sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O dia do caos

Ao almoço, no restaurante, havia um casal de turistas franceses com um bebé de colo e o bebé não parava de chorar. Quando o homem, ainda jovem, concluiu que a criança estava a passar todos os limites do incómodo infligido aos restantes clientes, decidiu pegar no miúdo e levá-lo lá para fora. Pude então ouvir as conversas dos outros.

Uns que estavam na mesa do fundo falavam de futebol, um do Benfica e outro do Sporting. O sportinguista troçava do primeiro nas entrelinhas das críticas pretensiosamente construtivas que ia fazendo ao Benfica, ao treinador do Benfica, aos jogadores do Benfica, ao presidente e a todo o universo do clube casual e afortunadamente tricampeão nacional.

No final do almoço, percebi que o velhote que estava calado e solitário na mesa ao lado da minha, onde eu também estava calado e solitário, era afinal portista. Levantou-se a seguir à sobremesa, dirigiu-se aos outros dois rapazes, que cumprimentou efusivamente, exclamando "isto hoje está tudo bem, está maravilhoso". É sexta-feira, tudo bem, mas está um frio do caralho e ora chove, ora faz sol. Mas ele depois lá se explicou por tamanha felicidade, velho dum cabrão, "ontem quando cheguei a casa e vi que estava 3-1 nem queria acreditar, que maravilha". O sportinguista naturalmente juntou-se a ele na celebração deste dia especial. O benfiquista ria-se, não sei se por ser um idiota aparvalhado ou se por pena da figura dos outros dois. Mas acho que era só idiota, mesmo.

Foram-se embora e eu fiquei a desfrutar do silêncio enquanto trocava mensagens com amigos e lia opiniões na internet. Acabei por não desfrutar de porra nenhuma de silêncio. Estou todo torto na cabeça, a ver em loop a forma como Lisandro sacrifica a própria perna e a vitória da equipa só para não ceder canto. Consigo imaginar Jonas a derrubar pinos de bowling e stumps de cricket com pontapés precisos de longa distância, mas não consigo vê-lo a marcar um filho da puta dum golo ao Moreirense, foda-se. Ontem ficaram quatro bolas por entrar, quatro. Só me vem à cabeça Jardel vestido de Melania Trump com a bola dentro de uma caixinha a oferecê-la a uma Michelle Obama vestida com a camisola do Moreirense.

E depois olho em redor e está tudo errado. Os nossos centrais estão rebentados e o modelo de jogo não sabe adaptar-se à ausência do Fejsa. Não temos uma estratégia alternativa, temos só este 4-4-2 estanque que vive às custas dos valores individuais e, quando a bola não entra tanto quanto devia, é uma grande merda porque não temos como nos defendermos.

O Rui Vitória está errado e o Jardel e o Samaris também. O Carrillo só pode ser piada. E no entanto eu não queria estar a pensar assim. E vou comprar bilhetes para Setúbal só para ir ao Bonfim certificar-me de que estou a ser histérico e paranoico e isto são só efeitos secundários e caóticos de uma ressaca futebolítica. Coisas que acontecem. Felizmente não estou habituado.

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