- Então, senhor Manel? O nosso Eusébio...
- ... morreu-nos o Rei... o King...
- ...
- As televisões agora não param, é só Eusébio, Eusébio, Eusébio
- Nem podia ser doutra maneira.
- Nem podia ser doutra maneira... Mas é as televisões todas, é cá, é na Inglaterra, é na Espanha, é no Brasil...
Quando fico triste vou para casa. Hoje eu não tinha casa. O Estádio do Eusébio já não existe e o Eusébio morreu. É tudo um grande vazio. Fui à Típica beber uma cerveja e ver os noticiários a noticiar que o Eusébio morreu. O meu Eusébio. O nosso Eusébio.
Entre as garrafas de Real Companhia Velha, outras de que não me recordo e cachecóis do Benfica, lá estava ele, emoldurado e a cores, o Rei. Na televisão ainda dava o Real Sociedad - Athletic. Moldura de couro. Gente de outros clubes a dar os pêsames. Eu pedi mais uma cerveja, ia começar o noticiário.
O Eusébio era o nosso Eusébio, mas não para mim. O Eusébio não era vosso, era meu - era o meu tio mais velho, aquele que foi bem-sucedido, que era famoso, que conquistou coisas, que conseguiu feitos notáveis. O Eusébio era o orgulho da família. Da minha família.
Há o trisavô Cosme, de quem toda a gente conhece as histórias e os feitos. Foi ele quem começou esta aventura, quem sonhou esta coisa - esta coisa à qual boa parte da forma foi dada pelo meu tio Eusébio. Há avós variados: o Grande Rogério Pipi, o Enorme José Águas, o Mestre Coluna. «Senhor Coluna», diria o Eusébio. Mas o tio que a gente admirava mais era ele, o Eusébio.
Nos noticiários, diziam que o Eusébio era da Silva Ferreira, mas isso era derivado do seu nascimento. Porque o Eusébio era meu. Era do Benfica que eu herdei e que vai desaparecendo, que se vai consumindo em modernidades, com cadeirinhas encarnadas a toda a volta e vitórias que são quase, quase, quase, e grandes encaixes financeiros de sabe-se lá o quê, e de estruturas que ficam mais sólidas mas de que não se sabe bem o propósito. No fundo, o Eusébio jogava à bola como niguém e isso faz-me falta.
O Eusébio está morto, viva o Rei! Mas não temos príncipe herdeiro... E agora não sei o que fazer com isto, com este enorme Benfica que eu herdei e que se está a esvaír de heróis. Eu queria tanto dizer ao Eusébio para descansar em paz, queria recebê-lo à saída do campo, na linha do meio-campo, e dizer-lhe «descansa em paz, Eusébio, que o Rodrigo ou o Cardozo ou Lima vai e resolve o assunto». Mas não posso, eu nunca mentiria ao Eusébio.
A notícia foi-me dada assim: estava a dormir - eu durmo até tarde - e a Lady Verde chegou e disse «vamos lá a acordar...» e eu, a custo, abri os olhos para ela e ela disse «tenho uma notícia triste... uma notícia triste para o mundo... e para ti» e eu voltei-me de barriga para cima, olhei para ela e disse «o quê?» e ela disse com suavidade «o Eusébio morreu». «E é assim que me dás a notícia?!»
Levantei-me e fui tomar o pequeno-almoço, já era quase uma da tarde. Comi as torradas e bebi o café. Sabia-me tudo a desamparo, a solidão.
Cheguei da Típica e a Lady Verde estava a ver os noticiários. «Já chorei por causa do Eusébio», disse ela.
4 comentários:
A frase final arrasa qualquer coração futebolístico. Que grande pedaço de texto!
Comovente...
Viva o REI !
Choramos todos.
PS: Não demores tanto entre as postadelas. O Benfica precisa de ti, cada vez mais. De ti e de todos os Benfiquistas.
Abraço
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