«A importância da vitória». Foi assim mesmo que a frase me ressoou na cabeça, um dia depois do concerto que me consumiu toda a semana – privando-me de todo e qualquer acesso ao futebol (Champions League incluída), transformando o Belo Desporto num anexo irrelevante da vida à séria. Mentira, claro. Na vida, aquilo que amamos é sempre o que mais importa.
Esta privação, este alheamento forçado do encanto da bola sobre a relva, correndo, rolando, deslizando até ao fundo da rede, deram-me que pensar. Ora na função essencial do futebol em todo o cosmos, ora na relevância relativa que o jogo tem na minha vida. Já tenho princípios e sugestões de caminhos para o tema, mas ainda não consegui atingir a conclusão satisfatória. Lá chegarei.
O concerto foi uma vitória e o Benfica vinha de uma outra vitória, que pouco contava, e de uma derrota que contou muito, com o adversário que se seguiu. Enquanto isso, eu cumpria uma espécie de penitência – ou, em alternativa, oferecia-me em sacrifício: «pelo que verdadeiramente importa, não vejo o jogo com o Otelul». Assim foi. Enfiei-me numa sala com mais três músicos para me distrair do desafio que decorria e o sucesso, suado mas merecido, apareceu, com Cardozo a empurrar a bola a cinco minutos do final e a sete centímetros da linha de golo – distância que ainda assim comportava algum risco para o paraguaio.
«A importância da vitória» - assim, exactamente assim, me ressoou na cabeça a frase que me questionava. E pensei e deixei-me levar pelos pensamentos. Fui sentindo coisas e apreciando o que sentia, imaginando os momentos de explosão e os de desilusão, recordando os feitos e os defeitos, mergulhando em trevas que julgava já ter esquecido e terminando quase em choro alegre ao revisitar gestos de celebração, gritos eufóricos e braços no ar daquelas grandes figuras, daqueles grandes homens que fizeram o Grande Benfica dentro das quatro linhas.
A vitória é um bem imaterial ao alcance, em cada momento, apenas dos melhores. Cada vitória é única, irrepetível, inimitável, intransmissível e indelével. Assim, a vitória é a terceira coisa mais importante do mundo. Estou a escrever e sinto o texto atabalhoado, as ideias vêm mas as palavras que as ligam não me chegam, sou como Aimar jogando ao lado de um Witsel paralisado, de um Cardozo desastrado e de um Rodrigo inconsequente: na ideia, tudo vem correcto; na prática, nada resulta que me satisfaça.
A primeira coisa mais importante é o conhecimento profundo da vitória. Sabê-la, em cada circunstância, de ponta a ponta, profundamente. Tê-la festejado com fervor, ter-lhe sentido o ardor e a loucura, dar-lhe a erupção que ela merece. E, depois, compreendê-la em todo o seu esplendor, calmamente assimilá-la e saber-lhe os detalhes e os contornos.
A segunda coisa mais importante é a consciência plena da derrota. Reconhecê-la ainda ao longe, adivinhá-la. E, quando ela chega, senti-la com peso e com luto. Sofrer por ela e nela, no momento, em toda a tragédia que ela comporta. E, depois da apatia, aceitá-la, entendê-la, decifrá-la, assimilando cada sensação que provocou e etiquetando cada razão que a fez existir.
Sem estas duas sabedorias, toda a vitória será fortuita ou, pelo menos, ininteligível. Desse modo, não serão profundamente vitórias, mas apenas vitórias à superfície, passíveis até de não deixar rasto nem memória.
E foi sobre isto que eu pensei ao longo da minha semana de boas vitórias – devidamente festejadas e sentidas, já agora. Só me falta compreendê-las bem nos próximos dias.
2 comentários:
Mais do mesmo, muito bom. É por isso que escreves, na verdadeira acepção da palavra.
Quanto ao paraguaio...
"Hola, yo soy paraguayo e estoy aqui para joder tu hija!"
"Para que?!??!"
"Para-guayo..."
Boa sorte com as canções.
E lava as mãos depois de Órinares:
http://simaoescuta.blogspot.com/2011/12/pilas-de-ouro.html
Lindo... Podia escrutinar ponto por ponto, mas não vou fazê-lo, vou só ficar por aqui, deleitar-me de novo com as palavras!
Não é só um Benfiquista sentimental... É sentimental em tudo! Fantástico o texto! E se para o autor "as ideias vêm mas as palavras que as ligam não me chegam", a mim enquanto leitora as palavras e as ideias, chegaram e bem!*
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