quinta-feira, 16 de maio de 2013

Até Thomas Mann escreveu sobre o assunto

Tenho, hoje, a sensação de que uma qualquer entidade superior anda a testar os limites dos tecidos que me compõem a alma: a fé, a esperança e a paixão. Não sei se essa entidade me está a ler, mas caso esteja, aqui fica: pode desistir. Enquanto houver esta paixão, que todos os dias me cresce, a fé e a esperança não se hão-de romper.

A derrota de ontem e as circunstâncias de toda esta tragédia épica, a nuvem de crueldade que me atormenta há dez dias, sem parar, levavam-me a crer que não tinha culpa do que está a acontecer. Nem eu nem qualquer outro Benfiquista podem dar tanto azar assim à sua equipa. Há aqui uma encomenda cósmica com localização, origem e destino tão remotos que deve situar-se muito perto da impossibilidade.

Quando Ivanovic cabeceou impunemente e com fatalidade, regressei ao choque apático de sábado passado. Levantei a cabeça quando ouvi a frase «Tacuara entra na área» e então o Cardozo chutou uma porção de oxigénio, hélio, gases rarefeitos e sobretudo azoto, com a bola a passar-lhe à frente da biqueira e o meu ânimo morreu ali, como se o pontapé tivesse sido nele. Há momentos em que a tragédia é tão cruel e maldosa, tão cínica e exagerada, que roça o limiar da comédia e foi nesse instante que dei comigo a pensar «é os kelvins, é os celsius... espero que o Vitória não tenha um cabrão de um fahrenheit, senão estamos entalados outra vez».

O jogo acabou e os meus rapazes caíram por terra como miúdos, desolados, em lágrimas. Foi a imagem que mais me doeu, vê-los desamparados, a sentirem o insuportável peso de uma derrota injusta. Lutaram como bravos e caíram de cansaço. Merecem o sono dos justos. E merecem também todos os gritos, cânticos e aplausos com que o nosso povo os tentou animar.

E então a minha consciência agitou-se quando me lembrei de um determinado episódio. Enquanto os chorosos mas muito nobres do Benfica subiam à tribuna para receberem a dolorosa medalha de prata, recordei uma conversa que tive com um amigo. Ainda nós estávamos a meio da eliminatória com o Leverkusen e sabíamos que, batendo os alemães, tudo seria possível. Foi uma espécie de negócio de Fausto em que eu afirmei, sem cautelas, que «se o Benfica ganhar a Liga Europa e a Taça de Portugal, dispenso bem o campeonato». Hoje vergo-me de culpa perante este Mefistófeles que, tal como os romanos, não paga a traidores.

3 comentários:

Diego Armés disse...

Antonio:

http://227218.blogspot.pt/2012/01/manual-do-bloguer-de-bola-versao-muito.html

Tiago o "Cardoso" disse...

Como malveirense e portista, deixo os parabéns à tua pessoa. Realmente o que os clubes no fazem sofrer não tem razão de ser. Fantástica escrita!

Tiago Cardoso

Gonçalo disse...

Grande texto, como sempre.