sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Música para os nossos ouvidos

O futebol é um espectáculo. Primeiro que tudo, porque tem, numa definição muito feminina e anosoitentista, 22 rapazes e uma bola. Mas tem também a táctica, a própria relva e o seu cheiro inigualável, o drible, o passe perfeito, a intercepção, a desmarcação, o lance duvidoso, a grande defesa, o golo, o grande golo e o golo de antologia. Tem o canto directo e a bola na barra, o livre do meio da rua a rasar o poste, a queda do árbitro, o tropeção do fiscal de linha, o vermelho directo, o amarelo alaranjado, a substituição mal-disposta, a saída para a ovação, de pé, a cinco minutos do fim - que às vezes não corre bem, como aquela do Müller o ano passado, na final da Champions -, o chapéu longo, o Zlatan, o Diego, o Dennis, o Cristiano e o Thierry, as lendas, as paixões e os confrontos com a polícia.

Mas o futebol não é só aquilo dentro das tais quatro linhas. Sobretudo, ao vivo. Na televisão, o espectáculo é esquartejado, dissecado e apresentado em versão gourmet, com repetições em ângulo regular e inverso, alta focagem e HD. O futebol na televisão não tem sequer intervalo, tem interrupção da transmissão. Só no estádio é que o futebol tem intervalo. E já não falo do pré-match, com cerveja e bifana de roulote, amigos e conversas sobre futebol, em vez daquelas antevisões de partidas com os Pedros Heniques e os Queridos Manhas e os Tadeias, todas afutebolísticas, estagnadas, teóricas, desinteressantes, sem espectáculo.

E o futebol é sempre um espectáculo. É arte e entretenimento, comunhão, dor, explosão de alegria, ralhetes, piropos e cachorros a três euros, queijadas de Sintra, Magnum amêndoa, garrafas de água sem tampa, cerveja sem álcool e o petardo ocasional dos tempos modernos - dantes, um petardo era um chuto de força e, às vezes, no recreio da escola, não valia.

O intervalo do jogo de futebol é um momento especial. Sem arte no relvado, sem emoção junto à área, sem stress do vai-não-vai, o povo quer ser entretido. «Here we are now, entertain us», cantava o Cobain. E tinha toda a razão. É curioso que uma das músicas que passam no Estádio da Luz, durante o intervalo, seja precisamente o Smells Like Teen Spirit. E também passa o Here Comes Your Man, dos Pixies. Um luxo. Porém, um luxo ensanduichado entre dois centralões desajeitados, como o Siguro Tchan ou o Ai Se Eu Ti Pego. Nota-se, pelo alinhamento, que existe, por parte do DJ, uma tentativa de agradar às várias franjas da multidão. Eu, como DJ, discordo da opção.

Já durante as tardes longínquas no Estádio Mário da Silveira - nome pomposo para "campo do Mafra", um território relvado atrás de uns prédios -, a ver o Depór defrontar um 1.º de Dezembro, um Mem Martins, um Operário, se havia coisa na qual eu apreciava o capricho da composição era o alinhamento das canções ao intervalo. Duran Duran, Roxette, Pretenders, os próprios Ace fo Base, eram presença assídua nos altifalantes do campo da bola. Algumas cassetes alinharam épocas a fio até reduzirem o pitch e virem a ser substituídos por uma Whigfield ou uma Mariah Carey. Mas a qualidade mantinha-se.

O que eu quero dizer é que tenho muito gosto em ir à Luz e ouvir os Pixies e que até nem me incomoda segurar o tchan. Porém, o Ai Se Eu te Pego é desnecessário, bem como os Nirvana, quando não existe uma coerência e, sobretudo, uma escolha inteligente, certeira, adequada. Eu não vou à Luz para ouvir grunge ao intervalo nem para fazer coreografias patetas, lado a lado com senhoras que, pontualmente, deixaram a novela a gravar para irem ver o Benfica. Eu vou à Luz para ver o futebol e para desfrutar do intervalo a que também eu tenho direito, depois de 45 ou 46 minutos de sofrimento e gritos e aplausos e antecipando mais 48 ou 49 do mesmo, descontando o aplauso à equipa, no final, quer ganhem ou percam. Durante este período de descanso, quero beber a minha Coca-Cola em copo de cartão e ouvir uma pop que não me entusiasme em demasia, mas que também não me desanime. Algo que me mantenha sóbrio, alerta e desperto, mas, ao mesmo tempo, me descontraia, me relaxe e me mostre que nem tudo o que ali se passa é fundamental para a minha vida - para isso já nos bastam os períodos em que a bola rola. Não peço uma Rihanna nem uma Byoncé. Mas já uma Pink ou até mesmo uma Britney Spears ou ainda, porque não?, uma Alanis, um Michael Jackson no seu período Bad, o próprio Timberlake ou, quiçá, o Prince, são artistas a levar em conta. Indo para algo mais clássico, que tal arriscar um Elvis Costello, um Marvin Gaye, uma Tina Turner?

Se o departamento de DJ'ing do Sport Lisboa e Benfica me estiver a ler, fica o meu compromisso: trato das canções ao intervalo no Estádio da Luz, sem qualquer encargo para o meu Clube. É contactar-me por e-mail ou pela minha pa´gina no facebook: http://www.facebook.com/HomemTemporariamenteSo.

2 comentários:

Ricardo disse...

Visto que está sem comentários, vim só dizer que gostei.

Pedro Salgado disse...

Realmente, a(s) música(s) que passam num estádio, antes e no intervalo de um jogo, deixam muitas vezes a desejar e aumentam a nossa inquietação. Mais vale insistirem no futebolístico "We Will Rock You" do que nos bombardearem com cançonetas inócuas. Ainda assim, a ironia permanece: num concerto todos ganham, contrariamente a um jogo de futebol. Saudações benfiquistas Diego!