Não percebo muito do assunto, mas já li, sobretudo no Correio da Manhã, várias notícias sobre o tema. Isso não faz de mim expert na matéria, mas como a matéria em questão é a "escrita" (perdoem-me a hipérbole) do Miguel Sousa Tavares, não só se dispensam os experts, como se abdica de qualquer semelhança com rigor, à imagem do objecto da croniqueta - para fazer jus ao sujeito.
Refiro-me aos pirómanos, claro. No tal Correio da Manhã, os gajos que pegam fogo ao pinhais durante o Verão são sempre maluquinhos lá da aldeia, uma espécie de Emplastros do Campo, que se ocupam de guardar o gado e, nas horas livres, de brincar com fósforos. Pelo menos, é assim que vem nas notícias. Ora, o incendiário de hoje tem mais de parvo do que de maluquinho. E, que eu saiba, gado não guarda - o mais próximo que tem de afecto pelos animais são as paixões pela caça ao javali e pela tourada. Mas muito gosta ele de atear o fogo.
Na merda de prosa (vão desculpar-me o eufemismo) que hoje tem o desplante e o mau gosto de mostrar ao mundo n' A Bola, este palerma tenta atiçar Benfiquistas (por causa da sala de pânico, num discurso que me recuso a reproduzir), sem deixar de finalizar com a alfinetada ao Sporting (a quem só falta chamar de incompetentes).
Parvalhão como é, não me espantaria se a esta hora fôssemos dar com o homem sentadinho na ponta da antena de Monsanto a olhar para a cidade, à espera que as chamas lavrem.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Com uma vénia
Este texto do senhor João Gonçalves deve ser lido. Tem de ser lido. Mais: deve ser lido por Benfiquistas e sportinguistas. Quanta nobreza, meus senhores...
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Só tens a estupidez que mereces
Ao longo dos dias de ontem e de hoje assisti, um pouco incrédulo, a umas quantas reacções um bocadinho anormais. Por exemplo, se uma pessoa diz "epá, os gajos que incendiaram as cadeiras são uns arruaceiros, é gente que não merece sequer sair de casa", sujeita-se a receber como resposta "ah e vocês? Vocês mataram um homem com um very light!". Ó meus amigos...
Não tenho pena de quem argumenta assim, tentando defender o que não tem defesa. Ninguém tem culpa de ser estúpido; já a vaidade é condenável. Se a condição natural não permite inteligência para mais, já o pudor exige que este tipo de pensamento seja guardado para consumo próprio, em silêncio e em isolamento.
Não me merecem resposta. Mas, considerando que quem argumenta mostra clara e orgulhosamente o esplendor do cretinismo, julgo que importa explicar um detalhe relevante: quem matou um homem com um very light foi outro homem, um assassino. Se o fez a coberto de uma manifestação futebolística, tal só pode entristecer ainda mais, pois magoa da forma mais grave e mais vil um espectáculo que se quer de cavalheiros e não de criminosos. Em relação à vítima, importa-me pouco a cor da camisola na hora de a lamentar; e ao homicida, só posso desejar-lhe o castigo adequado. Agora, por favor não sejam indecentes. Não sejam rasteiros. Vocês conseguem melhor. Eu sou do Benfica e nunca fiz mal a ninguém.
[Perdoem-me esta interrupção com um post explicativo acerca do que é óbvio. Mas estou farto de ler essa resposta um pouco por todo o lado.]
Não tenho pena de quem argumenta assim, tentando defender o que não tem defesa. Ninguém tem culpa de ser estúpido; já a vaidade é condenável. Se a condição natural não permite inteligência para mais, já o pudor exige que este tipo de pensamento seja guardado para consumo próprio, em silêncio e em isolamento.
Não me merecem resposta. Mas, considerando que quem argumenta mostra clara e orgulhosamente o esplendor do cretinismo, julgo que importa explicar um detalhe relevante: quem matou um homem com um very light foi outro homem, um assassino. Se o fez a coberto de uma manifestação futebolística, tal só pode entristecer ainda mais, pois magoa da forma mais grave e mais vil um espectáculo que se quer de cavalheiros e não de criminosos. Em relação à vítima, importa-me pouco a cor da camisola na hora de a lamentar; e ao homicida, só posso desejar-lhe o castigo adequado. Agora, por favor não sejam indecentes. Não sejam rasteiros. Vocês conseguem melhor. Eu sou do Benfica e nunca fiz mal a ninguém.
[Perdoem-me esta interrupção com um post explicativo acerca do que é óbvio. Mas estou farto de ler essa resposta um pouco por todo o lado.]
Derby: primeira impressão
Que tenham perdido, tudo bem, aceitam com razoável tranquilidade; agora, não lhes venham cá contestar a "superioridade em campo". Isso é que não! Aparentemente, pôr em causa a sua suposta vitória moral afecta-os mais do que a MERECIDA perda dos três pontos. Mas não quero estar aqui a incendiar o ambiente, esse departamento é de outros funcionários.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Poesia?! Ok, vamos a isso
«Pela primeira vez em Portugal perto de três milhares de adeptos serão enjaulados. Como se estivessem em Guantánamo...»
O poder da metáfora é finito - por mais que o Mia Couto a redesarranje e a desredesinvente -, já que o Peixoto todos os dias trata de, religiosamente, a saturar e afogar e besuntar de matéria pegajosa. Porém, a imaginação lírica não conhece fronteiras nos cérebros dos homens de génio. Há quem seja naturalmente inspirado. Com esta tirada - aquela que acima se reproduz, salvo seja -, José Manuel Freitas (A Bola) conseguiu pôr-me a imaginar 3 mil homens barbudos de fato-macaco côr-de-laranja, mas às riscas horizontais, ajoelhados, algemados e vendados, a gritar «só eu sei por que não fico em casa», tentando saltar desajeitadamente, o que se compreende dadas as circunstâncias. O poder da metáfora é finito mas, ainda assim, não tem vergonha dos seus próprios limites, o que se saúda.
[Aproveito para fazer uma singela chamada de atenção: "só eu sei por que não fico em casa" significa que só eu conheço a razão misteriosa que me levou a sair à rua; "só eu sei porque não fico em casa" significa que sou o único que sabe qualquer coisa precisamente porque não fiquei em casa, sugerindo-se que a explicação para o mistério esteja na rua, portanto; aproveitem se quiserem, sei que gostam de fazer t-shirts e cachecóis com isto.]
Sempre que se justificar, voltaremos a este tema tão bonito e que, aparentemente, tanto sensibiliza alguns dos nossos leitores. Também eu gosto muito disso da poesia.
O poder da metáfora é finito - por mais que o Mia Couto a redesarranje e a desredesinvente -, já que o Peixoto todos os dias trata de, religiosamente, a saturar e afogar e besuntar de matéria pegajosa. Porém, a imaginação lírica não conhece fronteiras nos cérebros dos homens de génio. Há quem seja naturalmente inspirado. Com esta tirada - aquela que acima se reproduz, salvo seja -, José Manuel Freitas (A Bola) conseguiu pôr-me a imaginar 3 mil homens barbudos de fato-macaco côr-de-laranja, mas às riscas horizontais, ajoelhados, algemados e vendados, a gritar «só eu sei por que não fico em casa», tentando saltar desajeitadamente, o que se compreende dadas as circunstâncias. O poder da metáfora é finito mas, ainda assim, não tem vergonha dos seus próprios limites, o que se saúda.
[Aproveito para fazer uma singela chamada de atenção: "só eu sei por que não fico em casa" significa que só eu conheço a razão misteriosa que me levou a sair à rua; "só eu sei porque não fico em casa" significa que sou o único que sabe qualquer coisa precisamente porque não fiquei em casa, sugerindo-se que a explicação para o mistério esteja na rua, portanto; aproveitem se quiserem, sei que gostam de fazer t-shirts e cachecóis com isto.]
Sempre que se justificar, voltaremos a este tema tão bonito e que, aparentemente, tanto sensibiliza alguns dos nossos leitores. Também eu gosto muito disso da poesia.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Da esperança e do sofrimento
A Bwin dá odds de 1,85 para um pela vitória do Benfica no sábado (4,1 para 1 pela do Sporting), já me passou a indisposição – dormi até muito pacificamente esta noite – e os meus amigos sportinguistas vão estar abrigadinhos, protegidos do vandalismo tipicamente Benfiquista, numa confortável e arejada sala de pânico criada exclusivamente para os receber – quanta honra, hein? –, esse mesmos sportinguistas que estão cheios de moral, acreditando piamente numa vitória fácil-fácil em plena Luz… ou seja: será que se pode pedir mais?
Não, não, não, não… Isto é tudo demasiado bom para ser verdade. É tudo muito perfeitinho. A situação chegou ao ponto de termos a dona Regina, abençoada Mãe do grande David Luiz, a puxar pelo Benfica, em tempo real, em pleno facebook, enquanto assiste ao jogo, ao nosso jogo. Isto começa a ser simplesmente demais.
A pior coisa que me podem fazer é dar-me esperança. “A esperança é a última a morrer”, “enquanto há vida, há esperança”, blábláblá – conversa de enganos, motivação para masoquistas. Ricardo Reis escrevia “quem nada tem e nada deseja, homem, é igual aos deuses”, sendo que estes estão num patamar superior ao dos homens livres (esses, que nada querem mas que - e porque - possuem). A falta de esperança, no futebol, é a essência que permite ao aficionado sentir-se um deus – um deus barbudo e vestido com um lençol, sem preocupações, a comer uvas brancas debruçado numa chaise longue e a pensar “ora deixa cá ver”.
O contorcionismo que me ia nas entranhas e a agitação que me tornava o sono febril tinham uma origem saudável: eram feitos de tristeza e de perda, brotavam da minha dificuldade em resignar-me com o fado da derrota, com o fim da linha como destino próximo; o que me saía pelos poros, o que me subia ao esófago, tudo eram restos do meu espírito vencedor. A paz estava já ali, ao virar da esquina. Expelidos que fossem os demónios da ambição, restava-me fruir do futebol como se fosse apenas um desporto muito belo. Faltam três dias para o derby dos derbies e o que é que acontece? O Benfica sai de Old Trafford não com a pressentida derrota de peso, mas antes com um empate de equipa vencedora.
E eis que a agitação das noites se apronta para regressar e o estômago para se contorcer, a língua para gerir o excesso de saliva, a respiração para se desregular, tornar-se ora apressada, ora tão profunda e alongada que se esquece de inspirar. Tremem-me os dedos, misturam-se-me os pensamentos. Queria ser como Miller, não desejar coisas, aceitá-las apenas. Mas não consigo, sou demasiado fraco, demasiado pequeno. Demasiado humano. Sou de novo um Benfiquista perfeito e isso é tremendo: sinto uma angústia do tamanho do mundo porque hoje é quarta-feira e ainda não ganhámos o jogo de sábado!
Não, não, não, não… Isto é tudo demasiado bom para ser verdade. É tudo muito perfeitinho. A situação chegou ao ponto de termos a dona Regina, abençoada Mãe do grande David Luiz, a puxar pelo Benfica, em tempo real, em pleno facebook, enquanto assiste ao jogo, ao nosso jogo. Isto começa a ser simplesmente demais.
A pior coisa que me podem fazer é dar-me esperança. “A esperança é a última a morrer”, “enquanto há vida, há esperança”, blábláblá – conversa de enganos, motivação para masoquistas. Ricardo Reis escrevia “quem nada tem e nada deseja, homem, é igual aos deuses”, sendo que estes estão num patamar superior ao dos homens livres (esses, que nada querem mas que - e porque - possuem). A falta de esperança, no futebol, é a essência que permite ao aficionado sentir-se um deus – um deus barbudo e vestido com um lençol, sem preocupações, a comer uvas brancas debruçado numa chaise longue e a pensar “ora deixa cá ver”.
O contorcionismo que me ia nas entranhas e a agitação que me tornava o sono febril tinham uma origem saudável: eram feitos de tristeza e de perda, brotavam da minha dificuldade em resignar-me com o fado da derrota, com o fim da linha como destino próximo; o que me saía pelos poros, o que me subia ao esófago, tudo eram restos do meu espírito vencedor. A paz estava já ali, ao virar da esquina. Expelidos que fossem os demónios da ambição, restava-me fruir do futebol como se fosse apenas um desporto muito belo. Faltam três dias para o derby dos derbies e o que é que acontece? O Benfica sai de Old Trafford não com a pressentida derrota de peso, mas antes com um empate de equipa vencedora.
E eis que a agitação das noites se apronta para regressar e o estômago para se contorcer, a língua para gerir o excesso de saliva, a respiração para se desregular, tornar-se ora apressada, ora tão profunda e alongada que se esquece de inspirar. Tremem-me os dedos, misturam-se-me os pensamentos. Queria ser como Miller, não desejar coisas, aceitá-las apenas. Mas não consigo, sou demasiado fraco, demasiado pequeno. Demasiado humano. Sou de novo um Benfiquista perfeito e isso é tremendo: sinto uma angústia do tamanho do mundo porque hoje é quarta-feira e ainda não ganhámos o jogo de sábado!
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Há dias em que sabe muitíssimo bem estar redondamente enganado
Parabéns, rapazes! E obrigado.
Deste que muito se orgulha de vós,
Diego, n.º 227218
Deste que muito se orgulha de vós,
Diego, n.º 227218
Serviço ocasional
Chegou-me às mãos um cartão de sócio correspondente, com o número 44017. Sei que a visibilidade deste ponto é reduzida e que a probabilidade de este post dar frutos é ligeiramente superior à de a chave 1, 2, 3, 4, 5 + 6, 7 sair no próximo sorteio do Euromilhões, daqui a pouco... Mas vale sempre a pena tentar.
Caso não haja resposta, como é provável que aconteça, entregá-lo-ei no próximo sábado no Estádio da Luz. A caminho do derby.
Caso não haja resposta, como é provável que aconteça, entregá-lo-ei no próximo sábado no Estádio da Luz. A caminho do derby.
Más pré-notícias
Os rapazes estão confiantes, o Jesus está confiante, eu tenho vestidos a t-shirt encarnada da sorte e aqueles boxers especiais cor-de-laranja com o bonequinho de neve que nos fazem ganhar sempre. Aparentemente, está tudo bem, tudo tranquilo. Mas infelizmente a verdade é negra: esta noite fartei-me de ter pesadelos, dói-me a barriga e sinto uma azia absolutamente vintage. Eu não vos queria assustar, mas isto é arrepiante. E estou negativo e deprimido e preocupado. E tinha de desabafar convosco.
Vocês não irão entender-me, eu sei que o caso é paranormalóide. Mas estas premonições são extraordinariamente assustadoras. E até fico grato àquele rapaz da Casa dos Segredos, aquele que tem poderes mediúnicos e que consegue prever as mortes dos amigos, da família e das pessoas com quem contacta, porque se sente mal a seguir ao almoço: alguém tem de, de uma vez por todas, mostrar ao mundo que isto de sentir coisas de adivinhar sim, é possível. Eu estou mal disposto já desde o pequeno-almoço de ontem! Eu acabei de usar um ponto de exclamação sem motivo aparente! Ó não, outra vez! Eu estou em pânico!!!
Estou em pânico e estou a escrever este texto porque tenho urgência de deixar escrito que «estamos a 22 de Novembro e o Benfica ainda não perdeu qualquer jogo oficial esta época em todas as provas que disputa» e deixar esta ideia registada para a posteridade - assim intocável, incontestável, imaculada. Antes que seja tarde.
Só peço a Jesus que me mostre que estou errado e que os meus refluxos sejam alcalinos ou gastroesofágicos ao invés de mediúnicos ou premonitórios.
Vocês não irão entender-me, eu sei que o caso é paranormalóide. Mas estas premonições são extraordinariamente assustadoras. E até fico grato àquele rapaz da Casa dos Segredos, aquele que tem poderes mediúnicos e que consegue prever as mortes dos amigos, da família e das pessoas com quem contacta, porque se sente mal a seguir ao almoço: alguém tem de, de uma vez por todas, mostrar ao mundo que isto de sentir coisas de adivinhar sim, é possível. Eu estou mal disposto já desde o pequeno-almoço de ontem! Eu acabei de usar um ponto de exclamação sem motivo aparente! Ó não, outra vez! Eu estou em pânico!!!
Estou em pânico e estou a escrever este texto porque tenho urgência de deixar escrito que «estamos a 22 de Novembro e o Benfica ainda não perdeu qualquer jogo oficial esta época em todas as provas que disputa» e deixar esta ideia registada para a posteridade - assim intocável, incontestável, imaculada. Antes que seja tarde.
Só peço a Jesus que me mostre que estou errado e que os meus refluxos sejam alcalinos ou gastroesofágicos ao invés de mediúnicos ou premonitórios.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Lionel quem? Cristiano quê?
«Não é verdade que não goste de falar, mas a verdade é que nem sempre temos algo interessante para dizer. Não podemos estar a falar a qualquer hora e sobre qualquer assunto.»
Não é preciso creditar a frase, pois não?
Não é preciso creditar a frase, pois não?
Correio dos leitores
Depois de uma semana agitada, tive um fim-de-semana com o sabor do fel. Aparentemente, as minhas estimadas leitoras encontraram neste humilde recanto razões mais que suficientes para se indignarem – e fizeram-no com alguma rudeza e admirável persistência.
A culpa foi, sobretudo, do arroz. A Dona Paulina, das Mercês, escreve-me um pouco exaltada e diz que “um arroz desses nunca na vida pode ser malandrinho – nunca! Sai todo empapado”. Minha cara Paulina, a nota, como pode ver, foi registada e está publicada. Fica a dica para os mais “criativos” que insistem em inventar na hora de ir direito ao assunto. Mas não foi apenas a Dona Paulina a indignar-se. A minha caixa de e-mail estava bastante recheada. De Sacavém – e noto aqui uma certa tendência suburbana nas minhas leitoras que me causa regozijo -, Ana Luísa diz-me o seguinte “leio assiduamente este blogue e costumo gostar, mas não entendo por que raio não publica a receita completa. Queria convidar a secretária do meu marido para jantar e, assim, como é que posso dar-lhe o arroz?”. Querida Ana Luísa, queira contactar a Dona Paulina. Eu passo-lhe o contacto por e-mail.
Eu podia continuar, mas a ideia não varia muito. Entre ingredientes a mais e a falta deles, o visado acaba por ser sempre o mesmo: este vosso esforçado mensageiro. Mas nem todas as reclamações foram de índole gastronómica. Ao engano, algumas das minhas exigentes analistas vieram ao 227218 em busca de “futebol”. Debalde, como é evidente. Quando falei do Cristiano Ronaldo e daquela pessoazinha irritante e sonsa que joga maravilhosamente à bola, julgaram tratar-se de assunto futebolístico. Mea culpa, poderia e deveria ter-me explicado melhor.
Cristina dos Santos, da bonita localidade de Fogueteiro (ou será “do” Fogueteiro?), diz o que se segue: “é inacreditável, é uma falta de vergonha… comparar o montanheiro do Pico Ruivo com aquele amor de pessoa, aquela fofura, aquele docinho… eu… eu nem acredito! Nunca mais cá ponho os olhos!”. Cristina, se reconsiderar e permitir que os seus olhos aqui regressem, queira saber que não foi minha intenção ofendê-la. Cumprimentos.
Isabel R., da Nazaré, em vez de andar a ver as ondas gigantes, prefere vir para a Internet ler acerca do seu querido Lionel, parece. E também se indigna: “ó Diego, ó Diego, ó Diego! Então tem lá comparação aquele mal educadão, convencido e putanheiro com aquela jóia de rapaz, que fosse eu casadoira e não me escapava?! O meu Mário João que me perdoe, mas o Leo é um xuxu!” Há coisas que me causam espanto e esta é uma delas: chamar-se “Leo” a alguém cujo nome se escreve “Lionel”. E ondas com 30 metros também me impressionam um pouco.
Há mais. A que aí vem é a minha preferida. Aparentemente, trata-se de uma jovem portuguesa em Erasmus por Barcelona. Enfim, Hospitalet de Llobregat, tal como manda o perfil-padrão. Chama-se Liliana e estuda Ciências da Comunicação: “O Messi é uma excelente pessoa, fica sabendo! E veste-se muito melhor do que o Cristiano! E é o melhor jogador do mundo que eu jamais alguma vez vi! E ama os seus adeptos, não joga pelo dinheiro! E respeita o futebol, não o suja! E não usa Linic! Estúpido!” Minha exclamativa Liliana, não quis melindrá-la, a sério…
Vamos lá ver… minha senhoras, eu gosto muito de vocês. E quero que aqui fique bem claro uma série de coisas. Primeiro que tudo, de futebol não percebo grande coisa, não é ciência que domine. Gosto de ver e de ir ao estádio. Mas, por norma, só percebo que foi golo porque vejo as pessoas a gritar à minha volta, muito eufóricas. Como gosto de me sentir integrado, imito-lhes os gestos e comporto-me como um primata pouco desenvolvido. De resto, a coisa acaba aí. Este blogue é um sítio de partilha e desabafos, sim. Mas o que eu prefiro mesmo é a culinária – embora também não seja especialista na matéria, como pôde ver-se pelo episódio do arroz.
O que defendi relativamente ao affair Messi – Ronaldo não passava de um desabafo do momento. Irrita-me sobretudo que o mundo inteiro seja tão beatamente devoto ao argentino e tão obstinadamente anti-Cristiano. Mas que fique claro que a minha compaixão pelo madeirense se esgota no ponto preciso em que a minha raiva se desvanece. Com ele partilho a nacionalidade e até essa de um modo meio enviesado e sem grande prazer no assunto.
Sobre o ungido das pampas, é com enorme angústia que me vejo obrigado a aceitar que entrou definitivamente no panteão dos desuses da bola. Porque lhe falta aquele ingrediente que faz dos reis, mais que adorados, temidos: o carisma de um líder. Lionel, bem feitas as contas, tem o carisma de um copo de plástico o que torna a nossa relação – entre mim e ele – uma impossibilidade.
Se o universo do futebol fosse uma turma do 6.º ano, o Messi seria aquele gajo que tira 20 a tudo e que é o nerd da turma, que não se dá com ninguém que não seja igualmente nerd e cujo sentido de “estilo” se resume à ambição de possuir uma mochila com mais de três cores fluorescentes. Nessa mesma turma, haveria um bully. Quem melhor para o papel do bronco cheio de mania do que o Cristiano, não é? Aposto que o Cristiano todos os dias roubaria o pacotinho de leite achocolatado ao mariquinhas do Lionel só para escrever na parede do ginásio “Kristiano teve aki” como se estivesse a mijar.
Se eu fosse da turma deles, não seria amigo de nenhum. Mas iria, apesar de tudo, achar mais graça ao analfabeto com músculos. Espero que a analogia vos tenha apelado ao sentimento e que tenhamos ficado esclarecidos.
A culpa foi, sobretudo, do arroz. A Dona Paulina, das Mercês, escreve-me um pouco exaltada e diz que “um arroz desses nunca na vida pode ser malandrinho – nunca! Sai todo empapado”. Minha cara Paulina, a nota, como pode ver, foi registada e está publicada. Fica a dica para os mais “criativos” que insistem em inventar na hora de ir direito ao assunto. Mas não foi apenas a Dona Paulina a indignar-se. A minha caixa de e-mail estava bastante recheada. De Sacavém – e noto aqui uma certa tendência suburbana nas minhas leitoras que me causa regozijo -, Ana Luísa diz-me o seguinte “leio assiduamente este blogue e costumo gostar, mas não entendo por que raio não publica a receita completa. Queria convidar a secretária do meu marido para jantar e, assim, como é que posso dar-lhe o arroz?”. Querida Ana Luísa, queira contactar a Dona Paulina. Eu passo-lhe o contacto por e-mail.
Eu podia continuar, mas a ideia não varia muito. Entre ingredientes a mais e a falta deles, o visado acaba por ser sempre o mesmo: este vosso esforçado mensageiro. Mas nem todas as reclamações foram de índole gastronómica. Ao engano, algumas das minhas exigentes analistas vieram ao 227218 em busca de “futebol”. Debalde, como é evidente. Quando falei do Cristiano Ronaldo e daquela pessoazinha irritante e sonsa que joga maravilhosamente à bola, julgaram tratar-se de assunto futebolístico. Mea culpa, poderia e deveria ter-me explicado melhor.
Cristina dos Santos, da bonita localidade de Fogueteiro (ou será “do” Fogueteiro?), diz o que se segue: “é inacreditável, é uma falta de vergonha… comparar o montanheiro do Pico Ruivo com aquele amor de pessoa, aquela fofura, aquele docinho… eu… eu nem acredito! Nunca mais cá ponho os olhos!”. Cristina, se reconsiderar e permitir que os seus olhos aqui regressem, queira saber que não foi minha intenção ofendê-la. Cumprimentos.
Isabel R., da Nazaré, em vez de andar a ver as ondas gigantes, prefere vir para a Internet ler acerca do seu querido Lionel, parece. E também se indigna: “ó Diego, ó Diego, ó Diego! Então tem lá comparação aquele mal educadão, convencido e putanheiro com aquela jóia de rapaz, que fosse eu casadoira e não me escapava?! O meu Mário João que me perdoe, mas o Leo é um xuxu!” Há coisas que me causam espanto e esta é uma delas: chamar-se “Leo” a alguém cujo nome se escreve “Lionel”. E ondas com 30 metros também me impressionam um pouco.
Há mais. A que aí vem é a minha preferida. Aparentemente, trata-se de uma jovem portuguesa em Erasmus por Barcelona. Enfim, Hospitalet de Llobregat, tal como manda o perfil-padrão. Chama-se Liliana e estuda Ciências da Comunicação: “O Messi é uma excelente pessoa, fica sabendo! E veste-se muito melhor do que o Cristiano! E é o melhor jogador do mundo que eu jamais alguma vez vi! E ama os seus adeptos, não joga pelo dinheiro! E respeita o futebol, não o suja! E não usa Linic! Estúpido!” Minha exclamativa Liliana, não quis melindrá-la, a sério…
Vamos lá ver… minha senhoras, eu gosto muito de vocês. E quero que aqui fique bem claro uma série de coisas. Primeiro que tudo, de futebol não percebo grande coisa, não é ciência que domine. Gosto de ver e de ir ao estádio. Mas, por norma, só percebo que foi golo porque vejo as pessoas a gritar à minha volta, muito eufóricas. Como gosto de me sentir integrado, imito-lhes os gestos e comporto-me como um primata pouco desenvolvido. De resto, a coisa acaba aí. Este blogue é um sítio de partilha e desabafos, sim. Mas o que eu prefiro mesmo é a culinária – embora também não seja especialista na matéria, como pôde ver-se pelo episódio do arroz.
O que defendi relativamente ao affair Messi – Ronaldo não passava de um desabafo do momento. Irrita-me sobretudo que o mundo inteiro seja tão beatamente devoto ao argentino e tão obstinadamente anti-Cristiano. Mas que fique claro que a minha compaixão pelo madeirense se esgota no ponto preciso em que a minha raiva se desvanece. Com ele partilho a nacionalidade e até essa de um modo meio enviesado e sem grande prazer no assunto.
Sobre o ungido das pampas, é com enorme angústia que me vejo obrigado a aceitar que entrou definitivamente no panteão dos desuses da bola. Porque lhe falta aquele ingrediente que faz dos reis, mais que adorados, temidos: o carisma de um líder. Lionel, bem feitas as contas, tem o carisma de um copo de plástico o que torna a nossa relação – entre mim e ele – uma impossibilidade.
Se o universo do futebol fosse uma turma do 6.º ano, o Messi seria aquele gajo que tira 20 a tudo e que é o nerd da turma, que não se dá com ninguém que não seja igualmente nerd e cujo sentido de “estilo” se resume à ambição de possuir uma mochila com mais de três cores fluorescentes. Nessa mesma turma, haveria um bully. Quem melhor para o papel do bronco cheio de mania do que o Cristiano, não é? Aposto que o Cristiano todos os dias roubaria o pacotinho de leite achocolatado ao mariquinhas do Lionel só para escrever na parede do ginásio “Kristiano teve aki” como se estivesse a mijar.
Se eu fosse da turma deles, não seria amigo de nenhum. Mas iria, apesar de tudo, achar mais graça ao analfabeto com músculos. Espero que a analogia vos tenha apelado ao sentimento e que tenhamos ficado esclarecidos.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Ronaldo, desta vez estamos juntos, meu
Começo a ficar verdadeiramente farto desta devoção a Messi. Sim, ele é um génio sem par. Mas, por outro lado, também é das figurinhas mais sonsas da história do futebol, um rapaz sem piada nenhuma, o bonzinho, o perfeito, o elevado, o santo. Não faz mal a uma mosca, não parte um prato, não diz palavrões, não mete os cotovelos na mesa. Irrita-me.
Não sou nem nunca fui admirador do Cristiano (ao nível da personalidade, entenda-se) mas, entre um e outro, prefiro a falta de maneiras e a vaidade sincera e frontal do madeirense. Não posso com gajos perfeitinhos.
Não sou nem nunca fui admirador do Cristiano (ao nível da personalidade, entenda-se) mas, entre um e outro, prefiro a falta de maneiras e a vaidade sincera e frontal do madeirense. Não posso com gajos perfeitinhos.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Texto muito mal educado sobre pessoas muito mal educadas
Eu não quero soar repetitivo, mas isto da selecção e das paragens no campeonato desinspira-me. Por mais que tente, não arranjo assunto de bola que tenha interesse. Procuro na imprensa e o máximo que consigo é uma burrice de um redactor d’ A Bola que nem tem feedback que se veja. Talvez devesse ter colocado a bold aquilo que me levou a publicar o excerto. Ora… hum… bold em português diz-se negrito. Entremos por aí.
Aparentemente, o Javi Garcia sublinhou o negrito do Alan. Isto teria muito mais piada se o Javi, em vez de ser espanhol, fosse italiano. Mas deixemo-nos de estilos. O Alan podia simplesmente ser um “gajo de merda” que isso não o ofendia. Mas tocaram-lhe lá naquilo da cor e ele sentiu-se. É justo. Eu, no lugar dele, não me teria ressentido, devo dizer. Se me chamassem “branco de merda”, responderia qualquer coisa como o Dude respondeu ao Jesus em The Big Lebowski: “err… that’s like… your opinion, man”. A malta leva as coisas demasiado a sério. Se a intenção das palavras era mesmo racista, então sentir-me-ia verdadeiramente superior ao suposto ofensor que, dando voz a esse impulso primitivo, verbalizara o seu preconceito relativamente a raças.
Assim, estas coisas nem merecem resposta. Mas vá, sabendo que o Alan se melindra com a mera existência de Javi, é natural que lhe tenha apetecido responder-lhe. Já pensei em várias respostas possíveis. Há uma que é muito digna e, creio eu, bastante ofensiva, sem nunca perder a compostura: “e tu és um racista”. Parece-me bem mais eficiente do que “preto de merda”, mas isto sou só eu a dizer.
Quem jogou à bola, saberá que ali o discurso e o léxico não são nem brilhantes nem para meninos. De filho da puta para baixo e damo-nos todos bem. Há quem alegue, no entanto e sobre este caso do Javi e do Alan, que o ofendido “não tem a culpa da cor com que nasceu”. E eu acrescento que nem ele nem ninguém tem a culpa da cor com que nasce. Já dou de barato a parte da “culpa” por se ter uma cor, como se uma ou outra significassem mais ou menos valor ou justificassem mais ou menos pesar por serem, ou não, aquela que temos. Mas cada um pensa como quer e não quero discriminar as pessoas por serem mais ou menos obtusas. Agora, se vamos pela culpa, então tenho a dizer que da próxima vez que me quiserem ofender por causa da cor, que se dirijam ao verdadeiro responsável pela minha vergonha: o meu pai.
Com o seu sangue misto de mouro com branco, o meu pai teve a culpadíssima ideia de escolher a minha mãe, branca, alva, clara e quase luminosa, para companheira de procriação. E da sua insidiosa relação, nasci eu, um branquela sem graça. Um branco de merda. Portanto, da próxima que quiserem insultar-me, experimentem, por exemplo, “o teu pai fez um branco de merda”, porque a culpa é toda dele, não é minha. Aliás, não fez só um: fez dois! Vejam bem onde chega o desplante.
Isto tudo porque, realmente, as pessoas não têm culpa da maneira como nascem. Nem dos pais que têm, já agora. Nem das mães. E as mães são das figuras mais presentes num relvado de futebol, como toda a gente sabe. Que me lembre, a única mãe de um adversário que defrontei que vim a “conhecer” (como quem diz, “vim a saber quem era pela televisão e pelas revistas”) foi a mãe do Simão Sabrosa. Senhora respeitável, claro está, e acima de tudo cidadã digna de respeito, como qualquer um de nós, até prova em contrário. No entanto, quando o Simão marcou pela quinta ou sexta vez contra a minha equipa no pelado do Paúl, não senti o menor peso na consciência ao deixar escapar um “ai, a puta qu’o pariu, foda-se!...” Nunca conheci a mãe do Filipe Cândido – e ainda bem.
No campo as coisas aquecem. É certo que o respeito e o bom trato são essenciais, que a origem do desporto é o embate entre cavalheiros. Mas não me parece que, quando a coisa resvala no calor da luta – e sobretudo quando há um historial de atrito entre contendores –, as coisas devam ser levadas à letra ou demasiado a peito (e se são demasiado ofensivas para não serem levadas à letra, sejamos Zinedines de cabeça quente no peito do outro, tudo o resto soa a mariquice). Neste caso, não estamos a falar de discursos ensaiados nem premeditados – é uma tentativa de ofensa até bastante rudimentar, parece-me. E eu já ouvi alguns discursos premeditados. Certos deles, quase iluminados. O melhor pior de todos é “matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta”. É tão mau, tão mau, tão mau, que se mo dissessem o mais provável seria eu rir-me. Porque a frase é elaborada e – apesar de bastante macabra e, ao nível do subtexto, profundamente desrespeitosa – engraçada. A mim lembra-me logo coisas da banda desenhada, tipo o Tintin a ser cozinhado num caldeirão de selvagens para fazerem um arrozinho de repórter. Mas isto sou só eu a pensar. Porque vá, a frase é ofensiva, sim senhor.
Se o Javi e o Alan têm muito problema com a história da cor, a coisa devia ter-se ficado nesse nível rasteirinho e apenas entre eles. Por exemplo, o Javi chamava preto de merda ao Alan e este respondia-lhe na mesma moeda, mas com maior potencial ofensivo, “eu até matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta, mas tenho nojo de carne branca”. Isto sim, seria pesadíssimo. Tenham em conta que isto sou eu a supor coisas, apenas. É o chamado “supônhamos”. Vejam bem que eu até sou capaz de supor que o Javi e o Alan tinham tido a decência de poupar o país inteiro a este episódio um bocado parvo (acerca do qual eu não escreveria se houvesse campeonato esta semana).
Tenho pena da falta de educação dos intervenientes, no fundo. Porque, se o Alan tivesse mesmo nível, em vez de dizer aquelas coisas que eu disse acima e que são terrivelmente deselegantes, ter-se-ia chegado ao Javi e dito «como é que sabes? As luzes estão apagadas, ó palerma» e morria ali o assunto.
Aparentemente, o Javi Garcia sublinhou o negrito do Alan. Isto teria muito mais piada se o Javi, em vez de ser espanhol, fosse italiano. Mas deixemo-nos de estilos. O Alan podia simplesmente ser um “gajo de merda” que isso não o ofendia. Mas tocaram-lhe lá naquilo da cor e ele sentiu-se. É justo. Eu, no lugar dele, não me teria ressentido, devo dizer. Se me chamassem “branco de merda”, responderia qualquer coisa como o Dude respondeu ao Jesus em The Big Lebowski: “err… that’s like… your opinion, man”. A malta leva as coisas demasiado a sério. Se a intenção das palavras era mesmo racista, então sentir-me-ia verdadeiramente superior ao suposto ofensor que, dando voz a esse impulso primitivo, verbalizara o seu preconceito relativamente a raças.
Assim, estas coisas nem merecem resposta. Mas vá, sabendo que o Alan se melindra com a mera existência de Javi, é natural que lhe tenha apetecido responder-lhe. Já pensei em várias respostas possíveis. Há uma que é muito digna e, creio eu, bastante ofensiva, sem nunca perder a compostura: “e tu és um racista”. Parece-me bem mais eficiente do que “preto de merda”, mas isto sou só eu a dizer.
Quem jogou à bola, saberá que ali o discurso e o léxico não são nem brilhantes nem para meninos. De filho da puta para baixo e damo-nos todos bem. Há quem alegue, no entanto e sobre este caso do Javi e do Alan, que o ofendido “não tem a culpa da cor com que nasceu”. E eu acrescento que nem ele nem ninguém tem a culpa da cor com que nasce. Já dou de barato a parte da “culpa” por se ter uma cor, como se uma ou outra significassem mais ou menos valor ou justificassem mais ou menos pesar por serem, ou não, aquela que temos. Mas cada um pensa como quer e não quero discriminar as pessoas por serem mais ou menos obtusas. Agora, se vamos pela culpa, então tenho a dizer que da próxima vez que me quiserem ofender por causa da cor, que se dirijam ao verdadeiro responsável pela minha vergonha: o meu pai.
Com o seu sangue misto de mouro com branco, o meu pai teve a culpadíssima ideia de escolher a minha mãe, branca, alva, clara e quase luminosa, para companheira de procriação. E da sua insidiosa relação, nasci eu, um branquela sem graça. Um branco de merda. Portanto, da próxima que quiserem insultar-me, experimentem, por exemplo, “o teu pai fez um branco de merda”, porque a culpa é toda dele, não é minha. Aliás, não fez só um: fez dois! Vejam bem onde chega o desplante.
Isto tudo porque, realmente, as pessoas não têm culpa da maneira como nascem. Nem dos pais que têm, já agora. Nem das mães. E as mães são das figuras mais presentes num relvado de futebol, como toda a gente sabe. Que me lembre, a única mãe de um adversário que defrontei que vim a “conhecer” (como quem diz, “vim a saber quem era pela televisão e pelas revistas”) foi a mãe do Simão Sabrosa. Senhora respeitável, claro está, e acima de tudo cidadã digna de respeito, como qualquer um de nós, até prova em contrário. No entanto, quando o Simão marcou pela quinta ou sexta vez contra a minha equipa no pelado do Paúl, não senti o menor peso na consciência ao deixar escapar um “ai, a puta qu’o pariu, foda-se!...” Nunca conheci a mãe do Filipe Cândido – e ainda bem.
No campo as coisas aquecem. É certo que o respeito e o bom trato são essenciais, que a origem do desporto é o embate entre cavalheiros. Mas não me parece que, quando a coisa resvala no calor da luta – e sobretudo quando há um historial de atrito entre contendores –, as coisas devam ser levadas à letra ou demasiado a peito (e se são demasiado ofensivas para não serem levadas à letra, sejamos Zinedines de cabeça quente no peito do outro, tudo o resto soa a mariquice). Neste caso, não estamos a falar de discursos ensaiados nem premeditados – é uma tentativa de ofensa até bastante rudimentar, parece-me. E eu já ouvi alguns discursos premeditados. Certos deles, quase iluminados. O melhor pior de todos é “matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta”. É tão mau, tão mau, tão mau, que se mo dissessem o mais provável seria eu rir-me. Porque a frase é elaborada e – apesar de bastante macabra e, ao nível do subtexto, profundamente desrespeitosa – engraçada. A mim lembra-me logo coisas da banda desenhada, tipo o Tintin a ser cozinhado num caldeirão de selvagens para fazerem um arrozinho de repórter. Mas isto sou só eu a pensar. Porque vá, a frase é ofensiva, sim senhor.
Se o Javi e o Alan têm muito problema com a história da cor, a coisa devia ter-se ficado nesse nível rasteirinho e apenas entre eles. Por exemplo, o Javi chamava preto de merda ao Alan e este respondia-lhe na mesma moeda, mas com maior potencial ofensivo, “eu até matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta, mas tenho nojo de carne branca”. Isto sim, seria pesadíssimo. Tenham em conta que isto sou eu a supor coisas, apenas. É o chamado “supônhamos”. Vejam bem que eu até sou capaz de supor que o Javi e o Alan tinham tido a decência de poupar o país inteiro a este episódio um bocado parvo (acerca do qual eu não escreveria se houvesse campeonato esta semana).
Tenho pena da falta de educação dos intervenientes, no fundo. Porque, se o Alan tivesse mesmo nível, em vez de dizer aquelas coisas que eu disse acima e que são terrivelmente deselegantes, ter-se-ia chegado ao Javi e dito «como é que sabes? As luzes estão apagadas, ó palerma» e morria ali o assunto.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Talvez pudesses ter ficado calado #4
Hoje n' A Bola escreve-se (p. 25) que Falcao foi «questionado se esperava um desempenho do Atlético Madrid aquém das expectativas». A notícia não esclarece se Radamel ficou ou não confuso com a pergunta.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Uma cerveja ganha com tempo
Há quem se oriente no tempo, mas no tempo longo que se mede em anos, tendo como referência os filhos. Eu não tenho filhos. Eu tenho livros e épocas futebolísticas. Eu tenho uma sobrinha. Ela nasceu mais ou menos um mês depois de termos sido campeões no Bessa e aproximadamente um mês antes de eu ter começado a ler A Sul de Nenhum Norte, o primeiro livro do Bukowski em que tive o prazer de andar à deriva. Tenho a certeza de que a minha sobrinha tem à volta de seis anos e meio. Não confundam esta maneira de contar as coisas com “não querer saber”. Às vezes sei que me arrisco a não ser compreendido (e o meu irmão lê este blogue – Marco, sabes que isto é assim e não é por mal). Mas é-me mais fácil saber que determinados acontecimentos sucederam nessa época em que Trapattoni ganhou o título que todos deixaram escapar – e que nos escapava havia uma eternidade – do que o contrário. É, aliás, um exercício que aconselho a todos.
Acabei recentemente os livros sobre futebol que tão bem me preencheram o início da época. Terminei-os pouco depois daquela interrupção para se ver jogar as selecções e se ficar sem assunto para escrever textos. Regressei, entretanto, a Bukowski – Ham on Rye – Pão Com Fiambre – numa boa edição da Ulisseia (apesar dos erros derivados da falta de revisão). Este regresso coincide com um período mais apagado do Benfica. Há uma estranha coincidência, para além do momento real das coisas: o livro retrata o período mais negro da vida de Bukowski. Digo que é o mais negro porque toda a sua vida foi bastante ensombrada. Porém, no início ele não só ainda não escrevia como até boa parte do livro é virgem; além disto, não tinha descoberto as corridas de cavalos. Ou seja, de tudo o que acabou por defini-lo, só a parte de ser um sofredor, de não ter dinheiro, de se embebedar e de ser feio é que já existiam. As coisas melhores ainda estavam por vir.
A coincidência. A tal coincidência é isto: o Chinaski (o alter ego de Bukowski) era infeliz naquele período e o Benfica também anda infeliz neste período em que leio o livro. Mas sei que, passadas umas páginas, tudo vai melhorar. Sei de um porque lhe conheço a biografia; e sei de Outro porque lhe conheço a qualidade e a essência, para além da biografia. Mas eu queria era falar dos tempos e assim.
No outro dia, ganhei uma cerveja numa aposta estúpida. Foi no fim do Braga – Benfica e já estava o Sporting a jogar com a Leiria. Diz-se a Leiria e não “o” Leiria. A União de Leiria. E estava um amigo sportinguista a dizer que já não festejava um campeonato desde 2005. E eu fiquei impressionado, porque julguei que ele tinha festejado pelo Benfica, o que, apesar de não ficar bem a qualquer das partes, é positivo na medida em que demonstra inequivocamente a falta de motivos para festejar dos sportinguistas. Diz-me ele que não, que festejou pelo Sporting. E eu, uma vez mais, achei curioso alguém festejar um segundo ou terceiro lugar ou lá o que foi. E ele corrige-me novamente: não, que festejou o campeonato do Sporting.
E eu estive para argumentar que não, que tinha sido pouco antes de a minha sobrinha nascer e de eu ler o A Sul de Nenhum Norte que o Benfica tinha sido campeão com o Trap, mas achei que não tinham pertinência para ele estas referências. E então disse-lhe “não, vocês já não são campeões desde 2002” e isto é um facto de que parece não haver muita gente recordada por aí. Ou isso ou não atribuem ao mesmo facto o valor que eu achei que poderia ter. Talvez eu ande a sobrevalorizar o Sporting, perdoem-me por isso; mas achei que dez anos sem meter a mão no troféu era tempo demasiado. Esse meu amigo não ficou convencido e decidiu apostar comigo – a tal cerveja. Eu achei a aposta estúpida, claro. Não é fácil uma pessoa confundir-se com os campeonatos ganhos pelo Sporting. Assim, de repente, dá-me ideia de serem três nos últimos trinta anos. Se um Benfiquista não se aflige com contas sobre o historial recente, um sportinguista muito menos.
Eu lembro-me de ter mudado de casa no ano em que o Sporting foi campeão passados 18 anos. E lembro-me de ter mudado certas coisas lá em casa no ano em que o Sporting foi campeão logo a seguir ao Boavista, portanto, aquela cerveja era minha. Nesse ano de 2002 fui ao Festival Sudoeste pela última vez na minha vida – e senti-me demasiado adulto para andar por ali, já na altura. Portanto, eu tenho tudo isto perfeitamente enquadrado: o Jardel era para vir para o Benfica, estava tudo tratado (ele estava “guardado” na Ericeira), mas eis que a Fiorentina vai à falência. Estava com o meu irmão à espera de um concerto de Peter Murphy, salvo erro, quando o Fernando Alvim subiu ao palco principal e, sem qualquer pingo de vergonha, com o maior dos entusiasmos, anunciou, vitorioso, ao microfone “Pessoal, o Nuno Gomes É NOSSOOOOO!!!!”. O mais estranho não foi o desplante e a convicção com que o fez, foi mesmo a reacção massiva do público, que rejubilou quase na sua totalidade. Escusado será dizer que o Jardel foi devolvido ao Sporting – porém, com algum atraso e em muito mau estado, com problemas “pissecológicos”, como o próprio alegava.
Tive de recorrer à Wikipédia para mostrar a lista dos vencedores do Campeonato Nacional ao tal amigo. Não convencido, obrigou-me a apresentar a página do Sporting na Wikipédia, onde a informação correspondia, claro, à anterior. Continuou com dúvidas e eu estava incrédulo: como podia alguém sportinguista não saber tão convictamente que o Sporting não é campeão desde 2002?! Se há pessoa que precisa de um sistema de organização cronológica diferente do meu, é esta, que agora me deve uma cerveja.
Acabei recentemente os livros sobre futebol que tão bem me preencheram o início da época. Terminei-os pouco depois daquela interrupção para se ver jogar as selecções e se ficar sem assunto para escrever textos. Regressei, entretanto, a Bukowski – Ham on Rye – Pão Com Fiambre – numa boa edição da Ulisseia (apesar dos erros derivados da falta de revisão). Este regresso coincide com um período mais apagado do Benfica. Há uma estranha coincidência, para além do momento real das coisas: o livro retrata o período mais negro da vida de Bukowski. Digo que é o mais negro porque toda a sua vida foi bastante ensombrada. Porém, no início ele não só ainda não escrevia como até boa parte do livro é virgem; além disto, não tinha descoberto as corridas de cavalos. Ou seja, de tudo o que acabou por defini-lo, só a parte de ser um sofredor, de não ter dinheiro, de se embebedar e de ser feio é que já existiam. As coisas melhores ainda estavam por vir.
A coincidência. A tal coincidência é isto: o Chinaski (o alter ego de Bukowski) era infeliz naquele período e o Benfica também anda infeliz neste período em que leio o livro. Mas sei que, passadas umas páginas, tudo vai melhorar. Sei de um porque lhe conheço a biografia; e sei de Outro porque lhe conheço a qualidade e a essência, para além da biografia. Mas eu queria era falar dos tempos e assim.
No outro dia, ganhei uma cerveja numa aposta estúpida. Foi no fim do Braga – Benfica e já estava o Sporting a jogar com a Leiria. Diz-se a Leiria e não “o” Leiria. A União de Leiria. E estava um amigo sportinguista a dizer que já não festejava um campeonato desde 2005. E eu fiquei impressionado, porque julguei que ele tinha festejado pelo Benfica, o que, apesar de não ficar bem a qualquer das partes, é positivo na medida em que demonstra inequivocamente a falta de motivos para festejar dos sportinguistas. Diz-me ele que não, que festejou pelo Sporting. E eu, uma vez mais, achei curioso alguém festejar um segundo ou terceiro lugar ou lá o que foi. E ele corrige-me novamente: não, que festejou o campeonato do Sporting.
E eu estive para argumentar que não, que tinha sido pouco antes de a minha sobrinha nascer e de eu ler o A Sul de Nenhum Norte que o Benfica tinha sido campeão com o Trap, mas achei que não tinham pertinência para ele estas referências. E então disse-lhe “não, vocês já não são campeões desde 2002” e isto é um facto de que parece não haver muita gente recordada por aí. Ou isso ou não atribuem ao mesmo facto o valor que eu achei que poderia ter. Talvez eu ande a sobrevalorizar o Sporting, perdoem-me por isso; mas achei que dez anos sem meter a mão no troféu era tempo demasiado. Esse meu amigo não ficou convencido e decidiu apostar comigo – a tal cerveja. Eu achei a aposta estúpida, claro. Não é fácil uma pessoa confundir-se com os campeonatos ganhos pelo Sporting. Assim, de repente, dá-me ideia de serem três nos últimos trinta anos. Se um Benfiquista não se aflige com contas sobre o historial recente, um sportinguista muito menos.
Eu lembro-me de ter mudado de casa no ano em que o Sporting foi campeão passados 18 anos. E lembro-me de ter mudado certas coisas lá em casa no ano em que o Sporting foi campeão logo a seguir ao Boavista, portanto, aquela cerveja era minha. Nesse ano de 2002 fui ao Festival Sudoeste pela última vez na minha vida – e senti-me demasiado adulto para andar por ali, já na altura. Portanto, eu tenho tudo isto perfeitamente enquadrado: o Jardel era para vir para o Benfica, estava tudo tratado (ele estava “guardado” na Ericeira), mas eis que a Fiorentina vai à falência. Estava com o meu irmão à espera de um concerto de Peter Murphy, salvo erro, quando o Fernando Alvim subiu ao palco principal e, sem qualquer pingo de vergonha, com o maior dos entusiasmos, anunciou, vitorioso, ao microfone “Pessoal, o Nuno Gomes É NOSSOOOOO!!!!”. O mais estranho não foi o desplante e a convicção com que o fez, foi mesmo a reacção massiva do público, que rejubilou quase na sua totalidade. Escusado será dizer que o Jardel foi devolvido ao Sporting – porém, com algum atraso e em muito mau estado, com problemas “pissecológicos”, como o próprio alegava.
Tive de recorrer à Wikipédia para mostrar a lista dos vencedores do Campeonato Nacional ao tal amigo. Não convencido, obrigou-me a apresentar a página do Sporting na Wikipédia, onde a informação correspondia, claro, à anterior. Continuou com dúvidas e eu estava incrédulo: como podia alguém sportinguista não saber tão convictamente que o Sporting não é campeão desde 2002?! Se há pessoa que precisa de um sistema de organização cronológica diferente do meu, é esta, que agora me deve uma cerveja.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Os meus pés esquerdos
Soltando a língua como quem liberta a bola, vou-me meter a falar do jogo. Atacando.
Cheguei ao Alto dos Moinhos chovia muito e já não havia impermeáveis encarnados naquelas duas bancas. Não pude ir de chinelos ao jogo. Não que me fizesse impressão os pés molhados e frios. Sou um homem, não sou um rato. Mas eu ia trabalhar antes do jogo e, confesso, cedi à pressão da correcção comportamental em sociedade. Talvez nem toda a gente compreendesse o porquê de eu andar de chinelos de cabedal com 14º C e uma precipitação de dezenas de litros por metro quadrado.
Esta questão dos pés e dos chinelos deu-me que pensar. No fim-de-semana, tratei de ir tratar do assunto. Sabendo que a possibilidade de levar os chinelos ao jogo era cada vez mais remota, optei por investir em calçado imaculado, que ainda não tivesse cadastro desportivo, nada de historial pessimista ou de memórias desagradáveis. “Começar do zero”, pensei eu. E comprei uns Adidas brancos – tudo conforme, portanto. Há que ser rigoroso.
Um pouco abaixo das roulotes, havia impermeáveis. Dez números acima do meu. Todos encarnados mas não diziam Benfica. É pena. Por 5 euros, deviam dizer Benfica e ter o número 10 nas costas. E ser do meu tamanho. Fiquei a parecer uma tenda de campismo e, entretanto, com a imperial cheia de água, soube que o Luís Martins ia jogar na esquerda, que o Aimar era titular e que o Rodrigo ficava no lugar do Cardozo. Olhei para as Adidas brancas e pensei “estais a entrar de pé esquerdo”.
Era tudo pé esquerdo em toda a parte. Para onde quer que se olhasse, pés esquerdos atrás de pés esquerdos, pés esquerdos ao lado de pés esquerdos. No banco, o pé esquerdo do Cardozo. No campo, o pé esquerdo começava no Luís Martins, esticava-se pelo Matic, continuava para o Bruno César, subia pelo Gaitán e acabava no Rodrigo. Pé esquerdo pelo mundo inteiro, por toda a relva.
O melhor golo que alguma vez marquei foi de pé esquerdo, num amigável entre a FCSH – a minha faculdade - e uma faculdade qualquer que devia ser de gestão ou de novas tecnologias, a avaliar pelo talento dos seus jogadores. Apanhei um passe pouco depois do meio-campo, a bola vinha “redondinha” e, para minha surpresa, não hesitei: rematei de esquerda, a uns bons 30 metros, de primeira, para aproveitar o balanço da bola. Entrou no ângulo direito da baliza, com o guarda-redes a fazer uma figura tristíssima ao esticar-se todo, em grande esforço, para conseguir apenas cair com aparato numa poça junto à rede. Foi um golaço. Foi 75% de sorte e 25% de instinto sincronizado com biomecânica. Mas continuo sem explicação para o sucedido. Talvez tenha sido 98% de sorte.
Entrámos no Estádio e eu à procura do pé direito e não dava com ele. Talvez o David Lynch tivesse feito um remake d’ O Meu Pé Esquerdo e nós, estas 40 mil pessoas, entrássemos nesta nova versão. A meio do primeiro cigarro, o Rodrigo marcou. De pé esquerdo. Um golaço. 12% de sorte, 95% de talento. Um golo destes leva mais de 100%.
Eu gosto do Rodrigo e sei que ele é titular. Só não sei como. Ou onde. Não tenho esquemas de jogo preferidos. Os esquemas não me dizem muito e devem sempre depender do potencial de cada jogador em determinadas circunstâncias. Isto é, um esquema deve sempre servir uma determinada estratégia. E uma estratégia não é uma táctica. Uma estratégia é um plano de acção, um guião do jogo: devemos fazer isto para conseguir aquilo; os passos são este e este e depois este; ficam a cargo de fulano e do seu amigo e do outro companheiro ali ao fundo; tu fazes isto, tu aquilo e aquele a outra coisa; o objectivo em determinado tempo é este; noutro, a seguir, é aquele; tudo isto num contexto ideal; caso se alterem as circunstâncias, o plano é alterado aqui e aqui, assim e assado… Isto é uma estratégia. Uma táctica é só uma ferramenta de explicar posicionamentos, nada mais. É uma chave, um desenho, um código. O Benfica tem muitas tácticas. O Benfica tem muitas soluções e uma série de jogadores de grande mobilidade, rápidos, ágeis e inteligentes. Ao Benfica só falta uma estratégia.
Antes de comprar uns ténis novos – Adidas e brancos – vou esperar para ver se o Jorge Jesus reduz ou não o número de pés esquerdos em jogo. O excesso de pé esquerdo é pior do que a abundância de pé frio.
Cheguei ao Alto dos Moinhos chovia muito e já não havia impermeáveis encarnados naquelas duas bancas. Não pude ir de chinelos ao jogo. Não que me fizesse impressão os pés molhados e frios. Sou um homem, não sou um rato. Mas eu ia trabalhar antes do jogo e, confesso, cedi à pressão da correcção comportamental em sociedade. Talvez nem toda a gente compreendesse o porquê de eu andar de chinelos de cabedal com 14º C e uma precipitação de dezenas de litros por metro quadrado.
Esta questão dos pés e dos chinelos deu-me que pensar. No fim-de-semana, tratei de ir tratar do assunto. Sabendo que a possibilidade de levar os chinelos ao jogo era cada vez mais remota, optei por investir em calçado imaculado, que ainda não tivesse cadastro desportivo, nada de historial pessimista ou de memórias desagradáveis. “Começar do zero”, pensei eu. E comprei uns Adidas brancos – tudo conforme, portanto. Há que ser rigoroso.
Um pouco abaixo das roulotes, havia impermeáveis. Dez números acima do meu. Todos encarnados mas não diziam Benfica. É pena. Por 5 euros, deviam dizer Benfica e ter o número 10 nas costas. E ser do meu tamanho. Fiquei a parecer uma tenda de campismo e, entretanto, com a imperial cheia de água, soube que o Luís Martins ia jogar na esquerda, que o Aimar era titular e que o Rodrigo ficava no lugar do Cardozo. Olhei para as Adidas brancas e pensei “estais a entrar de pé esquerdo”.
Era tudo pé esquerdo em toda a parte. Para onde quer que se olhasse, pés esquerdos atrás de pés esquerdos, pés esquerdos ao lado de pés esquerdos. No banco, o pé esquerdo do Cardozo. No campo, o pé esquerdo começava no Luís Martins, esticava-se pelo Matic, continuava para o Bruno César, subia pelo Gaitán e acabava no Rodrigo. Pé esquerdo pelo mundo inteiro, por toda a relva.
O melhor golo que alguma vez marquei foi de pé esquerdo, num amigável entre a FCSH – a minha faculdade - e uma faculdade qualquer que devia ser de gestão ou de novas tecnologias, a avaliar pelo talento dos seus jogadores. Apanhei um passe pouco depois do meio-campo, a bola vinha “redondinha” e, para minha surpresa, não hesitei: rematei de esquerda, a uns bons 30 metros, de primeira, para aproveitar o balanço da bola. Entrou no ângulo direito da baliza, com o guarda-redes a fazer uma figura tristíssima ao esticar-se todo, em grande esforço, para conseguir apenas cair com aparato numa poça junto à rede. Foi um golaço. Foi 75% de sorte e 25% de instinto sincronizado com biomecânica. Mas continuo sem explicação para o sucedido. Talvez tenha sido 98% de sorte.
Entrámos no Estádio e eu à procura do pé direito e não dava com ele. Talvez o David Lynch tivesse feito um remake d’ O Meu Pé Esquerdo e nós, estas 40 mil pessoas, entrássemos nesta nova versão. A meio do primeiro cigarro, o Rodrigo marcou. De pé esquerdo. Um golaço. 12% de sorte, 95% de talento. Um golo destes leva mais de 100%.
Eu gosto do Rodrigo e sei que ele é titular. Só não sei como. Ou onde. Não tenho esquemas de jogo preferidos. Os esquemas não me dizem muito e devem sempre depender do potencial de cada jogador em determinadas circunstâncias. Isto é, um esquema deve sempre servir uma determinada estratégia. E uma estratégia não é uma táctica. Uma estratégia é um plano de acção, um guião do jogo: devemos fazer isto para conseguir aquilo; os passos são este e este e depois este; ficam a cargo de fulano e do seu amigo e do outro companheiro ali ao fundo; tu fazes isto, tu aquilo e aquele a outra coisa; o objectivo em determinado tempo é este; noutro, a seguir, é aquele; tudo isto num contexto ideal; caso se alterem as circunstâncias, o plano é alterado aqui e aqui, assim e assado… Isto é uma estratégia. Uma táctica é só uma ferramenta de explicar posicionamentos, nada mais. É uma chave, um desenho, um código. O Benfica tem muitas tácticas. O Benfica tem muitas soluções e uma série de jogadores de grande mobilidade, rápidos, ágeis e inteligentes. Ao Benfica só falta uma estratégia.
Antes de comprar uns ténis novos – Adidas e brancos – vou esperar para ver se o Jorge Jesus reduz ou não o número de pés esquerdos em jogo. O excesso de pé esquerdo é pior do que a abundância de pé frio.
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