quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Não é amor, vem antes disso

Pai: Então doutor? Já nasceu?
Doutor: Hum... sim, já nasceu...
Pai: E então? Está tudo em ordem?
Doutor: Bom, err... está quase quase tudo bem...
Pai: Quase tudo?
Doutor: Há um... um pequeno, vá lá, problema com o menino...
Pai: Um problema? Que problema, doutor?
Doutor: Bom... a criança, enfim... a criança infelizmente não é Benfiquista...
Pai: Mas... mas... não é Benfiquista? Como "não é Benfiquista"?
Doutor: Ainda não posso adiantar muito, teremos de fazer uns exames para determinar o desvio... Estas malformações não são detectáveis nas ecografias, compreende? De qualquer forma, é um handicap raro de origem ainda indeterminada...
Pai: Ó meu Deus... e agora? É muito grave, doutor? Há cura?
Doutor: Cura não tem. Mas, quem sabe, no futuro não surge uma terapia eficiente? Há que ter esperança.
Pai: Mas é grave?
Doutor: Diria que poderá trazer transtornos, mas a gravidade só poderá ser avaliada depois de determinada a natureza do desvio. De qualquer modo, é importante educar o menino num ambiente confortável, tratá-lo como se não tivesse qualquer problema e, sobretudo, acarinhá-lo muito. Pode ser diferente, mas merece o vosso amor. É o vosso filho e nunca se esqueçam disso...


Quando ouço ou leio alguém que não é Benfiquista a falar das alegrias que o seu clube lhe dá, sinto sempre alguma compaixão, penso sempre "coitados... alegria dos tristes". Isto não é maldade nem, tão pouco, maledicência de qualquer espécie. É uma reacção natural, uma intuição: sem Benfica, tudo é incompleto, tudo pode ser, na melhor das hipóteses, quase bom. Não sei como explicá-lo. É como se, não se sendo Benfiquista, a vitória, seja ela qual for, não passasse de um prémio de consolação. Porque ser do Benfica é um estado perpétuo e elevado de existência. Não ser do Benfica é o resto. Vejo sempre o ser do Benfica como uma condição natural do ser humano, a priori; se não se é do Benfica é porque alguma coisa falhou, algures.

Ontem ouvi a Maria José Valério a falar na televisão, a contar como foi cantar pela primeira vez o hino do Sporting. E notei-lhe - não estou a brincar - uma leve angústia na voz e no olhar quando ela descrevia, com sorriso amargo, a alegria que sentiu quando cantou, no Tivoli, "viva o Sporting!" e o público, sportinguista, respondia "viva o Sporting". Havia um traço a transtornar-lhe a expressão, algo naquela descrição denunciava uma felicidade imperfeita e incontornável - como se ela pensasse "mas, apesar de tudo, foi um momento alegre, enfim...".

6 comentários:

Valco disse...

Pois, até porque uma mulher dá à Luz... não dá a alvalade, não dá ao dragay... enfim, toda a criança quando nasce já é BENFIQUISTA. O problema é depois, a educação, os desvios.

LDP disse...

O argumento da tabula rasa foi usado pelo filósofo inglês John Locke e foi importante não apenas do ponto de vista da filosofia do conhecimento, mas também ao defender que, não havendo ideias inatas, todos os homens nascem benfiquistas.

Forneceu assim a base da crítica ao absolutismo dos quinhentinhos e da contestação do poder nutricional da fruta como um direito divino ou como atributo inato.

A teoria da tabula rasa também fundamenta uma outra corrente da filosofia e da psicologia, o behaviorismo clássico mistico.
O behaviorismo atual, que é o behaviorismo radical, não se baseia na tabula rasa mas sim em café com leite ou campos de girassois em tardes de Verao.

Nuno Bento disse...

Que filho da p*** de texto!

"Vejo sempre o ser do Benfica como uma condição natural do ser humano, a priori; se não se é do Benfica é porque alguma coisa falhou, algures."

"não se sendo Benfiquista, a vitória, seja ela qual for, não passasse de um prémio de consolação."

Frases que têm tanto de poesia, como de precisão. Lapidar.

Nuno Bento disse...

Termino com um desabafo: é bom saber que, sempre que me chamam de maluco por enunciar teses da mesma índole, eu posso estar descansado, pois não estou sozinho no Mundo.

Vareta disse...

Tenho que discordar, Shôr Armés. Falta à tua tese o cuspinho dos post-its. Por um lado, a noção binária "benfiquismo/não-benfiquismo" padece, em si mesma, da ausência de uma valente análise desconstrutivista, ao mesmo tempo que, no texto como o escreves, o não-benfiquismo se transforma na condição necessária ao nascimento do benfiquismo - ou, por outras palavras, dá-se à Luz o benfiquismo, mas é o não-benfiquismo que fica com o proveito do acto sexual criador.

Aquilo que sugeres como 'incompletude do outro' no seu não-benfiquismo, encontrará paralelo, porventura, na teoria do excepcionalismo americano - uma convicção identitária erigida em torno de 'eles queriam/deviam era ser como nós', não alicerçada em qualquer conhecimento (aliás, sempre inexistente) sobre o que se quer dizer com 'como nós'.

Bem exposta como o está, na substância a tua tese entronca com a tradição masculina do judaismo, reconvertendo a 'perda' da circuncisão num 'ganho' dogmático sobre os não-circuncisados. Estamos, portanto, naquele domínio em que só se poderá concluir que são coisas do caralho... passe o termo.

Diego Armés disse...

Hum. Não percebeste. Se fosses Benfiquista, terias percebido. Nada disto carece de prova ou concordância. No fundo, não passam de factos.