quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Iniesta, hein?

Vamos lá assentar aqui uns pontos: qualquer votação para melhor futebolista de qualquer coisa da qual constem Cristiano e Messi e que não atribua a um deles o mencionado título, está ou errada ou não está a levar nenhum desses senhores em conta - provavelmente por colocá-los automática e naturalmente acima dos demais.

Aceito a segunda hipótese e até deixo uma sugestão: enquanto jogarem, o prémio fica atribuído por decreto "aos dois" (aqui, como as opiniões se dividem, o melhor é dá-lo mesmo aos dois), através da criação de uma categoria especial que seria integrada apenas por eles próprios - a de aliens ou de deuses ou de ungidos ou de supremos, qualquer coisa que não fosse "jogador" ou "futebolista", mas antes os distinguisse e elevasse, sem dúvidas, misturas ou equívocos.

Não sucedendo a segunda hipótese, estaremos perante uma violentíssima fraude, uma distorção ridícula e completa dos conceitos de "melhor" e de "futebolista". O Iniesta foi campeão europeu? Parabéns: e é por isso que tem lá a mdealha em casa. Ah, mas ele merece reconhecimento? Merece, com toda a certeza (e toda a minha franqueza) - e é por isso que ficar em terceiro teria sido merecidíssimo, justificadíssimo, diria mesmo lógico ou óbvio. Mas vamos ser sérios. Custa-me ver que esta "homenagem" a um jogador seja o desvirtuar de significados que deviam ser protegidos, sagrados. Toda a gente sabe que Iniesta não é o melhor, toda a gente vê que nem sequer se aproxima dos outros dois. Mas "ah, coitadinho, ele merece e de outra forma nunca ganharia". Temos imensa pena. Porém, isso sucede com ele e... com todos os outros.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um aniversário diferente

- Master…
- Schhtt… Estou a meditar, Pequeno Vermelho.
- Mas, Querido Mas…
- A tua insignificância não tem a felicidade de ser imperceptível, Pequeno Vermelho. Estás a importunar-me. Durante a meditação do Master…
-… deverás silenciar-te, afastar-te, sossegar-te e deitar-te também tu a pensar. Sim, Master.
- O que te demora? Porque não estás também tu a pensar, minha metade de um terço de uma micronésia a flutuar à deriva num planeta do tamanho de Saturno?
- Porque… Master, chegou um mensageiro.
- E desde quando é que
- É uma mensagem do presidente Vieira, Querido Master.
- O quê? Do presidente Vieira, o próprio?
- O próprio, Master. Assinada e tudo.
- Garantes? Ajuda-me a levantar.
- Garanto. Está aqui.
- É… de facto, uma assinatura. Ora lê. Lê-me o que diz.
- Diz assim:

«Caro DIEGO, neste dia especial o SLBenfica deseja-lhe um fantástico aniversário cheio de alegria e mística. Parabéns!

O Presidente
Luís Filipe Vieira»

- O “DIEGO” é mesmo assim, com letras grandes. Todo.
- É atencioso, de facto.
- Querido Master, fazes mesmo anos?
- Sim, criaturinha. Faço mesmo anos.
- Fazes muitos?
- Oh, pergunta difícil. Os anos que se acumulam nunca são poucos, mas também nunca são demais…
- Hum, pois… E por que te deitas a pensar no teu aniversário? Não devias festejar, estar feliz, desfrutar das boas sensações que uma vitória gorda nos permite, Master?
- Sabes, minha sub-fracção de um milímetro pequenino, nem tudo é felicidade. Um aniversário e uma vitória não são suficientes para apagar a amargura que sinto.
- Amargura? Com o Benfica?
- Amargura… pelo Benfica.
- Mas…
- A verdade é que é um dia triste, Pequeno Vermelho. Hoje, pela primeira vez na minha vida, tenho mais anos de existência do que o Nosso Amado Clube tem títulos de Campeão Nacional.
- Assim tantos?
- Assim tantos. Mas tal, por si só, não deveria trazer-me angústia. O que me magoa é que, quando fiz 14 anos, atingi a metade exacta dos campeonatos que ganhámos; quando completei os 15, superei essa metade – mas fomos campeões nesse ano. E agora, ainda tão novo, supero irreversivelmente a contagem do nosso troféu mais fundamental. É doloroso.
- Compreendo…
- Ora, vai ali buscar o rolo de papiro, a pena e o tinteiro, Pequeno.
- O tinteiro pequeno?!
- Não, Pequeno. O tinteiro… de uma forma geral. O Pequeno és tu.
- Sim, claro, Querido Master.
- Estás preparado? Vou ditar-te uma mensagem.
- Podes dizer, Master.
- «Caro LUÍS» - escreve assim, com as letras todas grandes, para ser atencioso - «Caro LUÍS
- Outra vez?
- Não, não. Estava só a recapitular. Para não me perder. «Caro LUÍS, neste dia especial, o Diego deseja ao Benfica uma única coisa: que o Benfica tenha uma época fantástica e que, em Maio, possamos festejar, todos juntos, o 33.º - não como eu hoje festejo o meu, mas com a euforia que uma grande vitória merece. E que esse seja o primeiro de 10, de 20, de 30, de centenas de campeonatos ganhos consecutivamente para que o Diego não tenha de sentir, nunca mais, por um período superior a 9 meses, que tem mais anos de existência do que o Benfica possui Campeonatos Nacionais no seu palmarés.

O Master
Diego Armés» e deixa-me assinar.

- Toma.
- Está feito. Agora leva o papiro ao mensageiro e diz-lhe que se destina ao Luís. E eu, bom, eu vou voltar aos meus pensamentos, às minhas contas, à contemplação do tempo que passou, a pens…
- Vais ver vídeos do Benfica no Youtube? Do Rodrigo e do Aimar?
- Ehrm… Bom, talvez mais lá para o fim da tarde. Se tiver tempo… Vá, agora vai, Pequeno, vai.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Breve nota editorial extraordinária

No top-10 das palavras-chave de busca que trouxeram gente a este blogue no decorrer do mês de Agosto, a expressão futebolística «cinquentonas fogueteiro» surge na 10.ª posição. Espero ter sido útil nesta demanda de alguém com gostos muito específicos.

Fantasia de futebol

Sejamos organizados, metódicos: da esquerda para a direita, sobre a mesa de apoio, uma pequena taça com castanhas de caju, outra com amendoins salgados e uma última com pistáchios com casca. Em frente desta, um pires. Para as cascas. Os chinelos do Benfica nos pés, a base para o copo, o próprio copo; da lata, outrora de Amstel e hoje de Heineken, escorrem minúsculas gotas. Esta lata tem de ser aberta, caramba! Não, primeiro ligo a televisão. Diz assim o senhor sobre o genérico de um programa que, aparentemente, dava dinheiro a velhinhos e no qual as pessoas se riam muito, «não perca já de seguida o Celtic – Benfica, jogo da Liga dos Campeões, em directo e em exclusivo na sua TVI». Entram os chamados compromissos publicitários, faltam mais de dez minutos para o início do match e eu penso “o senhor que falou durante o genérico não usou a popular expressão «dentro de instantes» - «já de seguida» pode demorar um bocado”. E demora, como previsto, demora. Vivo esta espera com um agradável sentimento de masculinidade: enquanto bebo a minha cerveja e espero pelo futebol, deslumbram-me com anúncios a automóveis cheios de estilo e eu fumo um cigarro, como cajus, amendoins e pistáchios, sempre por ordem, um golinho na Heineken, mais automóveis, gosto mesmo disto, e a seguir anúncios a cervejas, quase não pode melhorar, anúncios a pneus, a reparadores de vidros que reparam muito rapidissimamente os seus vidros, num instantinho, mais um gole na Heineken, caju, amendoim, pistáchio, por esta ordem, é Fords Focus pelo mundo inteiro e cervejas de várias marcas para fazer amigos e matar sedes e conseguir miúdas giras, tudo enquanto eu espero muito descontraída e masculinamente pela bola e bebo, com a suavidade de um homem que está bem na vida, a minha Heineken.

Meto-me a pensar nas coisas. Como seria há 150 anos atrás? Momentos antes do match de um jogo ainda sem nome definido – e em que as balizas não tinham tecto, sequer – se iniciar, os cavalheiros, rivais, juntavam-se a um balcão improvisado cofiando barbas e afiando bigodes. Os vendedores de carroças e cavalos aproveitariam para publicitar os seus artigos, emoldurando-os com finíssimas damas de chapéus muito elegantes. E os cavalheiros rivais conversavam sobre bens ancestrais, tradições que ao tempo não tinham sequer bolhinhas «tem de provar esta cerveja, meu caro, é a receita do Convento de Vialonga, uma maravilha» e o outro, retorquindo «não vai mal, não vai mal… mas prefiro a do Mosteiro de Leça», «do Balio ou da Palmeira?», «de cevada, ora essa…» e fumavam cigarros e apreciavam charrétes coupé à espera de um jogo que ainda se jogava a meias entre os pés e as mãos. Muito evoluiu o homem!

Vai começar. Entra o hino – mas, alto!, este hino vem retocado. Não entendo o que se passa. Parece-me a voz do Paulo Gonzo. É mesmo a voz do Paulo Gonzo. E a letra também foi mexida. Agora canta o José Cid. Aparentemente, a letra enaltece a glória, sim senhor, pois claro. É a história de um pequeno herói, o trilho percorrido por um menino que nasceu aleijadinho filho de uma mãe que era ceguinha e prostituta e que pesava muito, mas que lutou pelo seu filho e o pôs a jogar nas escolinhas de um clube imaginário, em Alcochete. A criança entretanto cresce e ultrapassa uma crise de adolescência em que se mete nas drogas, derivado das más companhias e da influência de uma namorada muito malvada – tudo isto após a morte da mãe, vítima de doença prolongada –, e regressa aos relvados decidido a honrar a memória de sua mãe. Esta letra é muito bonita e o dueto Gonzo – Cid só a eleva ainda mais. Mas o melhor estava guardado para o fim, quando, com aparato épico equivalente àquela parte «da chaaaaaaampiooooooooons», entra o Toy a cantar o momento em que o menino, agora jovem adulto, é campeão europeu ao serviço de um clube qualquer colossal, cujo nome não é mencionado, em pleno Estádio de Wembley e se esvai em lágrimas apontando para o céu e dizendo «mãezinha, mãezinha», enquanto beija a taça. E eu arrepio-me todo a ouvir isto.

As equipas estão a subir ao relvado, o comentador da TVI mal consegue falar, notoriamente emocionado pela versão do hino que a estação preparou para as emissões da Champions League. Nem o onze inicial do Benfica o homem consegue ler. Caju, amendoim, pistáchio e, zás, um golinho de Heineken. Pode começar.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O mundo divide-se em milhões de metades

O mundo sempre se dividiu em duas partes: de um lado, os Beatles, do outro, os Rolling Stones. Se for nos restaurantes, é em Fumadores e Não Fumadores. Nos WC’s, Homens e Mulheres – a não ser que seja em Alfama, onde é recorrente o recurso à casa-de-banho comum; ou então nos shoppings, onde existe uma tereceira, para Deficientes. E às vezes uma quarta, que é a dos Fraldários. Quem for Fraldário, vai a essa. Nos Jogos Olímpicos, onde tudo se junta, raças, credos e nações, separam-se os sexos: de um lado os Homens, do outro as Mulheres, novamente. É uma divisão recorrente, esta de cariz sexual. Fomos feitos para nos misturarmos, para nos juntarmos, para nos fundirmos e, no entanto, a lei, a burocracia e a moralidade passam a vida a separar-nos. Curioso como o homem não se compreende a si mesmo.

Também no futebol o mundo se divide em duas partes: o Benfica e o Resto (e ainda esta pré-época o Benfica esmagou o Resto por 5 a 0). E até dentro do próprio Benfica o mundo se divide em duas partes: os Vieiristas e os Letrados. E escrevo-o com à-vontade por razões óbvias.

Enervo-me sempre um bocadinho mais ao notar as unhas e os dentes com que algumas pessoas defendem o presidente Vieira. Faz-me lembrar a reverência e a devoção que inspiravam figuras de outras décadas, de tempos em que, mais do que pelo respeito ou pela admiração, a coisa ia ao lugar pelo temor. Não sendo eu um enormíssimo democrata, que não sou – e não vou agora expor a minha ideologia, mas resumo: isto a que chamamos de Democracia é um embuste –, faz-me impressão quando o estado das coisas roça o despotismo.

E de cada vez que alguém diz «mas mudar porquê? E trocar este por quem?», aflige-me a pobreza de espírito de tal indagador. Porque o exercício é muito simples: basta reformular a pergunta – mas ficar lá com este porquê? Existe alguma boa razão? Já conheço o argumentário dos acólitos Vieiristas e posso desde já dizer: sim senhor, fez coisas boas; sim senhor, tem qualidades. Mais: nem sequer ponho em causa (e não me seria difícil fazê-lo) a sua seriedade enquanto presidente, a sua honestidade enquanto gestor e nem sequer a pureza do seu Benfiquismo. Mas pergunto de novo: depois de dez anos de governo – e muito apoio, todo o apoio – e com os resultados que se conhecem, temos de levar mais tempo com o homem porquê?

Este texto foi escrito ontem

Este texto está a ser escrito em papel. Tenho o copo de vinho à frente, a luz de conforto na sala, a vista para o rio, a música lá ao fundo, não muito alta - não gosto de música muito alta (excepto em concertos). Podia estar a escrever poesias, romances ou cartas de amor. Não tenho como publicar este texto ainda hoje pelo que, quando o lerem, será coisa do passado.

Depois de jantar, aproveitei para revisitar o meu próprio passado em canções de um tempo a que, mais tarde ou mais cedo, acabarei por chamar meu. Comecei pelo Bubble & scrape, dos Sebadoh; a seguir passou o Washing machine, disco maior dos anos 90, obra dos Sonic Youth. Agora roda o Beck com o Mellow gold. Dói-me a mão de escrever e o coração de ler o que escrevo. Já não estou habituado nem à caneta nem a estas canções. Mas sentia saudades de todas elas - caneta incluída.

Hoje escrevi, pela primeira vez para uma publicação, a designação "Borussia Mönchengladbach". Ao tomar consciência do que fazia, senti que o cosmos se alinhava um pouco mais de modo a fazer sentido. Este nome é a minha infância - ou uma das formas que ela assume, resumindo-se (longamente, no caso). Dantes, quando o meu pai falava de futebol e do Benfica e dos clubes europeus, falava às vezes do Mönchengladbach. E eu sentia um regozijo inexplicável: aquela palavra complexa, germânica, distendida, continha em si a dimensão do que é estrangeiro, longínquo, diferente. Quando o meu pai a pronunciava, eu imaginava uma Europa distante onde o Benfica por vezes ia jogar em busca da glória. E esse Benfica tornava-se maior e maior, aumentava como um gigante instantâneo, viajava na minha cabeça como um aventureiro das terras esquisitas.

Mönchengladbach, a palavra, faz-me imaginar, apenas fantasiando, o Chalana de colants por baixo dos calções, de luvas postas, com farripas de neve nas pontas do bigode, a driblar entre homens louros, enormes, e a cruzar para a cabeça do Nené. Isto não é memória, é pura imaginação. Mönchengladbach desperta em mim uma noção de Benfica lá fora maior do que as minhas próprias memórias. Como se a sua estranheza, longa e complexa, fosse a chave para uma realidade paralela de quartas-feiras europeias distantes, quatro torres de holofotes, estádios repletos de gente vestindo gorros e cachecóis e gráficos televisivos muito rectangulares num ecrã com uma definição de 100 por 150 pixéis. Num canto "RTP2". E placards electrónicos muito grandes com fundo preto e letras e números castanho-bronze e um relógio de ponteiros enorme. Benfica Lisbon, Benfica Lissabon. O Benfica de Lisboa ao longe, eu ainda longe de Lisboa, eu ainda sonhar com Lisboa, eu ainda a sonhar com ser de Lisboa como o Benfica, eu com o coração em Mönchengladbach, boquiaberto perante aquele nome mágico, difícil, impronunciável, Molchen, não, filho, Mön-chen-glad-bach, e eu Moncheldag, não, filho, Mönchen-glad. Bach.

Bach como o compositor, Bach como bach, rio. E eu encantava-me com aquele nome e desejava escrevê-lo um dia, sem erros, por extenso, complexo e desavergonhado "Borussia Mönchengladbach". E hoje escrevi-o, sem erros, e um bocadinho muito pueril e genuíno do Benfica de que eu sinto tantas saudades reavivou-se em mim, animou-se em mim: o Borussia DE Mönchengladbach está de volta à Taça dos Campeões Europeus. Ao play-off, pelo menos. Espero que se apure e que possamos defrontá-lo algures na nossa caminhada pelas terras distantes em busca da glória.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Mind reader - contém ilustração

Estava a pensar na táctica ideal para amanhã defrontarmos o Desportivo de Braga. Concluí que não existe: com o plantel que temos, é impossível construir uma táctica decente. Contudo, reconheço em Jorge Jesus a capacidade e o engenho para driblar as dificuldades e concretizar mais um lance de génio. Tentei pensar como Jesus pensou :) quando construiu esta equipa. E eis a imagem que obtive:
Olhando melhor, a táctica não pode ser esta. Não se pode deixar o Ola John de fora. Embora também me custe tirar o Aimar.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Análise lógica das expectativas

Hoje voltei ao Estádio da Luz. Fui comprar bilhetes para sábado. Já não ia à Luz desde Maio. É muito tempo de ausências e distâncias. Foi, por isso, reconfortante caminhar novamente sobre aquele chão sagrado, aquele chão outrora vermelho – hoje já mais gasto, coçado pelos milhões de pés que o calcaram em direcção ao anfiteatro, de onde se vê o Benfica. E assim começa o meu ano de romarias.

Fazemos contas, renovamos esperanças, tomamos o pulso à situação, emparelhamos ambição e bom senso, tentamos concluir. As minhas contas são simples: é para a desgraça. Este ano estamos perdidos. O treinador e o director desportivo não contratam quem deviam, o capitão perdeu a cabeça, há gente descontente no plantel, há gente nervosa na equipa e temos um presidente que negoceia muito bem – mas só com o Atlético de Madrid, o que dá que pensar. Ou seja, estamos pior do que estávamos. Não tenho esperanças…

… e isso dá-me um optimismo desmedido porque normalmente ter esperança dá azar e não a ter é que dá sorte. CAMPEÕÕÕÕÕÕÕÕES!!!

Sevilha e Ibiza

Mulheres. As mulheres são extraordinárias. Sobretudo as mulheres do Sporting. São de tal maneira uma maravilha que arranjei uma para mim. Espectáculo. Estávamos em Punta Umbria, depois de uma pernoita que teve mais de necessidade do que de gosto – não é um sítio particularmente apetecível; não desgosta, mas também não encanta – e preparávamos a partida para Sevilha, que fica perto, a cerca de hora e meia de distância. Preparava-me para desarmar a tenda quando reparei que o parque tinha Wi-Fi de acesso livre. Antes de ir ver o e-mail, abri, como é hábito, o site d’ A Bola. Isto foi na manhã seguinte à vitória do Benfica por 5 a 2 sobre o Real Madrid e a Bola fazia questão de o noticiar com pompa. Apesar de ter achado o resultado curtinho pensei para comigo que, estando em Espanha, o assunto podia ser no mínimo assinalado, vá. A Lady Verde (ainda) não sabia, mas eu tinha levado na mochila A Camisola para poder vesti-la nos dias de festa. Toda a gente sabe que os espanhóis vestem muito as camisolas dos clubes de que gostam. E eu vá, em Espanha, sê espanhol. Levei a minha do Benfica. E a ocasião, uma vitória, ainda que aflita, sobre o principal símbolo futebolístico de Espanha, pareceu-me motivo suficiente para ostentar a Digníssima com orgulho e uma certa vaidade. Por uma questão de respeito – e porque o carro não é meu –, comuniquei a minha intenção á Lady Verde «olha, querida, hoje vou vestir A Camisola…» e ela «camisola? Qual camisola? Estão mais de trinta graus, veste uma camisa», «não, baby… A Camisola… O Manto… A Digníssima». Houve uma pausa – mas uma pausa cósmica, a realidade parou, a minha batida cardíaca suspendeu-se temporariamente, ninguém respirou durante aquele bocadinho – até que ela disse «mas o quê, tu trouxeste isso?» e eu «sim e estava a pensar vesti-la hoje… o Benfica ganhou ontem ao Madrid… não achas fixe?». Ela encerrou a conversa assim «olha bem para a minha viatura: parece-te um Seat Ibiza amarelo kitado, por acaso?» e eu fui vestir uma t-shirt cor-de-laranja.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As minhas férias - resumo de uma forma geral

Fui de férias. Estive verdadeiramente de férias. Acabou o Europeu e eu fui-me embora. Tirei férias do futebol, do desporto e até do Benfica (não d’ O Benfica; tirei férias do Benfica instituição que anima tradicionalmente as silly seasons, vendendo, anos a fio, o Cardozo e comprando, época após época, um defesa esquerdo, de preferência aquele argentino que joga na Rússia – não me lembro agora do nome dele… Laqualquer coisa, acho eu. Tem os cabelos compridos).

Estar de férias é uma condição instável. A noção de que a pessoa de férias está num ambiente paradisíaco, acordando, vivendo e adormecendo cheia de bonomia, é equivocada. A supressão de determinadas rotinas e confortos, tiques quotidianos, sítios, pessoas e objectos deve – tem de – ser compensada por novas formas de entretenimento ou distracção, um contexto esteticamente impressionante, quiçá exotismos que passem a ideia de que “esta não é a tua vida – mas não tem importância porque é melhor ainda” e outras patranhas que permitam ao indivíduo em férias manter-se são apesar de não ter horários nem fazer uso da sua chave de casa. Há quem aproveite para ler, para cozinhar, para apanhar sol, para jogar aquele jogo das raquetes ou à sueca, comendo e bebendo bem. Eu fui mordido por um cão, para começar.

Começar as férias com buracos no pulso e a mão direita pendurada – bizarro? Nem tanto. Chamemos-lhe “invulgar”. Em três semanas a situação melhorou bastante e as duas cicatrizes hão-de lembrar-me sempre os dias felizes que tive o privilégio de viver. Duas dentadas (o bicho também me furou umas costelas – mais uma cicatriz) são coisa pouca. Dois dias e vinte cañas sevilhanas depois já nem me lembrava do episódio domesticamente violento.

Do ataque selvático, há uma lição que retiro. Os cães, mesmos os domésticos, são bichos e os bichos são, por sua vez, animais. E nos animais nunca fiando. São criaturas nem sempre previsíveis ou controláveis, susceptíveis de se enervar. Um homem quando se enerva fica irritado; um animal quando se enfurece, ataca. Pelo menos com este foi assim. A parte boa é que não me atirei para o chão, a fingir que tinha desmaiado. Fui meter uns pensos e pronto.