quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mais vale tarde

O tema foi, felizmente, perdendo destaque na actualidade noticiosa. Mas há vinte e tal anos atrás, numa época em que o futebol era romântico - ou então era eu que começava a descobri-lo, mas a verdade é que ainda jogava o Maradona -, existia um terror que ensombrava os estádios, sobretudo os estádios do Reino Unido: o hooliganismo. No Fever Pitch, Nick Hornby aborda o fenómeno e fala do período mais negro do futebol inglês praticamente ignorando títulos e resultados. Porque, nesses tempos de violência, as mortes é que eram notícia, não as taças.

Dois episódios marcaram a década de 80, mas a história é feita de mais do que dois. No desastre do Heysel, existe uma clara e inequívoca relação directa entre a violência organizada e o trágico desfecho. Anos mais tarde, dá-se o inferno de Hillsborough - quem não se recorda daqueles rostos esmagados contra as grades... - e as primeiras conclusões apontaram para que o desastre tivesse acontecido, uma vez mais, por culpa do hooliganismo. Parecia óbvio e não seria estranho, porque em comum uma e outra tragédia tinham o Liverpool e os seus adeptos (que, pelo que li, não eram sequer os mais perigosos e temidos - esses eram os do Millwall; há um filme, The Firm - A Sociedade, que também aborda o assunto). No entanto, e regressando ao Fever Pitch, recordo perfeitamente que Hornby apontava para os estádios ingleses nos anos 80 e dizia dos mesmos que eram velhos, obsoletos e perigosos - chega a apontar o Estádio da Luz, o Velho Estádio da Luz, como um exemplo de modernidade, espaço e segurança típica do Continente, por oposição à realidade inglesa. Sobre Hillsborough, Hornby defende sobretudo duas coisas que contrariam a então versão oficial dos factos: a polícia interveio mal e fora de tempo, sem um plano de emergência; o estádio, desorganizado e mal medido (os sectores de "peão" não tinham uma capacidade rigorosa), era inseguro, com demasiados obstáculos, corredores estreitos, etc.

Hoje, 23 anos depois, o resultado do inquérito e da investigação independentes vem reconhecer também o bom senso de Hornby, mas reconhece sobretudo a inocência das 96 vítimas e de todas as outras pessoas que naquele dia foram a Sheffield ver a bola, apenas isso. O desastre aconteceu porque era inevitável. E as autoridades não só não tiveram a capacidade para reagir, como ainda encobriram a sua incompetência atirando para cima dos adeptos do Liverpool uma culpa que nunca fora deles.

1 comentário:

mikas disse...

Diego, vi isto na televisão à pouco e fiquei verdadeiramente impressionado (mais do que tinha ficado à altura dos acontecimentos): não pela incompetência trágica, mas pela lavagem de mãos subsequente, tendo escalado ao governo.

Uma pergunta me assaltou: o que será feito desses polícias e gajos que cordenavam a emergência (os comandos, está claro) ? Estarão já todos mortos para fugir às acusações de homicidio?