sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Meu querido mês de Agosto

Na escola primária - na minha velha escola primária -, a Dona Laura ensinou-me que o Emigrante é a pessoa que migra para fora do seu país. Era uma definição simples que não demorei a apreender nem, tão pouco, a saber opor à de Imigrante - imediatamente percebi que eram emigrantes de outras paragens que se radicavam no meu país. Eu era uma criança que aprendia facilmente determinadas coisas.

Com o passar dos tempos veio o toldar dos conceitos, formaram-se-me preconceitos, preguei estereótipos nos pensamentos e passei a presumir coisas sem grande fundamento ou justificação. Por exemplo, os amigos que tenho espalhados pelo mundo - pelo Brasil, pela Inglaterra, pela Austrália, pela Coreia do Sul, por Angola, por Moçambique - não são, para mim, "emigrantes". São "pessoal que está lá fora". Não trabalham na construção civil nem a lavar escadas, não fugiram de comboio para a França para dar serventia, para a Suíça - para fazer chocolates e relógios, suponho -, nem para o Luxemburgo fazer o que quer que seja que se faz lá no Luxemburgo - deve ser dinheiro. Os meus amigos que estão lá fora não vêm de Audi A4 vermelho, com matrícula amarela, atravessando a Ibéria inteira para passar férias no parque de campismo de Monte Gordo e isso tira-lhes uma batelada de créditos no acesso ao estatuto de "emigrante" segundo os meus requisitos.

O emigrante, tal como eu o imagino, é uma categoria muito específica da portugalidade. As características que espalha, com generosidade, da respectiva terra-natal às praias cálidas e sobrelotadas do Sul do país, embelezam-me o mês de Agosto provocando-me sentimentos nem sempre fáceis de identificar ou conjugar. Há um lado nostálgico e melancólico que se acende em mim quando observo famílias de quatro gerações, cunhados, primos e avós, com farnéis e guarda-sóis, nas dunas da Galé. Imagino-os trabalhando e vivendo um ano inteiro com o pensamento focado naquele mês específico em que voltarão a ver os familiares distantes, as paisagens da sua infância ou, no caso dos mais novos, a conhecer os primos de quem só ouviram falar e as praias que só vislumbraram em fotografias tremidas, tiradas com kodaks descartáveis.

E, se as crianças me aborrecem com os seus guinchos e boladas ou com as cascas de melão que vão perdendo pelo areal, os mais velhos inspiram-me grande empatia, enquanto observam o que é também deles - o nosso Portugal - como quem o perdeu e tudo faz para desfrutar só mais um bocadinho daquilo de que abdicou para poder dar o conforto e o desafogo (que nunca teve) à sua descendência.

E depois há o pai de família. Não me refiro ao mais velho, ao ancião, não. Aponto ao macho alfa, o homem que paga as contas, o que mete a gasolina, o que consulta o mapa. O senhor de bigode com o boné do Benfica. É ele que mais me desperta sentimentos ambivalentes. É nele que encontro a definição de perseverança, a expressão de sucesso conseguido a pulso e com o suor. E é também naquele que reconheço aquele esgar de saudade, aquela ansiedade de rever a sua paixão, de regressar ao solo sagrado. É nele que adivinho o desejo de comprar jerseys encarnados para a toda a família - «menos para as mádâmes... não têm aquelas em cor-de-rosa, do Miccoli?» -, de agarrar o bronze maciço de Eusébio, fotografar tudo quanto mexa, fotografar muito a águia Vitória, que ela mexe-se muito, demorar horas nas filas para tudo e mais alguma coisa nas imediações do Estádio, nas bilheteiras, nas casas-de-banho, nas roulotes, nos torniquetes, nas escadas, na procura dos lugares «ora porra, que isto é uma confusão», «ó amigo, esse lugar é dois sectores mais à frente».

É nos lábios do Pai de Família que antevejo, sí-la-ba-por-sí-la-ba, «este Jesus... ma putain... já devia era de ter saído majé há muito tempe, ué...». E é quando olho para ele que imagino, com carinho, o meu bilhete para ver o Devendra no CCB, amanhã, à hora do jogo. Tenho tempo para o nosso Benfica. Espero que estes nossos compatriotas, forasteiros sazonais, perpétuos visitantes de Agosto, desfrutem à sua vontade do pouco tempo que têm para o nosso Clube. Mas, por favor, tenham cuidado com a minha cadeira.

1 comentário:

Antonio disse...

Parabéns por este texto, para os Benfiquistas que vem de fora!! Saudações Benfiquistas http://ladoaltodo3anel.blogspot.pt/