Meto-me a pensar nas coisas. Como seria há 150 anos atrás? Momentos antes do match de um jogo ainda sem nome definido – e em que as balizas não tinham tecto, sequer – se iniciar, os cavalheiros, rivais, juntavam-se a um balcão improvisado cofiando barbas e afiando bigodes. Os vendedores de carroças e cavalos aproveitariam para publicitar os seus artigos, emoldurando-os com finíssimas damas de chapéus muito elegantes. E os cavalheiros rivais conversavam sobre bens ancestrais, tradições que ao tempo não tinham sequer bolhinhas «tem de provar esta cerveja, meu caro, é a receita do Convento de Vialonga, uma maravilha» e o outro, retorquindo «não vai mal, não vai mal… mas prefiro a do Mosteiro de Leça», «do Balio ou da Palmeira?», «de cevada, ora essa…» e fumavam cigarros e apreciavam charrétes coupé à espera de um jogo que ainda se jogava a meias entre os pés e as mãos. Muito evoluiu o homem!
Vai começar. Entra o hino – mas, alto!, este hino vem retocado. Não entendo o que se passa. Parece-me a voz do Paulo Gonzo. É mesmo a voz do Paulo Gonzo. E a letra também foi mexida. Agora canta o José Cid. Aparentemente, a letra enaltece a glória, sim senhor, pois claro. É a história de um pequeno herói, o trilho percorrido por um menino que nasceu aleijadinho filho de uma mãe que era ceguinha e prostituta e que pesava muito, mas que lutou pelo seu filho e o pôs a jogar nas escolinhas de um clube imaginário, em Alcochete. A criança entretanto cresce e ultrapassa uma crise de adolescência em que se mete nas drogas, derivado das más companhias e da influência de uma namorada muito malvada – tudo isto após a morte da mãe, vítima de doença prolongada –, e regressa aos relvados decidido a honrar a memória de sua mãe. Esta letra é muito bonita e o dueto Gonzo – Cid só a eleva ainda mais. Mas o melhor estava guardado para o fim, quando, com aparato épico equivalente àquela parte «da chaaaaaaampiooooooooons», entra o Toy a cantar o momento em que o menino, agora jovem adulto, é campeão europeu ao serviço de um clube qualquer colossal, cujo nome não é mencionado, em pleno Estádio de Wembley e se esvai em lágrimas apontando para o céu e dizendo «mãezinha, mãezinha», enquanto beija a taça. E eu arrepio-me todo a ouvir isto.
As equipas estão a subir ao relvado, o comentador da TVI mal consegue falar, notoriamente emocionado pela versão do hino que a estação preparou para as emissões da Champions League. Nem o onze inicial do Benfica o homem consegue ler. Caju, amendoim, pistáchio e, zás, um golinho de Heineken. Pode começar.
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