quarta-feira, 15 de maio de 2013

Amanhã para sempre

(Nota prévia acrescentada a posteriori: o texto foi escrito ontem à noite. Passava da meia-noite quando publiquei, mas isso é-me indiferente, as horas são uma convenção, não são uma coisa absoluta: antes de dormir chama-se "hoje"; "amanhã" será depois de acordar.) Hoje almocei sozinho e eu sozinho, enquanto almoço, fico pensativo. Os momentos que tenho tido livres para dedicar ao pensamento têm sido, na sua maior parte, aplicados a contemplar paisagens que eram, para mim, desconhecidas até ontem. Fruto das viagens experimentais a bordo do 759 e do 794 da Carris, que atravessam bairros como Marvila, Bela Vista, Chelas, Olivais, Encarnação ou Moscavide, tive a oportunidade de as ver de perto.

Estou habituado à vista elegante do Barreiro a seguir ao Tejo; ao esplendor dos navios de cruzeiro, gigantescos, atracados a Santa Apolónia; à sumptuosidade da Arrábida, às vezes silhueta, outras vezes uma serra inteira, lá ao fundo, a caminho do Sul. Os blocos de cimento, às vezes coloridos e outras já sem cor, alternando com descampados sem dono, vias rápidas, pracetas inventadas e forçadas a existir como se fizessem algum sentido, pessoas ao ritmo de um trabalho atrás do outro - quando o têm e não andam atrás de um novo -, outras que simplesmente já desistiram, tudo isto é um retrato de uma Lisboa a que não estava habituado, mas que nem por isso é menos verdadeiro do que aquele que tenho a sorte de contemplar todos os dias. É, portanto, natural que o meu pensamento se disperse, tentando talvez compreender que realidade é esta em que nunca reparei.

Durante estas viagens, fui também processando a derrota de sábado. Nem tinha como fugir-lhe: a chaga ainda está em carne viva e, além disso, não são raros os passageiros que passeiam Benfiquismo com toda a naturalidade - uns usam bonés, outros fatos de treino, outros ainda jerseys do Gaitán ou do Luisão ou camisolas sem nome, só com a cor e o emblema, desta ou de outras gerações de Benfica.

E, assim, só hoje à hora do almoço pude dar-me conta de que amanhã podemos ganhar a Liga Europa. Não que eu não soubesse. Eu sabia, claro que sabia: a final é amanhã que se joga. Sabia mas não compreendia. Não na sua plenitude, não na sua profundidade: o Benfica PODE ganhar a Liga Europa. Quando me apercebi disto, fiquei estranhamente agitado e emocionado. Fiquei ansioso, mas daquela ansiedade boa, como a que sentia a 23 de Dezembro ou no dia antes de ir de férias para o Barril nos tempos de criança. Ou, mais tarde, na véspera de entrar na minha faculdade pela primeira vez.

O Benfica vai jogar a final da Liga Europa e pode ganhá-la. E este é, talvez, o dia por que eu mais esperei nestes últimos 23 anos. Não falo do dia de amanhã, não, não falo do dia do jogo. Falo desta véspera maravilhosa em que nada ainda aconteceu e tudo pode acontecer e eu sinto aquele aperto bom no estômago porque espero que amanhã seja um dia grandioso, um dia histórico, um dia feliz. Um dia que eu não queria que passasse nunca. Gostava que o tempo parasse hoje, durante vários dias, para que eu pudesse saborear melhor esta expectativa infantil. Gostava que isto não passasse num instantinho e que, depois de amanhã, já estivéssemos todos a falar do assunto falando no passado. Gostava que o jogo fosse só amanhã, sempre só amanhã.

4 comentários:

rui disse...

Eu nao sei como é que mais blogs benfiquistas nao te tem na sua lista de recomendações.Bem eu nem costumo muito comentar aqui mas aproveito hoje so pra te dar os parabens pela tua magnifica escrita,é sempre um prazer ler.

Maria Flausina disse...

Se eu não fosse já uma fã incondicional, era hoje: "...vista elegante do Barreiro...", é raro ver o Barreiro assim descrito. É por ser ao longe, já sei, mas gostei de ler na mesma.
Benfiiica!

Miguel A. disse...

Grande post.
Podemos, pois :-) Vamos a isso! Já recebi mensagens de amigos em Amesterdão, e nenhum está pessimista, pelo contrário, o que me dá ainda mais ânimo. É muito difícil mas não é impossível.

Vareta disse...

Em julho bebemos umas mines e contas-me como foi.