Ontem a minha confiança era inabalável: com os Sanjo nos meus pés, o Benfica seria imbatível. A confiança durou até a bola ter passado pelo desastre do Jardel. Quando, minutos mais tarde, o Artur foi expulso, pensei "caramba... o que é que estas sapatilhas querem de mim, afinal? Na estreia, a perfeição; logo a seguir, o cataclismo. Não compreendo". Ao intervalo, mandei mensagens a amigos meus "vou dar as sapatilhas ao Jardel... a mim dão-me azar e ele pior também não fica".
E fui vendo, enquanto aguardava uma aparentemente inevitável goleada do Zenit, o Sálvio e o Maxi a correrem por quatro, o Enzo a esfolar-se, a arratar-se e a arregaçar os calções para tentar uma vez mais, o Gaitan e Eliseu a fazerem piscinas, para trás e para a frente, como se tudo ainda fosse possível, o Luisão e o Samaris a desdobrarem-se entre o centro defensivo, o transporte de jogo, a organização do ataque e até a finalização. Dei por mim à espera de ser goleado e a ter esperança na reviravolta, ao mesmo tempo.
No fim, quando já não havia forças para mais e tudo estava definitivamente perdido, o Zenit começou a trocar tranquilamente a bola. Os nossos, de rastos, pareciam ter baixado os braços. Foi então que o topo Sul deu o mote e o Estádio se levantou para um aplauso infinito, uma declaração de amor incondicional. E os rapazes, lá em baixo, ergueram a cabeça e tentaram uma vez mais num último fôlego inglório.
Tive vontade de chorar. Não sei o que sentiram os outros trinta mil, mas eu senti uma profunda gratidão por todos aqueles que Nos defenderam ali, naquele relvado. E por todos os que não os deixaram cair. Pelo Benfica e por ser Benfiquista.
É curioso que o futebol esteja tão presente nas minhas mais marcantes experiências de humildade. Certa vez, na escola primária, a minha equipa perdeu um jogo, discutimos todos. Acabámos chateados. Quando regressei à sala, senti uma tristeza tão grande que hoje parece impossível tê-la sentido. Mas não foi a derrota que me magoou. Foi a solidão. Naquele dia, naquele momento, senti que perdera todos os meus amigos. Fiquei sozinho.
De outra vez, no recreio do ATL, alguém me rasteirou maldosamente. Na altura fiquei irado. Mas, momentos mais tarde, aconteceu-me um fenómeno estranho: senti uma felicidade gigante, como se tudo naquele preciso instante fosse perfeito. E, nesse inusitado rasgo de harmonia, senti que tinha perdoado o sacana que acabara de me atirar ao chão.
Ontem foi a vez de tomar o peso à gratidão. É esmagador. E sinto-me igualmente grato aos meus amigos pelas Sanjo. Por me permitirem compreender o valor inestimável de um par de sapatilhas de aprender.
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