Na verdade, a misteriosa caixa é uma moderna cigarreira, com um botãozinho que faz abrir a sua tampa por meio de um sofisticado dispositivo. Trata-se de um objecto que classificaria de bondiano, tanto ao nível da classe e elegância como da funcionalidade prática: carregas no botão et voilá, os teus cigarros.
Desde que comecei a fumar cigarros de enrolar que a minha vida de Benfiquista se complicou. Seja no Estádio ou na taberna, sempre que estou a ver a bola sinto uma necessidade quase compulsiva de fumar. Dantes, tal não representava problema ou incómodo, fumar era fácil: abria o maço de cigarros e tirava um. Hoje em dia, perco tempo, atenção e muitos cigarros, porque me saem nervosamente tortos, às vezes rasgados, cheios de barrigas e mal selados, porque, enquanto vejo o Benfica, as minhas capacidades cognitivas e motoras tornam-se concentradamente eficientes: articulo um discurso bastante direccionado e reduzido, assente, sobretudo, em vernáculo do mais reles; as mãos servem-me ora para fazer o sinal de "mais uma, shôr Manel", ora para bater na própria perna com frustração, ora para as erguer no ar em sinal de que foi golo e eu estou muito contente. O cérebro, esse, reconfigura-se numa parafernália de possibilidades tácticas com setinhas de várias cores e pontos luminosos que indicam situações de alerta: um jogador desmarcado, um adversário em off-side, um guarda-redes mal posicionado, uma mão na bola, um golo à espera de acontecer. Todas as restantes funções a que tenho direito e que, em circunstâncias não futebolísticas, executo com razoável destreza, são automatizadas e deixam de ser da minha responsabilidade. Entre elas, inclui-se a de enrolar cigarros. Esta cigarreira tem tudo para mudar a minha vida. E hoje é um bom dia para mudar a minha vida.
Enquanto preparava a remessa para logo, reparei num detalhe interessante: as mortalhas são feitas em Barcelona. Ampliando a foto, podem confirmar o que digo. Isto tem de ter um significado. O que é que vamos fazer com os de Barcelona? Eu vou, no mínimo, fumá-los. Há aqui uma garantia de de supremacia.
Não vou ver o jogo no Estádio. Um conjunto de atrasos, hesitações e questões ditou que, até ontem, eu não tivesse comprado bilhete. Sei que ainda restam alguns, muito poucos. Pelo menos, restavam até há pouco. Mas não vou comprar. Não quero ir. Há aqui um lado místico. Em 2010, quando, a meio da época, me apercebi de que não tinha ido ao Estádio uma única vez, pensei «se isto está a correr tão bem, o melhor é não complicar: em equipa que ganha não se mexe». Fomos campeões. Não vi ao vivo a melhor equipa do Benfica dos últimos largos anos, mas o sacrifício foi largamente compensado. Não sei se a história se repete, mas a minha táctica para hoje é a mesma: vejo a bola na Típica, a fumar cigarros de enrolar feitos com premeditação, como bom homem prevenido. Prefiro deixar o momento eventualmente histórico e provavelmente belo para todos os outros que, sortudos, lá vão estar, muitos deles vindos de longe para ver o grande jogo diante da melhor equipa da história. A verdade é que hoje não faço assim tanta falta ao Benfica - hoje são muitos os Benfiquistas no Estádio. Sábado, diante do Beira-Mar, quando formos 25 ou 30 mil, farei mais falta. E, então, lá estarei.
Espero perder um momento Glorioso e verdadeiramente inesquecível. É tudo o que peço. Hoje é um bom dia para ter um dia diferente. Para começar, vou estrear a minha cigarreira para poder seguir com mais atenção, melhores cigarros e o fervor de um devoto em exclusivo o que se passa no campo.
2 comentários:
Como eu te compreendo Diego.
Não sei onde concordo mais, se na questão do tabaco, se na "equipa que não se mexe"... e logo eu que não sou supersticioso... ;)
foi um prazer ler isto. VAMOS FUMÁ-LOS, CARALHO!
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