, ainda acrescentam uma nomeação para "Melhor Blogger" a todo staff do 227218. Falo por mim presumindo que toda a equipa sente o mesmo: estamos orgulhosos.
Só há uma coisa a fazer com este tipo de elogios: aceitá-los despudoradamente. São gentilezas, mimos para o ego. Foi uma bonita maneira de entrar em 2012, podem crer.
Posto isto, aproveito a data e aqui deixo os tradicionais desejos de Ano Novo: Benfica campeão europeu e Cardozo bota de ouro.
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