Não se tratando de uma arma das mais pesadas ao nível da ofensa, tem a seu favor o efeito e os sinais de um impulso forte e a verdade franca que só as expressões de abstracção universalmente aceite podem conter. Um "foda-se" é uma explosão rápida mas intensa, simples mas incisivamente clara em relação a tudo o que se pensa e se quer dizer no milissegundo imediatamente anterior ao da sua detonação.
Curta, pobre nos contornos fonéticos, marginalizada em vários contextos sociais e atrelada a um breve mas pesado sufixo que a reflecte na direcção do próprio alvo ou de um abstracto inconcretizável, a palavra "foda-se" é, ao contrário do que a descrição pode sugerir, uma expressão rica em virtudes. Diria mesmo que tem uma existência nobre - sempre digna e composta, coexiste entre banalidades, palavrões e erudição com um à-vontade elegante.
De entre estas virtudes, destaco no "foda-se" uma raríssima - senão mesmo única - qualidade: apesar da sua essência verbal, a palavra nem sempre carece de verbalização. A sua peculiar elasticidade permitiu que, com a cultura, o jeito e o hábito, o ser humano aprendesse a revestir com ela o olhar, os lábios e a testa, acrescentando ao "foda-se" uma dimensão etérea e permitindo, deste modo, que a palavra se mantivesse implacável até no silêncio.
Quando Carlos Dias da Silva perguntou a Sílvio se «trocava a sua carreira pela vida do pai», houve um "foda-se" que se manifestou em todo o seu esplendor - não falo daquele na minha mente, mas antes do outro que, qual aparição, se iluminou na expressão genuína e pura do jogador. Creio que foi o "foda-se" mais bonito que vi em toda a minha vida.
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