Há menos de um ano, queixava-me que O Derby já não me causava arrepios e dores de estômago como antigamente. Poucos meses passados, aqui tenho a minha resposta: um bónus de 48 horas extra para um sofrimento a que já não estava habituado. E, como se não bastasse a aparente melhoria em termos de menos miséria do lado do rival, a incerteza sobre o que irá acontecer amanhã não se ficará apenas pelo relvado - pelo contrário, passarei aquelas duas horas com um olho na relva e o outro no telhado.
Estou habituado a sair de casa e descer a rua, a caminho de Santa Apolónia, com o cachecol ao pescoço, determinado, sempre apreensivo e concentrado, a caminho do metro que me levará à Luz. Baixo a cabeça, foco-me no chão, nas pedras do caminho, na descida íngreme da Calçada do Forte. Mas consigo sentir os olhares das pessoas e os seus pensamentos «ali vai um Benfiquista», pensam elas, «lá vai ele a caminho do Estádio». Sinto, no meio das minhas conjecturas apreensivas e entre esquemas tácticos ideais que vou elaborando, uma espécie de vaidade, como se eu fosse um bravo artilheiro prestes a embarcar com destino a uma guerra longínqua. «Lá vai ele», suspiram as velhinhas às suas janelas, «tão jovem... vai para a Luz» sussurram para si mesmas, misturando medo, esperança e admiração por este seu soldado desconhecido.
Amanhã saírei de casa bem cedo. Quero apanhar ainda um resto de luz do dia para que as velhinhas possam ver-me passar, de cachecol ao pescoço, e exclamar entre dentes, numa espécie de oração, «que bravo é o nosso menino. Lá vai ele outra vez, sempre corajoso, mesmo perante a intempérie».
Não me censurem pela vaidade - o Benfiquismo concede-me estes pequenos luxos e sempre fui um Benfiquista orgulhoso. Trabalho apenas com a circunstância tentando extrair o melhor de toda a adversidade. E conto ouvir pelo caminho, como se fosse um piropo, «esperemos que hoje haja jogo» e que da janela em frente uma anciã responda de pronto «e que ganhe o nosso Benfica!».
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