quinta-feira, 24 de maio de 2012

I miss the comfort in being sad

«Esperava ouvir o meu nome entre os convocados para o Euro 2012, mas não ouvi e fiquei triste. Já encaro isso de forma positiva
(Nuno Gomes)

Estou bem-disposto. As recentes polémicas e conflitos mais ou menos internos do Benfica são facilmente sanados: focamo-nos na selecção nacional e não pensamos mais no assunto. Folheio A Bola, muito gosto eu de folhear A Bola, e descubro a faceta grunge de Nuno Gomes, apreciando a depressão, regozijando-se com a desilusão. Os anos 90 estão-nos mesmo incrustados na carne e no sentimento. De Vítor Paneira a Kurt Cobain, não esquecendo nunca o Patrick Swayze, todos nós, de entre 1975 a 1985, conhecemos bem o inigualável charme da melancolia. Fico feliz por saber que o Nuno Gomes está contente por estar triste – embora eu próprio fique triste por ele, o que também me reconforta, de alguma forma, o que, no fundo, acaba por me animar.

Quinta-feira, o melhor dia da semana para se ler A Bola. É dia de Leonor Pinhão. Um amigo meu, certo dia – certa noite… –, no Cais do Sodré, vendo a Leonor Pinhão nos arredores do MusicBox, não se conteve: Benfiquista fervoroso e apreciador de boa prosa, chamou, gritando, «Dona Leonoooor! Dona Leonooooor!». Desde então, entre amigos, referimo-nos a Leonor Pinhão como “Dona Leonor”, num misto de trato bem-dispostamente carinhoso e alguma reverência. Reverência merecida, justificadíssima. Admiração!

À quinta-feira, folheio A Bola, sim, mas só depois de ir directamente ao que me interessa: a crónica da Dona Leonor. As gerações não são as mesmas e Leonor Pinhão não é uma genuína possuidora do charme da melancolia. Ainda assim, não é por isso que deixa de encontrar conforto nas tristezas. Acontece que é nas tristezas dos outros. E, nesse particular, Dona Leonor tem um charme incomparável. Escreve assim sobre a final de domingo:

«Sofrer um golo de cabeça de um adversário com 1 metro e 66 e que ainda se pôs de joelhos para enfeitar melhor o lance não é coisa digna de um craque das redes como é Rui Patrício
(Leonor Pinhão)

E eu, uma vez mais, fiz da tristeza alegria. A tristeza também não era minha - detalhes. E lá vou eu folhear a A Bola. Falam do Ola John. Deve ser o jogador desconhecido mais famoso do momento. Já li e ouvi o nome do homem tantas vezes que começou a soar-me familiar. Agora, espero que venha. Só para ficar a saber se também joga à bola, para além de ser famoso. Quem fala bem é Bruno César. Dantes falava mal. Agora está falando bonito:

«Aquela Liga dos Campeões é uma prova chic, com aquele hino e tudo…»
(Bruno César)

Não é um encanto? Bruno César não tem costela grunge – tudo aqui é composto de singelo e certeiro optimismo: ele encontra alegria na alegria. Tão simples quanto isso. Dizer da Champions que é chic é a demonstração de que a afirmação despudorada do óbvio pode ser, também ela, de um charme imenso. Finalmente, qualquer coisa que bate certo.

Leio mais. Passo á frente o que não interessa, há assuntos que me aborrecem. O futebol, desporto que se quer de charme e de emoções fortes, às vezes causa-me desconforto. E é então que resolvo a situação: foco-me no basquetebol. E, com este exercício aparentemente simples, descubro a felicidade onde dantes existia tristeza. É bonito voltar a ser campeão nacional de basquetebol. E haverá quem diga «só te preocupas com isso porque perdeste no futebol». E eu responderei «isso é mentira» e nem me darei ao trabalho de justificar. Aliás, esta vitória parece ter mais importância do que o próprio troféu, em si – que ninguém viu mas que se supõe que exista mesmo. Diz-se, pelos corredores e bastidores, pelos balneários e cantos escuros, em sussurros, que se inaugurou um novo salão de festas a Norte. Pode ser pequeno e humilde, mas creio que há-de dar jeito. Isto, se se confirmar a informação. Porque a verdade é que não vi lá festa alguma, portanto é capaz de ser exagero. Ou então há aqui uma inversão da lógica da charmosa melancolia: as gentes de lá só encontraram tristeza na alegria. Na nossa alegria.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Flores anãs

O tédio. O tédio e o ócio. Sento-me à varanda a ver os navios e o tempo a passar. Os piripiris não crescem. Criei uma nova raça de bonsais. Há-de servir-me de pouco. O que eu queria era produzir tempero, afinal saem-me flores anãs. E não me apetece escrever sobre o futebol. O futebol acabou. O futebol fechou. Também eu tenho o direito á hibernação. O futebol desinteressou-me.

O futebol devia ser o Falcao com a camisola do Benfica, a jogar três vezes por semana. O Falcao é o herói, mas o herói no significado máximo da expressão. Numa altura em que o futebol foi cruelmente invadido por dois extraterrestres muito mais poderosos do que o homem, Falcao mostra que a condição de humano pode bastar para ser o mais encantador futebolista do planeta nos dias que correm. Este Radamel tem o que falta aos dois monstros: carisma, uma aura de herói popular, charme, paixão genuína. Onde Cristiano e Lionel crescem matematicamente, metodicamente, industrialmente, o colombiano opera para comover, como um poeta, como um esteta. Não lhe basta fazer muito – tem de fazer bonito. Não lhe basta ser eficiente – tem de ser o mais elegante. Não lhe chega festejar um golo – festeja-o como se ganhasse uma batalha, como se deitasse abaixo um inimigo, como se distribuísse justiça e pães pelo povo. Radamel Falcao não é melhor jogador do mundo, não pode; mas é o jogador mais bonito da actualidade.

Que pena que o futebol não seja, não possa ser, Radamel Falcao com a camisola do Benfica. Em vez disso, o meu futebol é um Benfica disputado, mal falado e maltratado, ora de um lado, ora de outro. Vi o Benfica – União de Leiria, fui despedir-me da equipa. Senti desconforto. Aquele Estádio, que é meu, parece uma casa ocupada, disputada entre Vieira e vieiristas, de um lado, e anti-vieiristas, do outro. Já vos expliquei: o Benfica não é do Vieira. Da mesma maneira, também não é dos No Name Boys. É pura e absolutamente meu. E, sempre que eu quiser ir aplaudir a minha equipa e o seu treinador, despedir-me deles – «até qualquer dia!», «até para o ano!», «até nunca mais!»; «obrigado por tudo!», «podias ter feito melhor!», «eu acreditei sempre em ti!» -, não há um – UM! – Benfiquista à face da Terra que tenha o direito de me chamar o que quer que seja. Que manifestem desagrados, acho muito bem; que insultem indiscriminadamente, não posso admitir.

Por tudo isto, também deixei de ler os blogues, que maçadores os blogues!, da mesma forma que deixei de ler n’ A Bola as reportagens amanteigadas sobre Vieira a propagandear-se nas Casas do Benfica, recolhendo apoios, loas, beijinhos e engraxadelas nas botas. Vocês cansam-me. Uns e outros – simplesmente cansam-me. Não me bastava viver num país de políticos que me envergonham, ainda tinham de vir politizar, de maneira tão degradante, o meu Clube? Tirem a vossa política daqui, por favor! Vão brincar aos partidos, às autarquias, às democracias feudalistas, aos sistemas capitalistas, às assembleias e sindicatos, às votações, greves, manifestações, aos referendos, ao que vocês quiserem, onde vocês quiserem: mas deixem o Benfica em paz! Tenham vergonha e tenham lá paciência, mas o Benfica ainda é um clube desportivo – e o meu santuário do Futebol. Tratem-no como tal.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Minis e jaquinzinhos

Está um perfeito dia de Verão. Na rua, ainda não se sente mas já se pressente o cheiro das sardinhas assadas. É uma espécie de odor espiritual que acompanha os dias magníficos deixando-se imaginar mesmo quando ainda não existe. O cheiro das sardinhas assadas acontece quando o Verão nasce, mesmo que ninguém asse sardinhas. É um perfume que pertence, que faz parte, como se os raios de sol fossem o carvão e o sal e o resto desta cidade fosse feita de pele e escamas finas.

Começava a preocupar-me. As finais europeias vinham aí, estavam mesmo a chegar, e não tínhamos Verão. Nem Verão nem outra estação qualquer. Este ano, ao nível da definição das estações, é como um Atlético de Madrid - Athletic Club, equipando ambas as equipas com as vestes principais. Que imagem bonita: o caos indistinto e uma bola aos saltos, 50 mil pessoas em Bucareste aos gritos sem saber para quem, 20 rapazes trajados de pijamas às riscas e uma taça no fim. Que delírio.

Os meus receios amainaram, o dia de Verão entusiasmou-me com uma lambidela serena quando, à hora do almoço, fui regar os piripiris e os coentros à varanda. Suspeito que criei, inadvertidamente, exemplares bonsai de ambas as espécies. Podem não dar para tempero, mas causam impressão. Às vezes, enquanto os rego, tenho medo de os afogar de tão pequeninos que são.

Lembro-me de, há um ano atrás, ter desejado que a relva de Dublin se transformasse em alcatrão fervilhante. Disparate meu, claro. Como em quase tudo, quase sempre, no que respeita a futebol, as minhas expectativas saíram defraudadas. Já nem perco tempo a puxar pelo que quer que seja. Foi, aliás, assim que consegui que o Sporting fosse eliminado da Liga Europa: simplesmente, ignorei a segunda mão da meia-final. Quando fui ver o resultado, lá estava ele, resplandecente: «Caíram de pé». Parabéns.

Para hoje peço pouco. Já tenho o sol e o Verão e o meu imaginário embebeda-se de aroma a sardinhas que ainda não existem. Estou a um pequeno passo de ser feliz. Venham os 20 rapazes dos pijamas às riscas numa encenação caótica e absurda do mais puro futebol – sem sentido, sem destino, só uma bola e muita anarquia. Uma travessa de jaquinzinhos e a frescura das minis.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Tomei uma decisão e é esta

Dilemas. Provavelmente, uma das maiores perdas de tempo da história da humanidade, uma invenção que tem um único propósito: causar angústia. Eu não gosto de dilemas. Nem de dilemas nem de compromissos com ideias, que é uma coisa muito anti-humana, retrógrada, reaccionária, conservadora. A pessoa deve andar por aí e pensar, pensar, pensar e, se mudar ideias, tanto melhor, talvez tenha crescido ou amadurecido. Mas há um ponto, um dia, um momento, em que, enquanto homem, o indivíduo deve dizer ou sim ou sopas, deve assumir-se, afirmar-se, reivindicar-se. Isto é, a pessoa tem de situar-se no mundo e arrumar as ideias. Ou então não. Mas se o fizer, fica-lhe melhor.

O excesso de bom senso é insensato. Aumenta exponencialmente os valores da angústia e, entre medidas de prós e de contras, dilui indecisamente o indivíduo na hesitação, no impasse, na incerteza. Pensar sobre certas coisas é desvirtuá-las. Nesse capítulo, mea culpa: sou dos melhores gajos a dar cabo do futebolismo. Obstinado que sou, teimo em pensar nas coisas, procuro algum rigor em nome de uma suposta justiça moral, em algumas ocasiões dou por mim a ser minucioso. Resultado: não digo nem sim nem sopas, pareço um adjunto de capataz, com fitas métricas e níveis de bolha de ar, de um lado para o outro, em exercícios de observação, medição e avaliação. Os exercícios de decisão, que são bons e que tanta falta nos fazem, não costumam ser para mim.

Como é evidente, está mal. Se há coisa que eu gostava de fazer era de tomar decisões, de dirigir. Em suma, de mandar. Dar ordens. Ó, como eu seria feliz a ir por aí «faz isto, faz aquilo, oferece o Emerson aos pobres, não faças assim, vai ali buscar-me uma cerveja, tu nunca me contrates o Luís Filipe, livra-te, despeço-te na hora!, mete o Nelson» e assim por diante, a dizer às pessoas o que é que elas haviam de fazer, seguro de mim, certo de que estaria certo.

Estou há três parágrafos a fazer-vos perder tempo porque ainda não consegui decidir o que será melhor para o Benfica (e, atenção que isto importa, é apenas esse o meu interesse – porque o Benfica não é do presidente Vieira nem dos sócios que vão mais vezes à bola nem dos credores da Futebol SAD nem do Luisão; o Benfica é simplesmente meu e, por isso mesmo, eu só posso querer o melhor para o Benfica). Eis o dilema: Jesus deve ou não ficar? Terá Jesus condições para ficar? Será bom para o Benfica que Jesus fique?

Há tanta coisa que me irrita em Jesus que só metade delas chegaria para lhe acenar um lenço branco no próximo sábado. Mas o futebol é diferente, é arremessar fitas métricas e níveis de bolha de ar, que se fodam os prós e os contras: este é o melhor Benfica dos últimos 20 anos a jogar à bola e eu gosto disso, pá, mas é que eu gosto mesmo disso, méne! Por mim, Jesus fica. Está decidido.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sem Título

Eram nove e meia quando aterrei em Faro. Assim que as rodas tocaram no chão, não aguentei mais: liguei o telefone e abri o site d' A Bola. «Benfica entrega título ao Porto». «Vês? Vês?» disse eu para a Lady. É que eu sonhei com este desfecho. E só não postei a previsão no facebook porque ela não deixou, «oh, larga isso, estamos com pressa» e eu larguei, bem-mandado que sou.

No meu sonho, estávamos a jogar hóquei em patins. Contra o Gil Vicente, fora. Não me peçam para explicar. Estava dois a dois e o relógio fazia a sua contagem decrescente. Nós, Benfiquistas, sofríamos e eu dei por mim a sofrer muito mais do que seria suposto com um jogo de hóquei em patins – repito: contra o Gil Vicente. A dada altura, começam a ouvir-se cânticos «campeões, campeões, nós somos campeões» e eu, baralhado, olho em redor, buscando a claque do Gil Vicente. Tudo estava sereno, os próprios jogadores, no ringue, pareciam serenos. Até que vislumbrei, num topo, vinte ou trinta rapazes, vestidos de azul e branco, aos saltos, a cantar e a deitar foguetes. Acordei, sobressaltado e esclarecido: o campeonato não passava daquele dia, estava escrito.

Saí do avião e liguei para a minha mãe. Notei-a tímida, um pouco embaraçada. Não tocou no assunto e perguntou-me se a viagem tinha sido boa. Disse que sim. E foi, de facto. Durante a última semana, desliguei-me de todos os assuntos por vontade própria. Do único que não queria desligar-me, vi-me forçado a fazê-lo: voei das seis e meia da tarde às nove e meia da noite, precisamente durante a hora do jogo e mais uns tostões. A minha mente estava limpa e o meu coração sossegado. Quando li A Bola, percebi que o empate e a perda matemática do campeonato eram apenas um momento definitivo, cristalizado como a morte de uma vizinha que sofria de cancro do pulmão já há meses. É triste, mas é pacífico. Dói menos a hora da morte do que a expectativa da morte. Ver-nos definhar foi, sim, doloroso. Ver-nos perder de uma vez por todas foi apenas uma inevitabilidade. Era uma questão de tempo. Agora ou para a semana, não faria diferença. Vale-me o consolo de não me encontrar em solo nacional à hora precisa do óbito e do início dos festejos mórbidos.

A minha mãe liga-me sempre após – e, às vezes, durante – os jogos do Benfica. No domingo, não só não o fez como não tocou no assunto. Deduzi que preferisse saber de mim, da viagem, da estadia, se me tinham rebentado os tímpanos (Manel: grande abraço, sábado tens direito a duas médias, aquelas gotas são um pequeno milagre) na aterragem. Estranhei, mas não fiquei profundamente impressionado. No dia seguinte, a minha mãe ligou-me de novo, a saber como estava e para falar um pouco mais sobre a jornada inglesa. Aguardei pelo toque no futebol. Nada. Sempre que o assunto podia resvalar para o campeonato, esgueirava-se, torcia a conversa «então e o Big Ben, gostaste?» e eu «ah, não é feio, mas gostei mais do Emirates» e ela «então e a Tower Bridge?» e eu «infelizmente, não consegui foi ir a Wembley – mas vi Stamford Bridge e o campo do Crystal Palace» e ela logo a atalhar «pois, filho… e eu que gostava tanto de ir a Buckingham, ver os soldadinhos».

As mães têm um instinto maternal apuradíssimo. E a minha, derivado deste filho que tem, possui um redobrado. A minha mãe estava a tentar proteger-me, procurando adiar o choque. Não me queria dar a notícia «sabes, filho… tenho uma coisa para te dizer. O Porto já é campeão». Ela não sabia que eu já sabia. Ontem, voltámos a falar. Mais uma vez, a viagem foi o tema da conversa. Sobre bola, nem uma palavra. E o diálogo foi fluindo «filho, tenho cá favas, não queres vir o fim-de-semana?» e eu senti que era a minha oportunidade «não, mãe… sábado quero ir à Luz».

Houve um silêncio prolongado. Houve embaraço do outro lado da ligação. Então, a minha mãe lá ganhou coragem e disse «vais lá fazer o quê, filho? Eles já perderam…» e ouvi o meu pai lá por trás «o quê, ele ainda perde tempo com ‘isso’?». «Mãe, eu não sou do Benfica só quando ganhamos. E não vou deixá-los sozinhos, nunca – nem que descêssemos à terceira. Sábado, vou lá estar. Preciso de lá estar».