O handicap é um conceito que pode gerar perversidade, como se comprova pela notícia citada. A discriminação positiva, quando mal utilizada e/ou aplicada, pode levar a situações de injustiça. Situações essas que podem afectar, por exemplo, a minha pessoa ou, para ser mais preciso, o cidadão que eu julgava existir em mim.
Hoje acordei bem cedinho. Mas bem cedinho mesmo na escala do cidadão médio, que trabalha e apanha transportes públicos e mete as crianças no infantário e faz essas coisas que a sociedade incentiva e o sistema regulamenta. Ainda não eram oito da manhã e já eu fazia o exercício do despertar cerebral no Chess.com - com assinalável sucesso, se me é permitido o acrescento nada modesto.
Para o leitor assíduo deste blogue, o meu amanhecer prematuro poderá causar espanto, até porque sou uma pessoa desempregada e aparentemente sem compromissos nem horários. Mas é precisamente por ser desempregado que me vejo obrigado a sacrificar horas de sono, num exercício que conduz invariavelmente à frustração. Há quatro dias consecutivos que me levanto da cama com um só objectivo que permanece por concretizar: ser atendido num balcão da Segurança Social.
A minha motivação é desoladora: pretendo reclamar por não me ter sido atribuído o subsídio de desemprego (para o qual descontei). Não fui, sequer, notificado acerca do assunto - fiquei a saber que o meu pedido foi indeferido numa das minhas apresentações na Junta de Freguesia, uma medida imposta aos desempregados em tudo semelhante ao termo de identidade e residência imposto a Oscar Pistorius por ter matado a namorada e não ter pernas. Nós, os desempregados, temos de provar que existimos e que permanecemos na nossa área de residência e que continuamos desempregados e que concorremos a empregos. Em absoluto, a medida parece justa; em comparação com o campeão paralímpico, pressente-se alguma injustiça em, pelo menos, uma das situações.
Assim, liberto da obrigação de apresentação quinzenal, vejo-me condenado a pena bem mais pesada: privado de uma receita que é minha por direito, apresento-me diariamente numa (ou mais, como foi o caso de hoje) loja do cidadão com a esperança, comprovadamente vã, de obter uma explicação, uma resposta e, no fim, a oportunidade de reclamar. Em todas as tentativas obtive o mesmo desfecho: não consegui aceder às senhas de atendimento. Porquê? Porque não sou um "cidadão prioritário": não possuo crianças, nem de colo nem das outras, não sou idoso nem sou portador de deficiência. No fundo, sou uma pessoa portadora de uma extraordinária normalidade, o que consiste num enorme handicap nestes assuntos.
Tenho tido aquilo a que se pode chamar "uns dias tramados". Hoje foi só mais um. Goradas as expectativas de ser atendido na loja do cidadão nas Laranjeiras, criei falsas esperanças de ser atendido nos Restauradores. Munido d'A Bola, comprada pela fresquinha para ler sobre a vitória de ontem - e para perceber se a peitada do Lima tinha ou não entrado: entrou mesmo -, sentei-me e prossegui a leitura. Agravou-se-me a frustração quando percebi que a 7 de Março, dia em que pisarei um dos palcos que eu mais desejei desde que comprei a primeira guitarra, o Benfica recebe o Bordéus e eu não vou poder ver. Mais um handicap pelo melhor dos motivos. Tem sido muito complicado lidar com a minha vida afortunada.
6 comentários:
Não tou a perceber. Com uma barba dessas não te dão senha prioritária??? Para onde caminha este país?!?!?
Ignoram o sem-abrigo? Não é justo.
Boas Diego. Desculpa tratar-te por tu mas como és da minha família(SLB)penso que não irás levar a mal. Experimenta a Segurança Social por marcação, serviço exclusivo na Av. Afonso Costa no Areeiro. Ligas para o 808266266 e marcas o dia e hora para tratares do teu assunto. É rápido e eficaz, experiência própria. audações benfiquistas. Hugo Capela
*Saudações benfiquistas
Constou-me que na Loja do Cidadão da Bela Vista, aka Chelas, podes comprar senha por 2 euros a uns ucranianos que por lá circulam. Se não os identificares pergunta ao segurança.
Enviar um comentário