Racismo. Estamos na segunda década do século XXI, vivemos num país civilizado e temos duas metrópoles multiculturais onde a diversidade de povos, credos, cores e línguas fazem parte da identidade dessas cidades. E, no entanto, a questão do racismo ainda faz notícia. Se me permitem, estranho-o.
Há uns tempos, aconteceu o caso singular de um jogador do Braga que acusou outro do Benfica de lhe ter chamado “preto filho da puta”. Escrevi sobre o assunto, mas fi-lo num tom não muito sério. Não creditei a situação, pareceu-me irrisória e, portanto, inflada. Agora, o tema volta à ordem do dia com as acusações do Manchester City devidas aos cânticos dos adeptos do Porto.
Primeiro, fiquei indignado ao ouvir as declarações de Mancini criticando os cânticos portistas. Diz o italiano que, se calhar, em Portugal o público não está habituado a “lidar com jogadores de fora”. Isto é uma profunda demonstração de ignorância por parte de Mancini acerca da realidade portuguesa, em geral, e do futebol português, em particular: mais de 50% dos jogadores que actuam em Portugal são estrangeiros; suponho ainda que uma percentagem bastante elevada desses não represente o estereótipo do branco caucasiano. Mas, pior do que a ignorância do treinador do City, é o seu preconceito em relação aos portugueses. Portanto, sugere Roberto Mancini que os portugueses são, de um modo geral, racistas? Ou somos apenas estúpidos e não sabemos lidar com quem vem “de fora”?
Estas questões levaram-me a uma que, de tão ridícula, me parece pertinente: e se Portugal, apoiando-se na conferência de imprensa que citei, decidisse acusar Roberto Mancini de xenofobia? É que estas questões de racismo e de xenofobia têm sempre os mesmos ingredientes na sua génese: ignorância e um apetite mórbido pela generalização. Mas, pensando a situação, esta sugestão é absurda, não é? Então, pensemos um pouco.
O público – corrijo: parte do público – presente no Dragão teve um comportamento pouco educado, isso é um facto. Estranho? Não creio. O público “da casa” tem o seu papel num jogo de futebol: puxar pela própria equipa e enfraquecer a equipa visitante. Como não há árbitro nas bancadas, e estando em questão uma massa humana muitas vezes eufórica, em que os indivíduos se diluem num espírito que deixa de obedecer ao racional, as estratégias usadas por esta mole humana são naturalmente desagradáveis para as suas vítimas – e, de outra forma, não fariam sentido. Encontrar nestas manifestações sinais evidentes de racismo parece-me bastante abusivo. Ainda mais, tendo em conta que na relva, do lado do Porto, estavam: Helton, Álvaro Pereira, Rolando, Fernando, Varela… São o quê, brancos? Esperem, querem insinuar que os portistas são racistas selectivos?
Estas acusações de racismo são perigosas, mais que não seja, por serem levianas. Uma coisa são cânticos óbvia e claramente racistas que se fazem acompanhar de outras manifestações e sinaléticas – e, então, estamos perante um problema social e não uma ocorrência num estádio de futebol, já que o contexto se torna indiferente; outra coisa é uma manifestação pontual e bastante tonta de uma parcela de público que, quando esmiuçada, significa aquilo que sempre significou: um insulto inócuo e nada mais que isso. Em nada diferente de 20 mil assobios ofendidos, de três mil apupos exaltados ou de 10 mil pessoas a gritarem “filho da puta” quando o adversário bate um pontapé de baliza. E, se se consideram graves estas manifestações ditas “racistas” por parte do público portista, tenho a dizer que se deve ir mais longe e ser-se rigoroso com tudo: os guarda-redes deste mundo vão ganhar muito dinheirinho só em indemnizações por difamação e atentado ao bom nome de suas mães. Irradiar o racismo do futebol não é isto; isto é apenas palhaçada, fait-divers, entretenimento de mau gosto sustentado em acusações carregadas de má fé.
Posto isto, concluo que as declarações de Roberto Mancini acerca da intolerância do povo português ao que vem de fora são bastante mais ofensivas, porque implicitamente xenófobas, do que os cânticos mal-educados e deselegantes vindos das bancadas do Dragão. A inconsequência dos segundos torna-os toleráveis; a ignorância maldosa das primeiras é indesculpável.
Só mais um pedido: antes de me chamarem “branco de merda” e coisas do género, pensem no assunto e contrariem o exposto com argumentos.
7 comentários:
Isto é a coisa mais lúcida que tenho visto escrita sobre o tema.
O único comentário que tenho sobre o Mancini é curto e intencionalmente xenófobo: é um italiano a treinar em Inglaterra. Querias o quê?
Agora vai lá defender o teu Rei que anda para ali a tremer que nem varas verdes.
Nuno (os sportinguistas também podem comentar aqui?) Romano
Dieguito,
Como escrevi no dia em que isso aconteceu: é absolutamente demente o que o mancini disse. Agora, acrescento: o que ele disse foi que no futebol ingles não há racismo... e diz isto partindo do principio que o man united-liverpool não deu em directo em Portugal e que ninguem esta a par do caso terry-ferdinand.
As acusações do mancini (que foi dos jogadores com mais classe que vi jogar, não dos melhores que vi, mas dos com mais classe... parece que não, mas é diferente) são tão mais patetas sendo que vêm de um gajo originario de um dos "futebóis" que mais casos de racismo, xenofobia e fascismo deu ao mundo nos ultimos 15 anos... falo do futebol italiano, claro.
Abraço
Parabéns, Diego.
As declarações, vindas de um gajo que treinou e jogou na Lazio de Roma, são puramente estúpidas!
Acho que não precisas pedir nada. Qualquer Homem com "dois dedos de testa" facilmente chega à mesma conclusão antes de ler o post. Eu já pensava assim.
E estou como tu, não dou grande importância a estas coisas.
É isto.
Respondendo ao teu apelo, pensei um pouco sobre o assunto, mas pareceu-me que era mais matéria de post que de comentário.
keep up the good work
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