Hesito ao começar este texto porque receio sofrer represálias, quer em casa quer no estádio. Mas é dia de São Valentim e hoje joga o Benfica, ou seja, temos aqui uma situação.
Creio que não melindro ninguém se traduzir cientificamente a minha bigamia recorrendo à seguinte fórmula: três medidas de amor para uma de Benfica. Não exagero, sou muito apegado à minha namorada apesar de ela achar que há demasiado Benfica entre nós. “Mas vocês estão sempre a jogar?”, “tens sempre Benfica”, “já não posso com o Benfica” ou “já não te posso ver, a ti e ao Benfica” são os modos com que regularmente se refere ao clube ou o menciona em conversa.
Quando nos conhecemos, ela não gostava de futebol nem do Benfica e puxava desinteressada e desleixadamente pelo Sporting. Hoje, odeia futebol, nutre um profundo desprezo pelo Benfica – um desprezo que deriva do ciúme, mea culpa, eu sei – e não sabe ao certo quando é que joga o Sporting (mas espera sempre que eles ganhem). Puxa fervorosamente por Portugal, no entanto, e festejou com bravura na hora abençoada de Eder.
Quando fomos viver juntos ainda eu não era sócio. Ia ao estádio com alguma regularidade mas sem disciplina. No primeiro aniversário que festejei na nossa casa, precisamente 27 dias depois de nos termos mudado para debaixo do mesmo teto, um amigo decidiu oferecer-me de presente uma proposta de sócio. Ela na altura não ligou. Hoje talvez tenha consciência que foi um momento marcante na nossa vida a três – aliás, diria que começou a ter essa impressão quando decorou a data de fundação do Benfica graças ao código de desbloqueio do meu telefone.
A frequência das idas ao estádio foi naturalmente aumentando. E aumentou de tal forma que, após a tragédia de maio de 2013, senti a necessidade de fazer o Redpass – eu e um outro amigo que, desde então, ocupa o lugar ao lado do meu naquela que é a nossa segunda casa (vivemos juntos, fim-de-semana sim, fim-de-semana não, vai para quatro anos).
A nossa vida – minha e da minha namorada – vem sendo, ao longo dos anos, não diria marcada pelo ritmo que Pizzi imprime ao jogo, mas no mínimo condicionada por cerca de 90% dos jogos que o Benfica tem em casa (e mais uns quantos fora). Mas para explicar este tipo de fenómenos já existe Nick Hornby e o seu Fever Pitch, compêndio inatacável sobre a necessidade de um homem – ele próprio (ou eu, no meu caso) – de ir à bola e os efeitos secundários físicos, metafísicos e existenciais de não cumprir esse desígnio, essa função primordial que resulta de um instinto muito próximo do de sobrevivência.
Serve toda esta conversa, meu amor, para publicamente me justificar e pedir-te desculpa e agradecer toda a tua compreensão por este meu plano de Dia de São Valentim que passa por ir ver o Benfica – Borussia Dortmund para a Liga dos Campeões – mas é que, ainda por cima, um dos patrocinadores da prova convidou-me e ofereceu-me bilhete e é para o piso 1, pelo que o mais provável é que haja salgadinhos e, com sorte, uma ou outra cerveja, até porque se trata da Heineken que vai apresentar a nova campanha protagonizada pelo Mourinho, que deve estar em casa, de chinelos, a assistir à partida pela televisão porque o Manchester United joga a Liga Europa e esses não jogam hoje (mas seria extraordinário se também ele estivesse presente).
Há dias em que o meu coração se divide, se dilacera e sofre por não chegar para tudo. É assim o amor e se fosse fácil não era para nós.
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