quinta-feira, 28 de abril de 2011

Como o Leonard, seremos vencedores

Nos últimos tempos, tenho andado com o The Most Beautiful Woman in Town, do Bukowski. É boa leitura para as viagens de metro e para os tempos de espera. Mas tem um problema: gosto de andar sempre com o livro, o que só é possível se eu andar com mochila – a minha vida é complicada: com horários estranhos e fazendo contas ao imprevisível, trago sempre comigo um casaco, um caderno de apontamentos, um abre-cápsulas, duas esferográficas (por precaução), um cachecol, uma carteira de documentos, um envelope onde junto papelada para as finanças e um livro (ultimamente, o tal livro do Bukowski). Acontece que, nos jogos grandes, é muito difícil entrar no estádio com a mochila. A revista é demorada. Saio do trabalho à pressa e chego ao estádio em cima da hora, sem direito a paragem na roulote. E depois estou dez minutos a despejar e a revirar a mochila perante o olhar desconfiado de dois seguranças. Quando chega à parte do livro, estranham “você traz para aqui um livro?” e eu nunca percebo muito bem a estranheza: se lhes causa espanto associar leitura a futebol ou se lhes provoca preocupação a possibilidade de eu atirar uma encadernação em capa mole de duzentas e poucas páginas a partir de um lugar recôndito no terceiro anel. Pelo sim, pelo não, costumo dizer “não se preocupe, eu não o atiro aos jogadores, eles não sabem ler ah ah ah”. Nunca acham piada, enfim…

Decidi então não trazer a mochila em dias de jogos na Luz. É uma decisão que me custa, mas que faz sentido. Curiosamente, sinto-me descomprometido, como se estivesse de férias. A leveza de não ter coisas às costas é uma benesse que só experimento em tempos de desocupação e lazer (e, mesmo assim, nem sempre). Hoje, por exemplo, vim trabalhar como se fosse só ali beber um café, sem trazer “as coisas” comigo. Esta decisão de não trazer mochila em dias de jogo acarreta várias pequenas contrariedades. A maior das quais, claro, é não ter onde guardar o cachecol nem o livro. Obriga-me a organizar e seleccionar os objectos essenciais e indispensáveis para os trazer comigo. Este exercício de selecção deve levar em consideração apenas dois critérios: a portabilidade do objecto e o meu apreço pelo mesmo. E esbarro sempre no livro. O livro não é – estranhamente, diga-se – portátil: não poderia entrar no estádio com um livro na mão. O casaco e o cachecol resolvem-se com facilidade: visto um, ponho o outro pelos ombros e está feito. Mas o livro tem de ficar no meu trabalho, na minha secretária. O que implica que, no dia seguinte, eu não possa trazê-lo comigo quando for apanhar o metro a Santa Apolónia. Isto pode parecer uma questão menor, mas não é. Os tempos mortos nos transportes públicos desmotivam as pessoas, que eu bem vejo. A leitura é o grande escape à realidade deprimente de quem passa 30% da sua vida a esperar por coisas.
Toda esta situação levou-me a criar um sistema alternativo, a bem da minha sanidade mental e de uma certa coerência. Assim, em dias de jogo, não trago mochila e trago outro livro qualquer, que não seja o que ando a ler no momento. Não me custa, ao fim do dia, antes da debanda, abandoná-lo à sorte de uma gaveta de escritório. Não me custa porque não o conheço, li-lhe uma dúzia de páginas no próprio dia, não lhe tenho afecto. Encaro tudo isto como uma espécie de folga que dou, no caso, ao Bukowski. Hoje o Bukowsi está de folga porque joga o Benfica, pronto. É simples.

A semana passada, antes do Benfica – Porto, pus-me a olhar para a estante em busca de um livro que fosse fininho. Deparei-me com A Carta ao Pai, do Kafka. E até pensei comigo “ena, isto é completamente charmoso: cachecol do Benfica numa mão, Kafka na outra”. Pus-me a ler aquilo. É muito triste e angustiado. Muito deprimido. Quanto mais eu lia, mais insignificante e frágil me sentia. Logicamente, cheguei ao Estádio da Luz bastante desmoralizado. Quando o Júlio César defendeu aquela do Falcao, olhei para o ecrã gigante e li, alucinando, “Benfica 0 – Porto 1”, tal era a degradação do meu espírito. Quando o Porto fez o terceiro, senti-me impotente, incapaz de pontapear uma pedra do chão que fosse. Quando o Xistra assinalou penalty, primeiro não acreditei; a seguir, discordei da decisão; e, por fim, pensei sempre que o Cardozo ia falhar. Ele marcou e eu disse “oh isto já não dá tempo”. A Carta ao Pai ficou, nesse instante, fora do meu plano individual de leituras em dias de jogo. É uma situação muito estranha e desconfortável, isto de não ter fé nem esperança. Sobretudo quando se é Benfiquista – faz parte de nós acreditar sempre nas coisas, por exemplo, que o Benfica vai ser campeão europeu já para o ano. Eu acredito, na boa. Mas na quarta-feira passada não acreditava sequer que o Benfica eliminasse o Porto. E foi o que se viu.

Arrumada A Carta ao Pai, fui de novo à estante hoje de manhã. Mas desta vez não queria livros fininhos: para não deixar leituras a meio, para não me arriscar a depressões e para eliminar a possibilidade de remorsos futebolístico-literários, virei-me para a poesia. E se, anteriormente, fui desmoralizado por uma figurinha frágil, ridícula e desesperada como Kafka perante o seu pai, desta vez queria alguém potente, forte, confiante, glamouroso, positivo. Ou seja, o Leonard Cohen no seu Livro do Desejo. É pena pesar quase dois quilos. De resto, é uma maravilha. Curiosamente, assinalei uma passagem que tem o seu quê de inspiradora:

Demora-te bastante com a tua raiva,
dorminhoco.
Não a desperdices em motins.
Não a embaraces em ideias
.”

Não sei muito bem o que quer dizer, mas acho que é bom. E não sei se não será uma dica para o Carlos Martins – não rebentes logo com tudo, malandro; vai gerindo as bombas; não aleijes os adversários com pontapés; marca golos devagarinho, que também dá. Eu acho que é isto.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Por uma questão de prestígio

Deixa ver se eu percebi: como a Taça da Liga só vai na 4.ª edição e o Porto já estava fora da competição e o troféu era preto e o Lucílio Baptista assinalou mal um penalty há três anos atrás e o adversário desta vez era o Paços de Ferreira, o Benfica deveria ter feito de propósito para perder o jogo no sábado, é isso?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

É complicado…

… são muitos pensamentos e temas e a cabeça não está devidamente lúcida ou fresca para organizar tudo num discurso escorreito, coerente e pertinente. Isto só vai lá com tópicos. E mesmo assim, não prometo grande coisa.

Peseirismo. É um síndrome que afecta treinadores vacilantes com falta de noção da realidade. O sintoma é fácil de identificar: perante a dificuldade de colocar as coisas em perspectiva e de se colocar a si mesmos no devido lugar, tendo, em simultâneo, consciência das capacidades, qualidades e defeitos da equipa que comandam e dos jogadores que têm à disposição, os treinadores peseirosos tendem a teimar nas más ideias julgando que será daí que advirá o milagre, o toque de génio, o gesto brilhante, a adivinhação do mestre ungido. Não é. A formação académica, a perspicácia, a astúcia, a humildade e o estudo são muito mais milagreiros. O peseirismo ainda não tem antídoto.

Objectivos. São coisas que as equipas têm no princípio de cada época. Por exemplo, no início desta, o objectivo do Benfica era ser bi-campeão. Quando se cumpre um objectivo, tem-se a liberdade para determinar um “sonho”. Por exemplo, se o Benfica fosse bi-campeão, poderia “sonhar” com a dobradinha, o triplet ou com o campeonato e a Liga Europa. Há várias conjugações possíveis. Quando o objectivo não é cumprido, mas o esforço e os méritos da equipa permanecem intactos, em certos casos excepcionais, permite-se que essa mesma equipa tenha “sonhos”, na mesma. Por exemplo, não sendo bi-campeão, mas chegando à final da Taça de Portugal, o Benfica poderia “sonhar” com a conquista da Liga Europa, adicionando-lhe o pequeno bónus da conquista da Taça da Liga. Quando não se cumprem objectivos, nem sequer os mínimos, os “sonhos” tendem a transformar-se em “obrigações”. Por exemplo, quando o Benfica é eliminado em casa pelo Porto na meia-final da Taça, depois de entrar em campo com uma vantagem de 2 a 0, é “obrigação” do Benfica chegar à final da Liga Europa e ganhar a Taça da Liga. Acima da “obrigação”, como novo “objectivo”, o Benfica tem a conquista da Liga Europa.

Relatório e contas. Vou fazer, em tempo real, a minha contabilidade de jogos Benfica – Porto a que assisti no Estádio da Luz. Benfica 0 – Porto 5; Benfica 0 – Porto 1; Benfica 0 – Porto 1; Benfica 1 – Porto 2; Benfica 1 – Porto 3. Acho que me está a faltar algum. Eu não quero meter nervos a ninguém, mas não era suposto a gente ganhar-lhes quando os recebe em casa, pelo menos? É que isto começa a parecer-me um pouco exagerado. Em duas semanas e meia, fui ao meu estádio ver os meus rivais fazer a festa. Penso que não é necessário explicar e aprofundar sobre a gravidade da situação.

Aimar. Disse Jesus “faltou-nos criatividade ofensiva”. Ai sim? I wonder why… E em seguida acrescentou “e depois olhei para o lado, isto já passava das dez da noite e então é que vi aquele pequenito, franzino, ali no banco dos suplentes e então lembrei-me ‘olha, tu aqui? Vai lá para dentro rapaz’”. Jorge, se fosses meu filho, levavas dois tabefes.

Piquenique. Os 15 euros que seriam investidos em vinho tinto, febras, batatas fritas de pacote e minis estão devidamente depositados no Sport Lisboa e Benfica – em troca de um bilhete para quinta-feira. Quem vai ao Jamor, vai a Dublin. Diz que lá também há muita mata com boas clareiras.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Eu assumo o compromisso!

Se há coisa que me entristece é nunca ter ido ver uma final da Taça ao Jamor. É certo que ultimamente não têm sido muitos os motivos capazes de me levar até ao Estádio Nacional – a última final do Benfica foi em 2005 (e Fyssas, o grego, ficará na história do clube graças à exibição monstruosa dessa tarde, em que também Moreira fez questão de brilhar e deixar provado que Quim era mais guarda-redes do que ele, mesmo usando só a mão esquerda). Jogava o Benfica e a ementa era a tradicional “dobradinha” (há quanto tempo os Benfiquistas não degustam uma…) - no fim, deu choco frito. Enfim, não fui. Hei-de ter tido boas razões, suponho. Talvez um sonho premonitório. Não me admirava, não seria o primeiro nem o último.
Ainda assim, o ano passado estive vai-não-vai – porém, não fui. Não é segredo para ninguém que nutro grande simpatia pelo Desportivo de Chaves e, ainda mais, por uma boa feijoada à transmontana. Mas o apelo flaviense esbarrou-se-me naquele pensamento mesquinho “meh, pagar para ver os outros ganhar outra vez? Era o que me faltava” e assim fui à Costa da Caparica, para longe de telefonias e internets e ainda hoje não sei quem ganhou a Taça e nem quero saber.
Este ano estamos a um passo de reservar lugar no palco da maior festa do futebol português. O mais difícil está feito, pelo menos. E eu, que ando supersticioso de há uns tempos para cá, quero assumir aqui um compromisso – não lhe chamo “promessa” porque o termo me soa sempre demasiado Católico e eu não misturo outras religiões com Benfiquismo. Comprometo-me, portanto, a ir ao Jamor ver a final da Taça de Portugal caso o Benfica elimine o Porto. Mais, fá-lo-ei como qualquer Benfiquista que se preze o fará: de orgulhoso bigode. E não fica por aqui: reúno companheiros de aventura, vamos pela fresquinha, levamos geleiras, Camping Gas, grelhadores, carvão, cadeiras de campismo, guarda-sol, minis, vinho tinto, febras e entremeadas. Fica aqui a minha palavra. Quem quiser juntar-se à excursão, é inscrever-se aqui na caixa dos comentários.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Vamos lá ser homenzinhos!

Tremer das pernas. Se não fores demente ou psicopata, hás-de saber do que falo. Às vezes acontece. E acontece até a quem os tem bem no sítio – ser bravo e ter coragem não é necessariamente o mesmo que ser estúpido.
O ser humano inteligente aprende com o erro. Sabe o que o pode ou não magoar. Se fores uma pessoa que precisou de pisar duas vezes os dentes de um ancinho, podes parar de ler, estás dispensado.
O Benfica tem uma equipa de seres humanos inteligentes. Bom, não diria que o grupo se constitui exclusivamente de seres humanos inteligentes. Mas digo abertamente que, tirando um ou dois Luís Filipes, não se trata de um grupo, digamos assim, burro. Se isto não fosse verdade, não seria possível praticar a defesa em linha, a armadilha do fora-de-jogo, as triangulações atacantes ou compreender que se vai ser substituído olhando para a placa do quarto árbitro, no caso de César Peixoto.
Este ano, em quatro jogos com o Porto, o Benfica perdeu três. Na Supertaça, ficou dois a zero mas perceberam-se as diferenças entre as equipas. Na segunda volta do campeonato, perdeu em casa quando tinha obrigatoriamente de ganhar, sob pena de ter de banhar um adversário apagado. O outro não vi. Para a Taça – aquele que hoje nos interessa – ganhou sem espinhas no Dragão.
Agora, ao quinto confronto – que eu espero que seja o penúltimo da época -, aposto que, naqueles primeiros dez minutos, as pernas lhes vão tremer. E aposto que o Villas-Boas sabe muito bem disso. Eu vi contra o PSV. Dois deslizes e a eliminatória ficou por um fio. Felizmente, o PSV foi a equipa mais fraca que o Benfica apanhou, quer na Champions Liga, quer na Oroliga. Mas o Porto não é o PSV.
Temos dois golos de vantagem. Temos a eliminatória na mão. E temos tudo a perder. Eles não. São campeões e mais uma fruteira, menos uma fruteira, pouca diferença lhes fará. Eles vêm disputar a eliminatória só pelo gozo de impedirem que cheguemos ao Jamor. E, há que dizê-lo, eles jogam bem. Tanto em futebol quanto em andebol. E depois ainda têm aquele gajo que, confesso, me impressiona: Falcao. E nós temos o Jardel para o marcar.
Portanto, este é o cenário. Se o resultado da eliminatória é, neste momento, francamente positivo, o meu optimismo não está no máximo do seu expoente. Posto isto, espero que a equipa se prepare muito seriamente para quarta-feira. Com muita concentração. Têm a obrigação de conhecer bem as forças e fraquezas do adversário – e há pontos fracos neste Porto. Espero que a defesa não entre macia e que o meio-campo esteja esfomeado. E espero ainda mais que Jorge Jesus não altere o seu jogo em função do jogo do adversário. A vitória no Dragão foi conseguida sem cedências ao esquema portista. Também é sabido que não será espanto se eles alinharem com 14, portanto, os nossos 11 têm que se desdobrar para compensar a prestação de defesas com a eficiência de um Nuno Roque, por exemplo. Temos de ser ambiciosos. E as pernas até podem tremer um bocadinho. É humano. Mas mariquice a mais é que não. É ir para cima deles logo que haja espaço e matar a eliminatória com golpes certeiros. E continuar. Não parar. Sempre para cima, sempre com garra, sempre a tentar. De perto, de longe, de lado, de frente. É para ganhar. É deixá-los de tal maneira que as pernas lhes tremam daqui até Dublin!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dublin

Tenho estado calado porque ando a reunir coisas para dizer. Por outro lado, gostei muito do meu último texto e, assim, ele ficou mais tempo em exposição. Pena que tenha sido lido por apenas 200 ou 300 pessoas. Contava que, graças ao texto, me surgissem propostas e convites para escrever sobre futebol e ser remunerado para isso. Debalde. Três comentários simpáticos e a minha mãe toda contente por causa de eu lhe ir dar um netinho antes de ela fazer setenta anos – e ainda por cima gosta do nome Xavier – foi o melhor que consegui. Enfim, o mundo é um lugar muito injusto.
Ora, Dublin. O leitor médio lerá esta palavra como “doob lim”. Convém esclarecer que tal constitui um equívoco. É para se ler em inglês, “dâ-blinn”. É o nome duma terra.
Eu hoje até queria falar de coisas e pessoas palermas. Andei a acumular impropérios para qualificar Bruno César, novo craque da ponte aérea do meu coração. Mas ficará para outra ocasião, quando tiver a cabeça limpa de preocupações com a Euroliga. Também pensei em falar do Sérgio Bordalo que disse palermices na Benfica TV – e dos critérios da própria Benfica TV para empregar pessoas. Mas nem vou perder tempo com isso (embora haja uma coisa que me intriga: como é que alguém consegue tentar ser ofensivo para Pinto da Costa sem conseguir, em simultâneo, ter um pingo de piada? Julguei que fosse impossível.).
Porém, falarei sobre Dublin. Tem um estádio porreirinho, para começar. Um campo que, em vez de relva, tem um tapete de trevos que é cuidadosamente aparado por pequenos duendes que são pagos com potezinhos de ouro. Vive-se muito bem naquela terra, não é como cá, que tenho de jogar futebol de sete em relva sintética e contra amadores. Nada disso, lá leva-se a bola muito a sério.
Dublin tem coisas em comum com Lisboa. Não tem sardinhas, mas cerveja não falta e fica à beirinha da água, por exemplo. Tenho esperança que em breve a bonita Dublin, terra onde James Joyce aprendeu a ler e a escrever com os resultados que se viu, que ninguém percebe nada do que o homem diz, venha a ter mais coisas em comum com a bonita Lisboa, cidade onde, felizmente, os nossos escritores aprendem o alfabeto com resultados francamente positivos, se comparados com os da Irlanda como o outro, o Beckett. Por exemplo, gostava que o Benfica passasse a fazer parte da história de Dublin, que ficasse no coração daquelas pessoas ruivas, sardentas e alegres, sempre a cantar os Pogues. Já estivemos mais longe.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Carta ao Filho

Lisboa, 8 de Abril de 2011

Xavier Pedro,

Escrevo-te esta carta mais ou menos três anos antes de tu nasceres, se tudo correr como planeado. Se saíres ao pai, serás capaz de lê-la integralmente em 2016 ou 2017. Mas, por essa altura, ainda não terás maturidade suficiente para começar a entender a importância do que aqui te digo. Demorarás mais algum tempo até poderes conceber a magia e a beleza que a seguir te descrevo. Contemos que estejas apto para começar a interiorizar este espírito por volta de 2022. Não quero pressionar-te. Leva o teu tempo. Relê quantas vezes forem precisas. Conto estar cá para te explicar cada detalhe, para dissipar cada dúvida tua. Mas, se o destino assim não mo permitir, peço-te que busques, pelos arquivos, os jornais desportivos com a data desta carta.

A paixão clubística não tem método nem explicação. Suponho que varie de indivíduo para indivíduo. No meu caso, a herança foi importante. Os meus pais – teus avós – afirmam que a primeira palavra que eu disse foi “Nené”. Não sei se é verdade. Mas, a sê-lo, tal terá sucedido porque “Chalana” não é palavra fácil de pronunciar para uma criança de 17 semanas.

Quero dizer-te que o nosso Benfiquismo é de linhagem e que lutar contra essa paixão que sentirás no sangue de forma cada vez mais intensa será uma perda de tempo. É genético, Xavier. O Benfica não é o teu clube; tu é que pertences ao Benfica. O Benfiquismo não é uma ciência nem é uma escolha. É como que um dom e uma fé; e, às vezes, um castigo que deverás aceitar com orgulho e com esperança.

O meu Benfiquismo foi, nos primeiros tempos, conduzido e educado pelas duas únicas figuras com autoridade para o fazer: o meu avô Domingos e o meu pai. Com o primeiro, ouvi os primeiros relatos de bola, aos domingos à tarde, na telefonia a pilhas. Íamos todos para o pinhal e levávamos uma bola. Eu dava os primeiros chutos inconscientes e aborrecia-me que o meu avô parasse de jogar comigo porque se sentava a escutar o relato. Mas, com isso, aprendi a ouvir e fui fixando os nomes dos jogadores. Lembro-me de ouvir um nome que me encantava: Strömberg. Sempre que o ouvia, dava-me vontade de rir, achava o máximo – imagina um rapazinho de três ou quatro anos a ouvir “setrombérgue” no rádio… muitas das vezes, essa palavra cheia de graça era precedida por um grito que, aos poucos, foi ganhando o meu amor: goooooooooooooloo!. Agora que lês esta carta, saberás a que me refiro e hás-de o ter gritado muitas vezes, tenho a certeza.

Com o meu pai fui ver os primeiros jogos de futebol. Foi com ele que entrei no Estádio da Luz pela primeira vez – e pelas imediatamente seguintes. Com ele, pude ir percebendo a grandeza deste teu clube. Era um Estádio muito grande! Muito claro, destapado, à chapa do sol – o futebol, nesse tempo, jogava-se de tarde. As pessoas levavam buzinas e tambores, frangos e batatas fritas, garrafões de vinho e almofadas de sentar. Bandeiras, chapéus, bebiam-se minis e sumóis. A estátua da Águia, do mestre Soares Branco, ainda era novidade na casa. O primeiro jogo que vi foi um Benfica – Setúbal. Mal me lembro. Recordo-me que havia o Bento na baliza, o tal Nené, o Chalana e o Humberto. O primeiro jogo de que me lembro com grande detalhe é de um Benfica – Sporting de Espinho (os “tigres”), que ganhámos por um a zero: o Valdo bateu o canto, isto já pelos oitenta minutos, e o Ricardo Gomes recebeu no peito levantando com mestria para a cabeça, matando em seguida com um golpe fortíssimo, uma “testada” severa e potente que não permitiu defesa ao pequeno Silvino (não o que viria a ser do Benfica; outro, que devia ter pouco mais de um metro e setenta, mas que parecia de borracha!).

Pela altura em que lês este humilde testemunho com entendimento e consciência, conto já ter-te mostrado muito do Benfica e espero que o teu avô já tenha ouvido relatos contigo precisamente no mesmo sítio em que o meu os ouviu comigo. Mas não posso deixar de escrever-te neste dia que é de grande alegria. Ontem foi um dia histórico para mim. Vencemos aqueles que nos impediram, em 1988, de sermos tri-campeões europeus. Fomos esmagadores, embora perdulários (podíamos ter marcado o dobro). Era o PSV Eindhoven, uma equipa que nunca – NUNCA! – poderia, em toda a história, ter sido superior a nós mas que, nessa tarde longínqua de Estugarda, nos tirou a mais bela das taças sem nunca a ter merecido. E ontem o Benfica explicou ao PSV o seu lugar no mundo. Jogámos tão bem, Xavier. Quero que saibas que temos nesta equipa, de 2011, jogadores maravilhosos como Fábio Coentrão e Maxi Pereira, gigantes daqueles com que a história benfiquista sempre foi feita. Homens de grande talento, como Pablo Aimar, Javier Pedro Saviola ou Eduardo “Toto” Salvio, cujo toque de bola pode ser invejado em qualquer era deste desporto, em qualquer canto do mundo. Temos patrões lutadores, homens que são a espinha dorsal da equipa que me orgulha com todo o mérito e dedicação: Luisão, o nosso capitão – exemplo raro de entrega e antiguidade no clube - e Javi Garcia, um portento que veio de Espanha e que é uma muralha e que abre os braços e empurra a equipa só com o espírito e estica as pernas e aniquila as intenções do adversário mais afoito. Tenho muito orgulho neles. Deixam-me muito feliz. E eu queria que tu soubesses disso.

Quando leres esta carta, a grande parte desta equipa já terá pendurado as botas. Mas há dois que são jovens e tenho esperança que, em nome destes tempos bons que hoje vivem, queiram terminar a sua carreira com as nossas cores. Falo de Coentrão e de um que é suplente, mas que tem uma fibra ímpar, que se chama Franco Jara. Se algum deles ainda estiver na equipa quando leres este texto, orgulha-te deles. Mesmo que já lhes faltem as forças, aplaude-os com todas as tuas forças sempre que subirem à relva: eles já deram muitos momentos felizes ao teu velho pai.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Onde é que é mesmo o interruptor?

Passados quatro dias do maior acontecimento desportivo nacional - o apagão da Luz -, tenho a dizer o seguinte:

senhores da moralidade, do fair-play e do bom perder/bom ganhar: se eu pudesse, desligava-vos. O que dizem e escrevem acerca do assunto é tão banal, tão repetitivo, tão cliché, tão óbvio e tão do senso comum que qualquer dirigente portista seria capaz de o enfatizar num discurso de inauguração de uma casa do Porto em Vilarinho das Furnas, já depois da meia-noite. Estou capaz de ter uma quebra de tensão da próxima vez que ler uma analogia entre o apagão e a birra do dono da bola nos jogos de rua. Se não conseguem ser criativos, façam, pelo menos, uma coisa: leiam-se uns aos outros e evitem repetir o que já foi escrito. A leitura de um jornal desportivo supostamente diário pode tornar-se maçadora quando um leitor se depara com a mesma frase pelo quarto dia consecutivo.

Para quem não entendeu a ideia do obscuro fenómeno de domingo, eu deixo aqui um sublinhado que poderá auxiliar uma interpretação mais perspicaz. Os mentores do banho romântico não carecem de educação; dispensam lições de boas maneiras; sabem distinguir o bem do mal; têm noção perfeita do que são o bom e o mau gosto. Mais: é precisamente por isto que decidiram fazer aquilo a que na minha terra se chama "meter nojo". Portanto, esqueçam a vossa veia catequista. Ignorem o vosso impulso moralista. E, sobretudo (embora só para alguns), ultrapassem a vossa barreira hipócrita. Ninguém se magoou. Os portistas tomaram um bom duche e tudo. A claque cantou e os festejos não pararam - até souberam melhor, de certeza.

Não me obriguem a ler exclusivamente o José António Saraiva, essa excepção ao comentariozinho da moda. O texto do homem é sobre os literalmente anões do Benfica e os literalmente gigantes do Porto. E faz um alusão á Branca de Neve. Vá lá, por favor...

segunda-feira, 4 de abril de 2011

“Ai que apagaram a luz, que maus perdedores, os malcriadões”

Opá, foda-se!... Desculpem lá os mais sensíveis, mas isto hoje ao nível do vocábulo não vai ser virginal, acordei um bocadinho maldisposto. Vamos lá ver se entendi: uma pessoa vai ao Estádio ver o Benfica defender a honra impedindo que os gróvios venham cá para baixo fazer a festa, não é? E vai daí, não conseguimos. Ora, isto aborrece. Uma pessoa não fica propriamente contente. Depois, eles começam naturalmente a festejar e isso nem tem mal nenhum, é um direito e quando se ganha a gente festeja. Mas, ali, no calor do momento, o que é que um gajo pensa? “E se fossem festejar pó caralho, pá?” É ou não é? O meu pensamento, pelo menos, foi esse.
Desligam-se as luzes, liga-se a rega. Para se ser mesquinho, para se fazer birra, para se tentar inconsequentemente estragar-lhes a festa. Eles estão-se positivamente cagando, são campeões e festejariam até numa piscina de esterco – e não estou a insinuar que o Porto tenha, realmente, uma; isto era meramente hipotético. Sim, eu já sei, foi mau perder e foi birra e só nos fica mal e eles vão gozar, ai Jesus, que coisa tão grave. E vamos ter de aturar o chocarreiro do presidente com as suas tiradas brejeiras, perdão, com o seu “humor de fino recorte” e a sua “exótica ironia”. E então? Vocês não acham que eu quero que isso se foda?
Se estou aziado?! Epá, o que é que acham? Eu tenho esse direito! Eu sou Benfiquista e não gosto de perder, ok? Não me peçam para ser razoável. Posso ficar chateado e de trombas, sim senhor! Eu pago quotas, está bem? Eu posso.
Mas queriam o quê? Que depois da ensaboadela de bola, reagíssemos com uma lição de elevação e etiqueta? Oh, meus amigos, as vitórias da moralidade e das boas maneiras só têm direito a vitrine do outro lado da Segunda Circular. Aqui o povo é mais terra-a-terra: quando se ganha, festeja-se; quando se perde, uma pessoa fica assim, neste estado.
O futebol é um anexo da vida real. Da mesma maneira que a bola não serve para andar à porrada e a matar gente por clubismos exacerbados, também não deve servir de redoma e reduto da moralidade e do bom senso. É só um jogo, camaradas. Um jogo de paixões e de clubismos. Não é um campo de guerra nem uma igreja sagrada: é um campo onde homens jogam virilmente à bola e milhares de apaixonados momentaneamente enlouquecidos vibram com isso. Não me peçam que, no momento a seguir à entrega, em mãos, das faixas de campeão – com aquele auto-frango do Roberto, caralho! -, eu fique muito educadamente a contemplá-las e a dizer “ai, que bem que lhes ficam”. Metam as faixas no cu, pá.
E, já agora, parabéns, pronto. Foi merecido. E isso ainda me chateia mais.