Escrevi isto num daqueles estados de alma do anexo deste blogue no facebook. Volto a este assunto seis anos depois de o ter abordado pela primeira vez, na antecâmara do Mundial de 2006. Na altura, tentei perceber onde tinha começado aquilo a que chamei "futebol pimba". Penso que o ponto onde tudo se cristalizou talvez tenha sido na bandeirização nacional a pedido de Scolari. Percebe-se a ideia, mas lamenta-se o efeito. É que tudo isto se tornou baratucho, leviano, sem sentido. Nem futebolisticamente é válido - e digo-o sabendo que a festa popular do futebol tem pergaminhos e um historial de indesmentível de beleza, desportivismo e coiratos com vinho tinto, cujo expoente máximo se atinge no Jamor na final da Taça, que me apaixona e comove (sem ironias: apaixona e comove mesmo) pela genuinidade que apresenta.
Porém, o caso da selecção é diferente. Batemos recordes do Guiness para apoiar a selecção - são bandeiras humanas ou então são bandeiras com milhares e milhares de assinaturas -, fazemos hinos de apoio aos "nossos jogadores", confundimos gosto na selecção e patriotismo natural na hora de ver a bola com uma avalanche de manifestações tão bacocas e imbecis que mais parecem extraídas de um diário de campanha eleitoral de um partido com reais aspirações a constituir governo. Junta-se ignorância com pobreza de espírio e uns pozinhos de música de bailarico, arma-se a tenda, oferecem-se bandeirinhas do Portugal-Continente, oferecem-se porta-chaves de pôr ao pescoço do Portugal-Millenium-BCP e eis a nação vestida com as cores da pátria by Nike, contente que dá gosto ver, toda ela orgulho e esperança, prognósticos, estratégias e fé no C'stiano.
Isto entristece-me, porque me afasta do que verdadeiramente importa - a selecção nacional do meu país a jogar à bola - e incomoda-me, porque me dá cabo do futebol. É uma praga. É pior que uma praga. É uma manada furiosa que precisa de se alimentar de objectos coleccionáveis, Tonys Carreiras, bandeirinhas e uma causa - que tanto pode ser ajudar os pobrezinhos indo ao Rock in Rio como, no caso que me deprime, fazer da selecção nacional "o clube de Portugal". «Clube de Portugal» conheço dois e não gosto de nenhum. E este, se continuam a estragá-lo com cupões de desconto, irá pelo mesmo caminho. Que eu, na verdade, gosto mesmo é de ver a bola. Desculpem lá.
4 comentários:
Hmm... Melindroso, isto, melindroso. Levanta-me duas questões: não acreditas, então, no conceito tão em voga nos meios culturais da 'formação de públicos', pois não? Outra pergunta, de cariz mais psicoanalítico: se vivesses numa casa com baixa qualidade de materiais de construção e onde a tua vida sexual, por mais discreta, fosse ouvida pelos vizinhos, cheira-me que prefiririas deles umas vassouradas na parede e um "tenham vergonha!" do que um associativo "vai, rapaz! enche-lhe a enfusa!"?
Bato palmas em tom ligeiro e com o nariz ligeiramente empinado, empreendendo uma postura snob que se coaduna com o texto publicado.
Mas não posso deixar de ficar em êxtase absoluta por me cruzar, pela primeira vez na internet, com a expressão "enche-lhe a enfusa".
Um muito obrigado por existir este blog magnifico!
Mai nada. O cumulo para mim foi ver a malta no jogo contra a turquia de bandeirinha na mão: de um lado a bandeira nacional. Do outro... TMN.
Mudei logo de canal, nem vi o jogo.
O Benfica pára, e tu páras. :P
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