sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O colectivo e a cidadania

Estou de férias. Penso que é a quarta vez que estou de férias este ano. Talvez seja a quinta. Tinha muitas férias e folgas acumuladas, precisava de as gastar antes que acontecesse o que se previa e que acabou por acontecer, quarta-feira passada. Estas são as últimas férias que gozo como empregado desta empresa. Sim, também eu fui atropelado por um despedimento colectivo. Dois telefonemas, muitas justificações e alguns pedidos de desculpa, «logo que possas, passa por cá para começarmos a negociação» e eu «claro, vou amanhã para Lisboa».

Cheguei ontem a Lisboa, ainda não comecei a negociação. Para já, quero desfrutar do estatuto de "pessoa de férias" e não entrar imediatamente no modo "futuro desempregado". Estas mudanças requerem habituação. São 14 anos e meio da minha história, existe aqui uma pele que é preciso despir e essa operação requer delicadezas.

No primeiro turbilhão de ideias e receios, surgem planos para o futuro e tomadas de pulso à vida que roçam o ridículo. O que é que eu tenho, o que é que posso fazer, para onde me posso virar, o que é que eu hei-de tentar? Tudo junto, tudo em simultâneo, tudo encavalitado, uns pensamentos em cima dos outros, os medos em cima das esperanças, as expectativas montadas nos sonhos. E uma estranha sensação de liberdade, com tanto de assustadora quanto de ambiciosa. A urgência absurda de escrever textos e compor músicas embrulha-se nos planos burocráticos das papeladas para tratar na Segurança Social e no centro de emprego da minha área de residência e nas finanças e nos recursos humanos do sítio onde trabalho e na comissão da carteira profissional - e logo eu, que sofro de papeladofobia: uma ida às finanças implica vários dias de mentalização que resultarão invariavelmente em adiamentos sucessivos, num bizarro processo de procrastinação sem motivo racional para existir; o preenchimento de um impresso é, para mim, um pitbull sem açaime nem trela, estagnado diante da porta do meu prédio, à espera que eu avance. Sou uma pessoa com problemas. E tenho de actualizar o meu currículo. O drama não pára de crescer.

Por entre os destroços de um cérebro que dantes funcionava, encontram-se ainda alguns pedaços de inteligência e de raciocínio. São pequenos recantos de calma e de sensatez, clareiras de sossego onde as emoções podem fluir sem causar danos porque existem tranquilas. Foi num desses inesperados esconderijos que tive o meu receio mais clarividente: Diego, e as quotas do Benfica, pá? Pelas minhas contas, não será difícil garantir o pagamento de, digamos, mais uns 18 a 20 meses. Disponho de algum tempo para resolver a situação, mas não deixa de me inquietar.

Foi nessa altura que me lembrei de vários amigos meus, grandes Benfiquistas. Amigos que, na sua desilusão com o Benfica presente, reprovadores desgostosos do que se tem passado nos tempos recentes, decidiram abdicar do pagamento das quotas - «dar dinheiro ao Vieira?! A esse chulo?!» - e eu, honestamente e sem julgamentos, não os compreendo. Tudo o que eu quero é poder continuar a pagar as minhas quotas e, assim, ter o direito e a legitimidade para ter uma palavra a dizer acerca do meu Clube, para o poder defender com as armas que existem - no caso, o voto. Pode ser pouco, pode ser injusto. Mas é o que há e para poder mudar o que quer que seja, é a única ferramenta legal de que disponho. E vocês também.

Amigos, a mim assusta-me a possibilidade de um dia ser obrigado a abdicar da minha Cidadania Benfiquista para poder cumprir compromissos elementares; por isso, peço-vos que não desperdicem a vossa.

4 comentários:

Unknown disse...

Encara a papeladofobia como uma injecção, fazes isso de uma vez que não doi nada. E hoje em dia as finanças estão melhores que antes, apenas convém fugir aos dias em que há mais burocracias.

BENFICAHEXACAMPEÃO disse...

Pois é Diego... eu sou um ganda maluco, não gosto de sofrimento!
Os meus manos benfiquistas (legitimamente) preparam-se para reconduzir o nosso Grande Presidente... aquele que voltou a dar ao Benfica o prestigio perdido..
Considero que há coisas com as quais posso viver lado a lado, outras não... quando algo me é inconveniente... é altura de dar o fora... é como aquelas relações que por mais que se tente não dá mesmo... é melhor para ambos cada um escolher o seu caminho... para que a alegria possa ter uma oportunidade de novo... é isto... ordenados fabulosos dos jogadores, uma gestão alucinante alicerçada em populismo demagógico e mentiras e mais mentiras... e o povo com alegria batendo palmas e mais palmas! é tempo, é tempo... é como com o governo só há uma saída - abandonar o sistema...

Gonçalo disse...

Espero que a procura de emprego não implique o corte dessa barba que já é um caso sério, porque este ano é mesmo para ir ao Jamor!

Se a coisa apertar, podes sempre pedir a suspensão do pagamento de quotas (art. 17º, nº1, alínea d) dos Estatutos do Clube).

Boa sorte!

Atlas disse...

A coisa está preta? ESTÁ - muito mesmo!
Razão para desistir? NUNCA.
Quantas vezes uma infelicidade se transforma numa oportunidade?
Talvez seja apenas necessário pensar, pensar bem e actuar com convicção.
Ao longo das nossas vidas somos constantemente lembrados da necessidade de ter um emprego. Raras são as vezes em que somos ensinados a criar emprego. Curioso não é?
As próprias universidades ensinam-nos a sermos empregados (talvez por serem subsidiadas por grandes empresas que constantemente procuram quem as sirva).
Para concluir o meu raciocínio deixo a pergunta - será que esta perda de emprego pode vir a ser uma grande oportunidade de mudar o chip?
Saudações Benfiquistas.