Se o futebolista é brasileiro, é bem mais provável que se chame Erivelton Anderson do que João Carlos. Há no Brasil não só um fascínio pelo nome amodernado e criativo, que apresenta claras marcas de importação – as terminações em “on” abundam, por exemplo -, como existe até uma espécie de culto. Não é qualquer António Manuel que chega a craque do Palmeiras. Já um Giovani Edmilson tem tudo para vencer no Inter de Porto Alegre. Se o negócio é futebol, o nome é requisito essencial.
Vem este raciocínio a propósito de uma votação que decorre no inspirado(r) blogue do Constantino e que consiste em eleger o mais criativo nome português da história do futebol nacional. Fica aqui o reparo: mais criativo do que Cristiano Ronaldo é difícil. Tenho para mim que se trata de um caso em que a inspiração na escola brasileira é bastante clara.
Impossibilitados de rivalizar com Rivelinos e Edsons, Rivaldos e Hallisons, os portugueses não se apresentam, no entanto, modestos na competição. Tamagnini Nené ou Minervino Pietra são designações para intimidar até Jocivaltéres e Denilsons. Pessoalmente, divido-me precisamente entre o Minervino e o Tamagnini – estão também, mas com mais modéstia, a concurso João Persónio e Domiciano Cavém. Entre os primeiros dois, não sei quem eleger. Votei no Nené – se ele na dúvida, fazia golo, eu pela dívida só posso elegê-lo.
Com toda esta problemática a envolver-me o espírito, dei comigo em Mafra, para celebração natalícia, e a concluir o que me parece óbvio, claro: a classe média (e alta) urbana está a arruinar o futuro do futebol nacional – e depois queixam-se que temos poucos portugueses nos dois grandes e no Sporting. É que também por cá o nome é requisito. Futebolista tem de ter nome de jogador da bola.
Por exemplo, quando me apresentei no Torreense e me perguntaram o nome, respondi serena e convictamente “Diego” – a contra-resposta foi um olhar unânime, esperançoso, embevecido, cheio de fé de toda a equipa técnica. “Tem nome” diz o espantado adjunto. E todos os outros acenam que sim, ainda um pouco deslumbrados. O massagista quase se ajoelhou, em hipnose autência. A reacção não demorou muito a esbater-se, já que, 10 minutos mais tarde, eu lhes mostrava o meu talento futebolístico. Mas, durante esses ternos dez minutos, eu fui o Messias daquele clube.
Este meu efémero mas pungente sucesso aconteceu graças a um detalhe nada irrelevante. É que eu venho de Mafra. Em Mafra nós chamamo-nos Fábio ou Ruben, Cláudio ou Bruno, Diego ou Renato, ou ainda, mais recentemente, Ivan ou Leocarlos, dependendo da ascendência. Em Mafra somos menos que suburbanos e pouco mais que provincianos. E a classe média destes sítios não vem de famílias de nome tradicional – os nossos pais chamam-se Santos e Sousa e Silva e Torres e Ferreira. É essa a nossa identidade rarefeita porque ainda está em processamento – ali sempre se pertenceu a alguém, desde o feudalismo até ao Estado Novo. E é por isso que é em Mafra que está (até ver) o futuro do futebol nacional – e muito me aborrece que o Dépór ande a comprar chineses e coreanos, Zhangs e Wang Dongs, com tanto Márcio à disposição.
Mas, ainda pior que isto, a tal propagação da tradição da classe média urbana – que, vá lá saber-se porquê, está a mudar a nossa própria tradição de não ter tradição alguma e de se ser sempre o mais criativo progenitor lá da rua – está a colocar em risco a produção do jogador da bola nacional num futuro próximo. Porque quem se chamava Domingos era o meu avô paterno – distinto Benfiquista e trabalhador do campo; quem se chama Evaristo é o meu avô materno – sportinguista sem direito a adjectivo, trabalhou a vida toda numa cerâmica a fazer tijolo (dos poucos que pode gabar-se de o ter feito em vida). E a nossa tradição mafrense diz que devemos mudar, emodernar, evoluir. Não estagnar ou repetir o que já foi feito, chamar o que já foi chamado.
Chamemo-nos Igor ou Weldon. O salvador do nosso futebol não pode chamar-se Salvador; o nosso Dom Sebastião do esférico tem de chamar-se outra coisa, Sebastião é que não. Franciscos e Bernardos dão bons advogados – mas falta-lhes uma designação adequada para darem bons extremos. Cada coisa tem seu nome. E o futebolista português não pode chamar-se Afonso – é desprestígio para o nome e desperdício para o jogador.
3 comentários:
Quando o União Futebol Comércio e Indústria de Tomar amedrontava gigantes, contava com um Francisco Bolota, um José Carlos Camolas, um Djunga, um Tótói, um Werther Maçarico (e onde mais senão em Tomar se juntaria Goethe à metalomecânica?), um Pavão, um Alcino, um Lecas, um Florival, um Bilreiro, o grande Francisco Galinho Caló, o célebre Zeca Cavaco Miglietti, um Dui, um Euclides, um Faustino Chora, um Quim Pereira...
É um plantel de respeito, mas com muitas lacunas - Franciscos, Alcinos, Faustinos e Euclides: tudo clássico ou tradicional. Depois há aí nomes mesmo estrangeiros, ao passo que a gente gosta deles é amodernados com estrangeirice. Se bem que Werther Maçarico me encanta e deduzo que fosse ponta-de-lança e tenha terminado a carreira ao serviço do Inter.
A ideia do texto é bastante simples e encontrei uma boa maneira de a sintetizar. Imagina: Fábio Coentrão ---> Real Madrid; Carlos Martins ---> Granada; Cristiano Ronaldo ---> Real Madrid; João Tomás ---> Rio Ave. A realidade fala por mim. Repara que até o cepo do Ruben Micael jogo no Sporting de Madrid, enquanto o Ruben Amorim vai a caminho do Besiktas. Se se chamassem Rui Santos eram comentadores de futebol e, mesmo assim, só com muito boa vontade.
Mais: só descansei quando o Bernardo Vasconcelos saiu do Benfica. Não é nome que se apresente no seio de uma equipa de futebol.
Tens toda a razão... Porque é que pensas que passei ao lado de uma grande carreira? Quem é que ía comprar uma camisola a dizer "4 - Paulo"?
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