Estávamos em casa do meu pai, que era a casa dos meus avós, no pátio, a fazer um churrasco. De repente, começámos a ouvir foguetes a rebentar. O meu irmão também estava lá. O meu irmão costuma dar azar. Ficámos intrigados com aqueles foguetes, até que começaram a chegar figuras nossas conhecidas. O senhor que tinha os foguetes e os ia atirando disse «vivó Sporting!» e lançou mais um. Então perguntámos «mas o que é que se passa?» e ele «campeões, campeões, nós somos campeões!» e lançava mais foguetes. Havia caos, dava para pressenti-lo. Nos nossos olhares, nos sorrisos patetas, no nosso susto indisfarçável: caos caos caos caos caos caos.
Entretanto, chega também o meu tio, grande sportinguista, todo ele feliz, muito feliz. Mas, chegando perto de nós, serenou e disse «ganhámos, porra!». E eu perguntei-lhe «então mas ganharam como? Nós é que estávamos em primeiro, ganhámos o jogo; o Porto, que estava igual a nós, empatou; e vocês, que ainda nem jogaram e estão lá atrás, como é que ganharam o campeonato?! Isto ainda nem acabou» e ele explicou que, por alguma razão que Freud haveria de explicar mas que o Sábio eloimita do Houellebecque rejeitaria com veemência e com uma explicação melhor ainda, «houve uma decisão e nós é que ganhámos. Campeões, campeões, nós somos campeões!».
Todo eu estava confuso. Fomos ao café do Guerra, que é uma tasquinha com esplanada, à beira da estrada, para tomar um café e ver se aquilo era mesmo verdade. O Guerra é um sportinguista muito doente, no que respeita ao clubismo. Chegámos e era o próprio, com os seus setenta anos ou quase ou mais ainda, não faço ideia, mas novo não é, em cima do muro, a soprar a vuvuzela e a gritar e a cantar. Deduzi que fosse verdade, pedi quatro bicas, dois bagaços e um Famous Grouse, sentámo-nos e eu enrolei um cigarro.
O homem dos foguetes, aparentemente amigo de infância do meu pai, continuava a largá-los, uns atrás dos outros, era uma felicidade imensa. O Guerra chegou com os cafés e os bagaços nas mãos ao mesmo tempo que soprava a vuvuzela, batia num tambor e agitava dois cachecóis, um em cada mão. Era um autêntico carnaval e eu só pensava «bom, do mal o menos... antes eles que os outros» e a seguir pensava «porra, mas como?!» e, de seguida, pensava «caramba, depois de uma época nossa destas, quase perfeita, estes tipos ganham porque houve uma decisão?!» e ficava desmotivado, só com aquele pensamento de «outra vez o 'é para o ano é que é', bolas?»
Já ia a meio do bagaço quando os sportinguistas que se iam juntando e eram cada vez mais, aos pulos, à nossa volta, com confétis e serpentinas e o Guerra com a vuvuzela, começaram a cantar «SLB... SLB... SLB, SLB, SLB... Glorioso! SLB... Glorioso SLB...» e eu perguntei ao meu tio «então mas não era filhos da puta?» e ele, com a sua serenidade de vencedor, explicou «isso era dantes. Mas agora, como fomos nós que ganhámos, vocês já podem ser gloriosos outra vez».
Acordei todo suado ainda não eram oito da manhã e não consegui voltar a dormir. Já não acordava às oito da manhã desde meados de 2006.
5 comentários:
Eish, até eu senti o pesadelo.
Só mesmo em sonhos.
Caraças, que estou todo arrepiado.
porque é que lhe chamaste sonho? Eu li um pesadelo!
será o insconsciente a projectar a vontade de a ver feliz ?
és do quintal? conheces os guerrinhas? é pá... olha que ainda ha quinze dias parei la para beber cafe e ver da malta, mas ta tudo fora, so la estava a velhota.
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