sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A marca da Vitória

Não sei bem por onde começar. Tenho passado o meu tempo de frente para o futebol, a vê-lo, a lê-lo e a escrevê-lo. O futebol é este meu ecrã e podia perfeitamente chamar-se Clube Desportivo Samsung (era o mais barato) ou Windows 8 Football Club.

É curioso que esta apropriação do futebol sobre mim tenha resultado num esfriar de relações entre mim e o Benfica. Não se trata de um distanciamento real, eu continuo lá, no Estádio, e continuo atento, mesmo quando estou longe. Mas tornou-se mais complicado escrever apaixonadamente sobre o assunto que mais me encanta.

Às vezes, algumas pessoas perguntam-me se vou acabar com o blogue. A pergunta é pertinente, até porque este ano tem sido, para mim, de roturas e desfechos mais ou menos bruscos. Às vezes, é preciso acabar com coisas, fechar ciclos, bater com portas, para ganhar um novo fôlego e algum balanço, para experimentar novidades. Resumindo, a rotina começava a entediar-me.

Mas não, não vou acabar com o blogue. Por quem sois, o nome disto é o meu número de sócio, faz parte da minha identidade, caramba. Na carteira, faz mesmo parte da minha identificação. Aliás, a minha identificação foi reforçada com um Redpass, que ocupa um lugar na hierarquia dos documentos à frente do Cartão do Cidadão, do Visa Electron e do cartão da Multicare, ao qual quase não dou uso e devia, que tenho um tratamento dentário a meio do caminho e esqueço-me sempre de marcar a porra das consultas, ainda bem que agora falo nisso, vou já tomar nota. Mas não vou pôr aparelho, não é isso: os dentes continuarão tortos - endireitá-los seria tornar-me um desconhecido perante mim mesmo, seria um transtorno da minha própria identidade quase tão grave quanto a anulação do meu número de sócio.

A minha estreia com o Redpass foi promissora: chego ao meu lugar, sector 6, 3.º anel, mesmo na curva por cima do sítio onde o Aimar batia os cantos - em todos jogos ainda espero vê-lo pegar na bola, tomar balanço e lavantar o braço, depois correr e chutar para a entrada da área, onde aparece o Gaitán a rematar de primeira, sem deixar bater -, e deparo-me com uma valente cagadela de pássaro - mas de um pássaro grande, forte, poderoso e belo - na minha cadeira. Já não era fresca, mas ninguém tratou de limpar e, como ainda não tinha chovido porque era Verão - foi no Benfica - Gil Vicente -, as marcas ainda lá estavam, com todo o contorno e preenchimento. Pensei para comigo ai, Vitória, Vitória... 65 mil luares no Estádio e foste logo escolher o meu, minha querida e a seguir sentei-me na minha magnífica poltrona encarnada com vistosa lista branca.

A verdade é que o Benfica ganhou dois a um, virando o resultado nos descontos, quando já muita gente acenava lenços brancos de papel, os mesmos com que alguns acabariam por secar as lágrimas de felicidade.

Os lenços brancos continuam por aí, em bolsos mais ou menos nervosos. O Benfica não nos descansa e a gente não dá descanso ao Benfica. Uns assobiam, outros pedem cabeças. O Presidente Vieira faz dez anos de poder, o Jesus vai a caminho dos cinco de comando no terreno, as vitrines estão pouco mais preenchidas do que estavam nos dias em que cada um deles chegou ao seu cargo. Isto, posto assim, sugere que a rotina está a pedir quebra. De qualquer modo, a época parece-me sem remédio, não nos vejo com alma fresca o suficiente para voltar àquele ponto maravilhoso em que nos encontrávamos a 5 de Maio de 2013.

Bom, mas hoje joga o Benfica e tudo o que eu tenho é saudades de vê-Lo jogar.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dormir mal faz-me sonhos bizarros

Estava a chover e era de noite e eu não sei muito bem o que estava ali a fazer. Enrolei um cigarro encostado a uma árvore que me abrigava, ainda que precariamente. Um carro vermelho, vim a perceber depois que era um El Camino, parou do outro lado da estrada. Lá dentro vinham duas pessoas. O condutor saiu. Alto, de calças de ganga e t-shirt preta, fechou a porta com força e dirigiu-se a mim. Era o Tacuara.

Primeiro, fiquei confuso «Cardozo? Oscar Cardozo?!» e ele «si, si» e depois o telefone dele tocou. Atendeu e, pela conversa, percebi que se tratava de uma negociação. Mais precisamente, da sua própria transferência. Falava numa espécie de português com pronúncia espanholuguaia. «Vais-te embora? Vais deixar o Benfica?». E ele «si, si... estoy muy feliz. Vou para el Sporting». Ri-me bastante, pensei que era piada. «Verdad. Vou para el Sporting». Contemplei-o enquanto tentava processar a informação. Pediu-me que lhe enrolasse um cigarro. Fiz-lhe um cigarro.

«Estás a gozar... Vais para o Sporting fazer o quê?» Acendeu o cigarro e, com uma expressão muitíssimo feliz, disse «pagan muy bien» e sorriu enquanto travava o fumo - com demasiada força, na minha opinião; era apenas um Golden Virginia, não era skunk nem nada disso. Tentei dissuadi-lo. Perguntei-lhe quanto pagavam «oh, no voy a dicer... es mucho. Mucho mucho».

Tentei manter-me calmo e bem-disposto, brincar com a situação. Fumávamos os dois, sorridentes, a chuva caía, o outro ocupante do El Camino - pareceu-me ser uma mulher, mas só lhe vi a silhueta - fez sinais de luzes com impaciência. O Tacuara nem ligou. Aliás, até se riu. Lembro-me de ter ficado surpreendido, de o ter achado muito mais espirituoso do que alguma vez imaginara. Ele, que é carrancudo até quando fuzila um guarda-redes adversário, era afinal um tipo sorridente, com alegria - uma alegria suave, sem excessos; mas uma alegria boa, poderosa, confiante.

Foi então que lhe disse «Vou fazer um telefonema, vou ligar para Lisboa. Conheço gente capaz de te impedir de fazeres uma loucura dessas». Ele riu-se de novo, com gentileza. Atirou o cigarro para o chão e pisou-o para o apagar, embora a chuva pudesse ter tratado do assunto por ele. Despediu-se de mim e, enquanto se dirigia para o carro, dei por mim a fazer o telefonema «Pai?... ó pai, fogo, o Cardozo diz que se vai embora...» Ligou o carro e arrancou.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Mistério

Assisti ao jogo de sábado num restaurante ali perto do Campo das Cebolas. Ao jantar, éramos dois Benfiquistas, uma sportinguista, um belenense, um adepto do União de Coimbra - não sei como se designam os adeptos do União de Coimbra - e um número indefinido mas bastante generoso de adeptos portistas. Eram seis ou sete, talvez.

A constituição das equipas prenunciava um derby atípico: de um lado, havia mais portistas do que Benfiquistas e sportinguistas juntos; do outro, o Cortês era titular.

No final do jogo, antes de ir beber uma poncha, comentava com um dos portistas que aquilo que mais procuro enquanto apaixonado do futebol é, precisamente, a origem dessa paixão - ao mesmo tempo que o que mais me maravilha na minha paixão pelo futebol é exactamente a impossibilidade de a explicar e de lhe identificar a origem. O que me move é também o mistério disto de ser Benfiquista - essa maravilhosa conjugação genético-temporal que impediu que eu tivesse morrido antes de 1908.

Ontem passei o meu dia a colher a sementeira da noite anterior, tanto ao nível de paixão futebolística quanto das consequências dramáticas de uma poncha feita com sabedoria e sem delicadezas. Não sei se me doía mais a cabeça de pensar no jogo ou de ter bebido um terceiro copo.

Ainda ontem um amigo Benfiquista debatia comigo, via facebook, a tremenda pobreza deste derby. Contrapus que o jogo não fora mau e que o resultado me parecia justo, ao que ele respondeu sabiamente «o que mais me desilude num derby é que ele seja justo e como se espera». Hoje foi outro amigo que se insurgiu contra a falta de sal que este jogo, outrora maravilhoso, apresenta nos tempos recentes.

E a verdade é que a bonomia de que este derby - O Derby! - se revestiu vai contra a essência de alguns dos ingredientes que, seguramente, compõem o mistério por que me apaixonei nem sei bem quando, provavelmente ainda antes de ter nascido.

Dantes eu tinha nervos nas semanas que antecedem o jogo. Agora, sinto um leve aperto no estômago durante os primeiros minutos da partida, que é normalmente o período em que os jogadores adversários têm pernas. Mas depois passa-me. Pior ainda é chegar ao fim e ficar mais ou menos indiferente ao desfecho do jogo - «vá lá, o Markovic marcou, foi um grande golo e tal, empatámos, não é vergonha para ninguém» - e fico absolutamente desiludido comigo porque este sempre foi para mim O jogo dos jogos.

Não sei se o mal está em mim, mas sei que já não encontro mal neste jogo. O mal era um ingrediente vital, era a matéria pulsante que nos fazia vibrar. Eu não quero empatar um a um com o Sporting - se for para empatar, que seja dez a dez que é para eu ver esses gajos, pá, ir apanhar a bola dez vezes ao fundo da baliza. Andamos simpáticos, andamos meigos. Gosto muito de nos ver a todos civilizados e folgo em saber que os dois rivais conseguem ser rivais sem andar à porrada. Não é disso que estou a falar. Falo de uma atitude de cada adepto para consigo próprio. Talvez nos ande a faltar a chama que incendeia aqueles jogadores e os faça sentir que Aquele jogo não é um jogo qualquer.

Dou por mim a ter mais receio de ir à Madeira do que de ir a Alvalade, dou por mim a ver O derby entre portistas, dou por mim a não ter dores de barriga, dou por mim a ter mais incertezas quanto ao resultado que faremos em Coimbra do que ali e isto tudo amolece-me. Já não espero golear em Alvalade como não espero ser goleado. Já considero improvável que o Benfica perca. Mas, pior ainda, é constatar que os resultados destes derbys modernos se adequam, quase sempre ou pelo menos dentro de um limite razoável, ao futebol que foi praticado no campo. Isso pode ser justo mas eu aqui trocava a justiça por uma surpresa que me deixasse de rastos ou que me levasse às nuvens.

Se eu quiser ver justiça, vejo as séries da noite na SIC e na TVI. Se eu quisesse ver coisas adequadas, comprava um aquário e punha lá dentro dois peixes dourados. Eu quero ver é futebol por outra razão qualquer, que eu desconheço mas que me apaixona.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Episódios de uma barbearia de bairro

E discursava o barbeiro, como um sábio, de roda de um senhor de meia idade que aparava um corte muito clássico

-... porque a nossa equipa... ahn, ao contrário da deles... o nosso grupo nota-se que está unido. É um bom grupo...

Ao fundo da barbearia, folheando distraidamente A Bola, diz outro senhor

-Mas qual grupo? Não encontro o vosso... Já li isto de uma ponta à outra...

-Ó homem, o grupo... a equipa.

-Os grupinhos é que dão cabo das equipas. (sempre a ler o jornal, sem levantar os olhos do papel) No Benfica foi o dos russos, primeiro. E depois, foi o dos afilhados do Artur Jorge... esse filho de uma puta de média dimensão - porque naqueles genes, nada pode ser grande.

-Então, ó sôr Abílio... (tudo isto dito entre longas pausas, prolongadas por um sorriso desdenhoso que se intrometia na frase como um sinal de pontuação) e para amanhã, está com fé?

O barbeiro lançou ao sôr Abílio a pergunta, o olhar e o sorriso como três setas de pigmeu e suspendeu o tchic tchic tchic das tesouradas. O sôr Abílio nem levantou os olhos da página de jornal

-Este Rui Moreira... é um miserável, pá... Consegue ser pior que o outro bêbado. Esse ao menos... a gente dá o desconto.

-E o derby, sôr Abílio? O nosso derby? Não me diga que está com medo...

Houve um momento de suspensão, como se o universo de toda a barbearia tivesse sido castigado pela comissão disciplinar: nada acontecia. Até que o sôr Abilio fechou finalmente o jornal.

-Queres com Cardozo ou sem Cardozo?

Tchic tchic tchic tchic tchic tchic tchic tchic...

domingo, 25 de agosto de 2013

Da dificuldade de compreender o que é paradoxal e da impossibilidade de aceitar o que é inaceitável

«O Rodrigo?!... Oh, o Rodrigo é o melhor marcador de todos os tempos lá dos sub-21 espanhóis, mas tu já viste aquela equipa? Aquilo é uma equipa de sonho. Com aquela equipa, qualquer um é o melhor marcador de todos os tempos!»

Ouvi a frase à saída do Estádio e achei que era minha obrigação partilhá-la, registá-la, deixá-la para a posteridade. "O Benfica", esse conjunto heterogéneo, essa multidão diversa e dispersa, essa tribo sem raça, é constituído por muitos Benfiquistas diferentes. Para o bem e para o mal. Foquemo-nos no mal: há raciocínios singulares que, quando extrapolados, podem explicar muitas reacções da massa que compõe "o Benfica". Como é evidente, não confio muito na democracia. É uma ferramenta torta, enviesada.

Não consigo aceitar lenços brancos que se tiram do bolso quando se está a perder e que são euforicamente atirados ao ar no momento do golo. Não posso aceitar. Manter ou despedir um treinador é uma decisão fundamental para o destino do Clube, para o futuro da equipa. Não podemos ser levianos nem distraídos nem voláteis: temos de ser convictos. Não se trata de defender Jesus (que defenderei se achar que é possível ele ter mão na equipa - tenho dúvidas sobre este assunto) ou querer que Jesus saia (uma "refrescada" no balneário seria benéfica, caso se verifique que o treinador perdeu controlo - mas também não tenho a certeza que Jesus tenha perdido o pé); trata-se de exigir seriedade aos Benfiquistas. Eu sei que cada um pensa e diz aquilo que quiser. Pois bem: era isto que eu queria dizer, não me levem a mal.

Maxi, Lima e Cortês. Cortês não é apenas cortês: é um gentleman dos pés à cabeça, embora lhe falte qualidade, tanto nuns quanto noutra. Mas é gentil e sabe dar passagem a quem quer que se cruze com ele. Já ele próprio a cruzar é um bocadinho menos que assustador. No sentido em que "menos" significa "pior". Maxi, o meu querido Maxi, fez dos piores jogos de que me lembro com a Camisola vestida. Lima não é um ponta-de-lança, é um boicote ao golo (tal como o fora contra o Estoril, num jogo que haveria de nos custar o campeonato). Não me lixem: quando se constroem 8, 9, 10 ocasiões claras de golo que se falham e se tem um jogo controladíssimo e, depois, se sofre um golo com auto-assistência delicadinha, não é assoando um treinador com cleenexes que a coisa se resolve.

O ano passado gozei com os sportinguistas por terem festejado o segundo golo e a vitória por 2 a 1 contra o Gil Vicente como se de uma final da Champions se tratasse, com Sá Pinto aos comandos e, sim, a minha língua deita um líquido amargo. Salva-me um consolo - pequenino mas confortavelzinho: sentir que festejar com pouco é melhor do que amuar com nada. Deve ser a isto que se chama "humildade". Ok, já percebi, não é um tema complicado. Agora, podemos passar às vitórias gordas?

Vestir um par de calças

Há precisamente três semanas e um dia que a minha indumentária não sofre variações relevantes: visto uns calções de ganga, uma t-shirt ou uma camisa e enfio os chinelos. Mas hoje o meu dia é solene: vou inaugurar o meu cativo, estrear a minha casa nova. Vou vestir um par de calças, calçar os meus melhores ténis e atar no pulso o cachecol vintage.

Há três semanas e dois dias não me vesti: escrevi a carta de demissão, terminei o que me faltava fazer e deixei-me ficar por casa, como um vagabundo que tem a sorte de ter tecto, a desfrutar do prazer de agir de acordo com aquilo em que acredito. Há três semanas e três dias - e em muitos outros dias antes desse -, eu vestia camisas e calças, aparava a barba e o cabelo, mantinha-me, como se diz, "apresentável". Hoje sairei de casa com o cabelo desgrenhado e por aparar e ainda com a barba que o Benfica que me deu e que eu corrigi uma boa dúzia de vezes - mas que mantenho intocada há três semanas e dois dias, pelo menos.

Passo os olhos pela Imprensa enquanto faço tempo para ir para a Luz, Lisboa ardeu há 25 anos e eu vi na televisão. Hoje é um dia solene, de memórias fortes, de incêndios passados, de fogos por apagar e de incendiários à solta - um grupo de sócios marcou uma manifestação para as três da tarde nas imediações do Estádio. A escassa hora e picos do pontapé de saída. Não se faz. Partilhando das suas dores, preocupações e boa parte das exigências, não estou com eles. Primeiro está o Benfica e hoje joga o Benfica.

Lisboa já ardeu o quanto baste, mais que uma vez. Vou tomar um banho longo e cuidado que o dia é solene.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Falta-me Pablo Aimar

Dantes tínhamos esperança, depois ficámos confiantes. Às tantas, tínhamos até a certeza na vitória. Porém, o céu decidiu cair-nos em cima. A tudo isso, reagimos com lágrimas de inconformismo, mas também com a dignidade de quem sabe perder e o orgulho de quem reconhece aos seus jogadores o esforço e a dedicação de verdadeiros vencedores. Fomos cavalheiros no meio dos destroços.

No fim, chegámos ao Jamor vestidos a rigor e cheios de Benfiquismo. Bigodes, bonés e bandeiras para fazer a festa. E a festa não era ganhar. A festa era ser do Benfica e estar ali. Mas não podia ter acabado assim. Nós não merecíamos a inglória de uma equipa que desiste. Sobretudo, não merecíamos que esse final fosse o princípio do fim de uma era. Uma bonita era que não obteve resultados condizentes na forma de taças. Mas uma era que acreditei ser de renascimento, de regresso à condição que, ao longo de mais de um século, foi sendo construída e legitimada.

Compreendo hoje que essa era acabou, que não regressámos a sítio algum. E não acabou no desvio do Sami nem tão pouco no empurrão do Cardozo. Acabou no princípio do meu desalento quando, incrédulo, vi o Vitória fazer um-igual. Faltou-me então a voz, a força nas pernas, o discernimento e uns míseros 12 minutos de Pablo Aimar com a minha camisola. O futuro próximo estava escrito: havia um vazio à minha frente.

Quando a lista de convocados é publicada ou, mais tarde, o onze inicial é anunciado, eu olho e não encontro o que procuro. Se são a fé e a paixão quem me move, é, do mesmo modo, a esperança quem me alumia. E essa eu não encontro. Os jogadores estão lá e eu sei que são bons. Merecem o meu respeito e não esqueço o que fizeram por mim. Mas não me inspiram e eu não se conseguirei inspirá-los como devia. E isto de fazer-me de vítima faz-me sentir culpado, porque o Benfica parte de mim, sou eu e os milhares que lá estão quem carrega e carregará - e tem de carregar sempre - o Benfica ao colo. Mas faltam-me forças.

O Benfica é o meu espaço irracional, puro, exclusivamente emotivo, romântico, poético e trágico. E é no Benfica que encontro os meus ídolos. Mas eles não estão lá. Não me funesmorem, pá, eu quero um ídolo, porra!

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Degraus inglórios

Estava a apanhar a roupa, antes de almoço, do estendal das traseiras, quando ouvi um ruído. Olhei para baixo e vi a tartaruga da minha vizinha de baixo a sair do seu caixote com água. É um caixote muito pequenino e o bicho, apesar de pré-histórico, há-de ter sentido o apelo da liberdade, do mundo lá fora. Decidiu partir à descoberta do universo, naturalmente. Por azar, o terraço onde se encontra é também ele pequenino e tem muros altos.

Apercebendo-se da dimensão reduzida do seu cosmos, a tartaruga tentou trepar os três degraus que aí existem e que levam apenas a mais uma parede intransponível. Apreciei a perseverança do animal, que conseguiu subir o primeiro degrau, sem ter noção do quão inglório era o seu esforço. A meio do segundo, no entanto, caiu e ficou de carapaça para baixo, naquela posição que inspira, ao mesmo tempo, riso e compaixão.

Suspendi a apanha da roupa quando ia começar a recolher e dobrar as t-shirts. Senti alguma aflição pela situação complicada do pequeno animal. E dei por mim, num reflexo inusitado, a fazer analogias estapafúrdias. Pensei no meu Redpass, reluzente e ainda por estrear, que faz de mim efémero proprietário de um lugar escolhido com cuidados e sentido estratégico, na curva mais bonita do Estádio.

Imaginei-me naquele anfiteatro gigantesco mas opressivo ao ponto de parecer do tamanho do terraço da minha vizinha, eu a tentar subir degraus para não chegar a lado algum ou para ver uma equipa que nem história fez, de pernas para o ar, a fazer-me pena.

A tartaruga entretanto conseguiu dar a volta sozinha. Balançou-se e caiu de pé. Eu aplaudi e cantei «tenham cuidado, ela é perigosa...» e depois, embaraçado, apanhei as t-shirts que restavam e as toalhas de praia.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Meu querido mês de Agosto

Na escola primária - na minha velha escola primária -, a Dona Laura ensinou-me que o Emigrante é a pessoa que migra para fora do seu país. Era uma definição simples que não demorei a apreender nem, tão pouco, a saber opor à de Imigrante - imediatamente percebi que eram emigrantes de outras paragens que se radicavam no meu país. Eu era uma criança que aprendia facilmente determinadas coisas.

Com o passar dos tempos veio o toldar dos conceitos, formaram-se-me preconceitos, preguei estereótipos nos pensamentos e passei a presumir coisas sem grande fundamento ou justificação. Por exemplo, os amigos que tenho espalhados pelo mundo - pelo Brasil, pela Inglaterra, pela Austrália, pela Coreia do Sul, por Angola, por Moçambique - não são, para mim, "emigrantes". São "pessoal que está lá fora". Não trabalham na construção civil nem a lavar escadas, não fugiram de comboio para a França para dar serventia, para a Suíça - para fazer chocolates e relógios, suponho -, nem para o Luxemburgo fazer o que quer que seja que se faz lá no Luxemburgo - deve ser dinheiro. Os meus amigos que estão lá fora não vêm de Audi A4 vermelho, com matrícula amarela, atravessando a Ibéria inteira para passar férias no parque de campismo de Monte Gordo e isso tira-lhes uma batelada de créditos no acesso ao estatuto de "emigrante" segundo os meus requisitos.

O emigrante, tal como eu o imagino, é uma categoria muito específica da portugalidade. As características que espalha, com generosidade, da respectiva terra-natal às praias cálidas e sobrelotadas do Sul do país, embelezam-me o mês de Agosto provocando-me sentimentos nem sempre fáceis de identificar ou conjugar. Há um lado nostálgico e melancólico que se acende em mim quando observo famílias de quatro gerações, cunhados, primos e avós, com farnéis e guarda-sóis, nas dunas da Galé. Imagino-os trabalhando e vivendo um ano inteiro com o pensamento focado naquele mês específico em que voltarão a ver os familiares distantes, as paisagens da sua infância ou, no caso dos mais novos, a conhecer os primos de quem só ouviram falar e as praias que só vislumbraram em fotografias tremidas, tiradas com kodaks descartáveis.

E, se as crianças me aborrecem com os seus guinchos e boladas ou com as cascas de melão que vão perdendo pelo areal, os mais velhos inspiram-me grande empatia, enquanto observam o que é também deles - o nosso Portugal - como quem o perdeu e tudo faz para desfrutar só mais um bocadinho daquilo de que abdicou para poder dar o conforto e o desafogo (que nunca teve) à sua descendência.

E depois há o pai de família. Não me refiro ao mais velho, ao ancião, não. Aponto ao macho alfa, o homem que paga as contas, o que mete a gasolina, o que consulta o mapa. O senhor de bigode com o boné do Benfica. É ele que mais me desperta sentimentos ambivalentes. É nele que encontro a definição de perseverança, a expressão de sucesso conseguido a pulso e com o suor. E é também naquele que reconheço aquele esgar de saudade, aquela ansiedade de rever a sua paixão, de regressar ao solo sagrado. É nele que adivinho o desejo de comprar jerseys encarnados para a toda a família - «menos para as mádâmes... não têm aquelas em cor-de-rosa, do Miccoli?» -, de agarrar o bronze maciço de Eusébio, fotografar tudo quanto mexa, fotografar muito a águia Vitória, que ela mexe-se muito, demorar horas nas filas para tudo e mais alguma coisa nas imediações do Estádio, nas bilheteiras, nas casas-de-banho, nas roulotes, nos torniquetes, nas escadas, na procura dos lugares «ora porra, que isto é uma confusão», «ó amigo, esse lugar é dois sectores mais à frente».

É nos lábios do Pai de Família que antevejo, sí-la-ba-por-sí-la-ba, «este Jesus... ma putain... já devia era de ter saído majé há muito tempe, ué...». E é quando olho para ele que imagino, com carinho, o meu bilhete para ver o Devendra no CCB, amanhã, à hora do jogo. Tenho tempo para o nosso Benfica. Espero que estes nossos compatriotas, forasteiros sazonais, perpétuos visitantes de Agosto, desfrutem à sua vontade do pouco tempo que têm para o nosso Clube. Mas, por favor, tenham cuidado com a minha cadeira.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Breve comunicação estival

A silly season inibe-me a escrita. Presumo que tal se deva à minha própria vaidade: mal me sinto lido por mais de dez pessoas, considero de imediato que devo escrever somente se tiver qualquer coisa importante para dizer. Muito provavelmente estou errado. A história encarregar-se-á de me dar razão. Nem que seja confirmando que estou errado, como ainda agora previ.

Durante estas últimas semanas, o Benfica tem-me feito falta, muita falta. Dei por mim a ocupar a mente - para entreter o coração - simulando paixões de Verão com equipas exóticas: primeiro, numa competição muito criativa chamada "taça das confederações", adoptei uma peculiar criação de Deus chamada Tahiti. Se olharmos para um planisfério em busca do Tahiti, possuindo uma noção vaga da região onde se situa, veremos uma imensa mancha azul chamada Pacífico. Algures lá para o meio existirão, ora mais para um lado, ora mais para outro, umas nódoas pequeninas que tanto podem ser as Fiji, Samoa, as Desventuradas, sujidade de mosca, Tuvalu ou o Tahiti. E eles, no Tahiti, jogam à bola: foram campeões da Oceania vencendo, na final, a Nova Caledónia. Que se situa na Melanésia... enfim, o melhor é procurar.

A participação do Tahiti na tal taça das confederações trouxe uma série de benefícios à competição. Um deles, porventura o maior de todos, terá sido prender-me a atenção. Depois de ter visto os jogos do Tahiti, entusiasmei-me e fui sempre puxando pelo mais fraco - só ganhei na final. Ainda assim, o momento mais entusiasmante da competição aconteceu logo na primeira jornada, com aquele golo à Nigéria. Aproveito, já agora, para dizer que há um avançado da Nigéria que talvez não tivesse lugar no onze inicial do Tahiti. Não sei como se chama - mas devia ter tomado nota, só por precaução (desde que li a revelação do Fernando Guerra acerca do Martin Pringle redobrei as minhas cautelas).

Depois disso, entre jogos do Majlby e do Malmöe, do Lodz e do Wisla Cracóvia, fui derivando, derivando, até que aportei numa equipa chamada Portugal numa competição chamada Mundial de sub-20. Ao nível do exotismo, é equipa para bater o pé ao Tahiti; em termos de futebol, joga melhor. Substancialmente melhor. E foi graças a esta equipa que descobri em mim muito mais de português do que de tahitiano: enquanto com o Tahiti senti o fervor tanto na hora da derrota, ainda que pesada, como na hora da derrota, quando esta foi ainda mais pesada, no caso de Portugal encontrei felicidade em cada uma das duas vitórias e uma substancial indiferença no momento da derrota. Não creio que exista maneira de ser mais português.

Entretanto, vou tentando arranjar maneiras de gastar o tempo até que chegue o dia 19, data em que a minha reserva do Redpass se torne efectiva. O campeonato da Lituânia, as sardinhas assadas e o Planalto bem fresco no Páteo 13 vão ajudando.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Natural do sítio errado, naturalmente do Benfica

Uma estranha conjugação de factores aliada a uma inusitada sucessão de eventos impediram que eu nascesse no Estádio da Luz.

No longínquo ano de 1979, tal como hoje, os meus pais viviam em Mafra. Em 1979, Mafra ficava longe de Lisboa. Na altura, para se "ir a Lisboa" faziam-se preparativos - levava-se, por exemplo, tupperwares com pastéis de bacalhau. Não havia auto-estrada e os carros bebiam muito - o meu pai tinha, salvo erro, um FIAT 1500, que não era propriamente um exemplo de como poupar - e andavam pouco.

Quando as pessoas de Mafra iam a outra terra, normalmente era à Ericeira, que tinha mar, ou à Malveira, que tinha feira. Não iam a Lisboa. Se alguém queria uma experiência mais urbana e cosmopolita, ia-se a Torres Vedras, que era uma espécie de Mafra mas em maior e tinha cinema. Não havia necessidade de perder uma hora e meia pela estrada nacional, atravessando, abreviadamente e por ordem, Alcainça, Malveira, Venda do Pinheiro, Lousa e Ponte de Lousa (nunca me lembro qual delas vem primeiro), Pinheiro de Loures, Loures ela própria, Flamenga e Carriche, roçando ainda as fronteiras de Ponte de Frielas e de Odivelas, lá mais à frente, até chegar à tabuleta que eu sempre achei grande mas não o suficiente para assinalar a entrada na capital do país.

Ia-se a Lisboa ao Jardim Zoológico, muito raramente, ou ver o Benfica, um pouco mais frequentemente. Mas não se passava a vida no Estádio da Luz: era mais as quartas-feiras europeias e os jogos para festejar o campeonato. Também se ia a Lisboa para apanhar a Ponte Sobre o Tejo que, na altura, ainda tinha o novo nome de 25 de Abril fresquinho e o nome velho de Oliveira Salazar enraizado.

Em 1979, as pessoas nasciam nas maternidades e cada um tinha a sua. Se hoje uma pessoa vai de Elvas a Badajoz para ser nascida, naquela altura nascia-se um pouco por toda a parte - exceptuando em Mafra, cuja maternidade possuía uma característica que sempre a distinguiu das demais: a intermitência. Ora funcionava, ora nem por isso. Dá-se inclusivamente o caso de haver crianças do mesmo ano, cujas famílias habitavam uma no segundo esquerdo, outra no segundo direito, de um mesmo prédio da Rua do Hospital, por exemplo, que são naturais uma de Torres Vedras (S. Pedro e Santiago) e outra de Mafra.

Eu poderia ser a criança do primeiro exemplo, porém nunca vivi na Rua do Hospital. A minha rua era a José Elias Garcia. Ruas elias garcias existem em praticamente todas as terras, por mais que não se compreenda assim de repente a extraordinária popularidade que esta personalidade praticamente desconhecida veio a ganhar ao nível da toponímia. Para simplificar a explicação, chamar-lhe-ei "inexorável fervor republicano". Não sendo eu um republicano, afeiçoei-me desde os meus 4 anos a Elias Garcia e cheguei, eu próprio, a sentir fervor quando me deparei com o seu nome numa outra placa de uma outra rua de uma outra terra qualquer: oh, o meu Elias Garcia. Não sabia quem fora o tal José, mas estava-lhe muito habituado. Uma pessoa afeiçoa-se.

Em 1979, ano longínquo, as pessoas não nasciam em estádios. Em 1979, em Mafra, as pessoas começavam a habituar-se à ideia de não nascer em casa, mas sem exageros: na Rua do Hospital ou em Torres Vedras, a ordem era para se nascer na maternidade. Em Agosto de 1979, a maternidade de Mafra estava encerrada, o que veio a fazer de mim, para efeitos de registo civil, um inesperado Torreense, ainda que o tempo que passei nessa fortaleza do Oeste tenha sido, na sua esmagadora maioria, dedicado ao Campo Manuel Marques, ora sobre a relva, ora nas suas bancadas ou ainda no relvado sintético que havia ao lado e que era quase tão abrasivo quanto o piso de Alcatrão do meu Ciclo de Mafra.

Esta dedicação Torreense de que falo só viria a dar-se, no entanto, em 1993-1994 e não justificaria, só por si, a naturalidade que trago no BI. O critério do Arquivo de Lisboa para me atribuir origem foi mesmo o da maternidade que me viu ver a luz do dia pela primeira vez. E é por isso que eu lamento profundamente que a Luz não tivesse sítio para se nascer - até porque o nome do Estádio é, talvez, o mais adequado para o efeito.

O meu nascimento noutro sítio que não o Estádio da Luz é, portanto e como se pode comprovar, fruto de uma anárquica conjuntura. Falo do assunto porque a 27 de Agosto de 2013 se comemoram os mais ou menos 27 anos da ocorrência do 27 de Agosto de 1979. E eu, que não nasci na Luz por manifesta infelicidade, pretendo fazer de um lugar junto ao varandim do piso 3 - sector 6 uma das minhas principais residências para 2013-2014, de modo a comemorar a efeméride de ter vindo ao mundo no sítio errado. Há coisas na vida que não podem ser emendadas mas que, ainda assim, vão a tempo de levar correcção.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

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Estava a falar com o meu amigo Moleirinho - que está em Moçambique a convalescer do Benfiquismo junto a águas tépidas, a panaceias de camarões com trinta centímetros - e perguntava-me ele «já estás recuperado?». E eu fiquei a pensar «estarei?».

Os dias passam e a possibilidade do esquecimento, ao invés de me apaziguar, deixa-me em pânico. Ainda não estou recuperado e ai de mim que venha a estar! Acordo todos os dias, desde o dia 20 de Maio, a acreditar que podemos ser campeões ainda este ano. E continuarei, creio eu, pela vida fora, perpetuando esta sensação insana, como se a época não terminasse nunca: 2012-2013 não teve nem vai ter desfecho. Não pode ter tido, já que eu não vi o Benfica a ser campeão e eu sei perfeitamente que o Benfica ia ser campeão. Vamos ser campeões, sim senhor, nem que seja no infinito. Qualquer outra possibilidade dá erro na minha compreensão: simplesmente não é processável.

Sinto saudades do Estádio da Luz, todos os dias penso nessa gigantesca casa de família ondulante e ruidosa. A propósito, lembro-me de estar no Jamor, durante o picnic de bigode. Depois de várias minis, naturalmente, fui persuadido pela natureza a estabelecer comunicação mais íntima com um eucalipto, um dos muitos que nos rodeavam. O ar livre, o cheiro a floresta e a febras na brasa, a brisa no rosto, os pés sobre as ervas e o primeiro pensamento que me ocorreu foi «estas casas-de-banho são muito bonitas... mas continuo a preferir as da Luz».

Não estou recuperado, não. Tenho o Benfiquismo a repousar no escuro, em cascos de carvalho, a ganhar gravidade e robustez. E, sobretudo, continuo à espera de ganhar, que isto ainda não acabou. Não pode ter acabado assim.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Agradecimento sincero e humilde aos campeões da Europa

Estava a ver fotos da equipa de hóquei a ser recebida no Pavilhão e pensei «como é que eu nunca fui ver um jogo de hóquei?». É nestas alturas que me apercebo do meu fundamentalismo futebolístico. É curioso: se me perguntarem se sou pelo Benfica ou pelo futebol, natural e imediatamente responderei «sou do Benfica», porque é ao Benfica que pertenço. Mas se pensar um pouco mais, noto que sou um Benfiquista primário do futebol, muito pouco dado a transigências ao ecletismo.

Durante toda a minha vida, vi o Benfica ser campeão da Europa duas vezes: uma em futsal, no Pavilhão Atlântico; outra em hóquei em patins, na caixa portista. Na primeira ocasião, tentei induzir em mim a sensação de "campeão europeu". O melhor que consegui foi um pequeno simulacro, como se, de repente, a Europa fosse uma coisa pequenina. Fiquei feliz, senti orgulho, uma leve exaltação, fiz um brinde e disse em voz alta "campeões da Europa". A frase soou muitíssimo bem.

Ontem o meu primeiro pensamento foi menos poético, mais sentimental: «que heróis», foi tudo o que me ocorreu. Em seguida, temi pelas carreiras dos atletas do Porto - para quando a extinção da modalidade no clube? -, mas logo voltei a focar-me nos nossos. Dei por mim feliz, novamente orgulhoso, a sentir uma leve exaltação, a querer fazer um brinde, a pronunciar para mim a frase mágica "campeões da Europa". Soa cada vez melhor.

Ser campeão da Europa será sempre um feito histórico. Ser campeão da Europa numa modalidade histórica e de grande tradição em Portugal no território do nosso maior adversário da actualidade dá-lhe um significado ainda mais nobre - e, sobretudo, levando em conta as circunstâncias que antecederam o jogo.

Eu queria chegar a um ponto e ando aqui a empatar tempo: na verdade, eu não me sinto campeão europeu. Campeões são eles, os que jogaram e quem os apoiou durante o ano, durante a carreira, durante a vida. Campeão europeu é o adepto que nunca se esqueceu deles durante toda a época, nos bons e nos maus momentos. Eu sou só um Benfiquista do futebol.

Estou muito, muito grato a toda a equipa de hóquei por ter elevado o nome do Benfica ao ponto mais alto, permitindo-me acrescentar um brilho de orgulho à minha paixão. Mas sinto alguma mágoa - na verdade, sinto-me de fora - por não lhes ter dado a atenção e o apoio que, como demonstraram, merecem. Sou mesmo um simples Benfiquista do futebol: ao mesmo tempo que me comprometo comigo a ir ver jogos de hóquei na época que vem, vou pensando no melhor lugar do Estádio - que saudades do Estádio - para o meu Red Pass. E é então que se me enche o peito e sinto uma exaltação grave, brilham-me os olhos.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

E então o Horatio salvou-me

O Horatio Kane entrou em cena e eu, curioso por saber qual das donas de casa teria espetado as facadas no malandro do Don Juan que entregava encomendas e sorrisos ao domicílio, eu, ávido pelas descobertas «look... a drop of blood» de uma equipa de investigação super equipada, super treinada, super «there's something here... looks like... fabric» perspicaz e super eficiente, eu deixei-me dormir. Foi o meu sono dos justos e aconteceu na terça-feira, quando adormeci no sofá, no meu mini sofá do Ikea, enrolado numa manta.

Desde domingo, tive sonhos febris e agitados, daqueles elípticos, em que eu fazia substituições, umas atrás das outras, mas tirava sempre o Rodrigo, sempre o Rodrigo, sempre o Rodrigo e metia o Lima e o Lima, de repente, já era o Rodrigo. Depois, a equipa subia escadas para ir levantar taças, mas chegava lá acima e estava escuro e o Jesus caía de joelhos, primeiro, e pelas escadas abaixo, depois. E então eu substituía o Rodrigo e lá aparecia o Rodrigo a falhar golos e a equipa a subir escadas e o Jesus a cair de joelhos e a cair das escadas. Uivos na escuridão e o Cardozo, muito raivoso, a gesticular, a tirar o Rodrigo pelos colarinhos e depois, ele próprio, o Cardozo, a transformar-se no Rodrigo. O Jesus caía de joelhos e vinha o Carlos Martins e apanhava-o e eu tirava o Martins e depois a equipa subia as escadas e eles eram todos o Carlos Martins e caíam todos de joelhos, todos pelas escadas abaixo.

Tive febre, transpirei, acordei gelado, às três, às quatro, às cinco da manhã, acordei cansado, acordei por dormir. Tentava adormecer e só via o Artur estendido sobre a relva a esticar os braços, a esticar as mãos, a esticar as luvas, a esticar os postes, e aquela bola, sempre aquela bola, a bater no fundo das redes. Chutavam um de cada vez: o Ricardo, o Kelvin, o Ivanovic, o Jefferson, o Soudani, o Ricardo, o Kelvin, o Ivanovic, o Jefferson, o Soudani, o Ricardo, o Kelvin, o Ivanovic, o Jefferson, o Soudani. Sem parar. E o Artur a esticar-se e o poste a esticar-se e a deixar o Artur indefeso, uma e outra vez, uma e outra vez.

Até que na noite de terça-feira, enquanto o Horatio «it looks like someone was... on fire» deduzia coisas brilhantes de um cenário ensanguentado, eu adormeci sem dar por nada, sem querer, sem ter vontade, vencido pelo cansaço. Acordei de madrugada, a televisão já estava desligada, ainda não havia sol lá fora e tudo estava em silêncio. Tenho dormido melhor, mais descansado. O Jesus, pelo menos, já não cai escadas abaixo e o Carlos Martins desapareceu.

Um pontapé na agulha

Percebi hoje que a outra equipa que desceu foi o Beira-Mar. Entenda-se por "outra" como "aquela para além do Moreirense". Não desprezei o Beira-Mar ou qualquer outro que estivesse para descer. Simplesmente, não conseguia olhar para tabelas classificativas. Acontecia-me uma espécie de colapso sempre que olhava para uma classificação. Ficava tonto, confuso, baralhado, desorganizado. Algo ali não bate certo. O meu instinto assinala aquele alinhamento com o alarme de "erro" e, a partir desse momento, todo o processamento de informação se torna impossível para mim.

Mas hoje consegui. Forcei-me a abrir o site da Liga e olhei imediatamente para a o fundo da tabela, evitando mais um choque. Lamento pelo Beira-Mar, não me parece que tenha sido a pior equipa da liga. Gil Vicente, Académica e Vitória de Setúbal foram, do que vi, as equipas menos competentes e com futebol mais "segunda liga" da competição.

Tem sido uma semana calma, mas difícil de suportar. A agitação em torno do Benfica, o fica-não-fica de Jesus, as críticas muitas vezes a quente, mal fundamentadas, mal pensadas, que vejo debitar um pouco por toda a parte «deita abaixo, que isto assim não funciona» e eu só penso «puta que pariu a bisavó do Kelvin, que estragou isto tudo».

E vejo o adversário - a hiena faminta que se revela num determinado tipo de adepto adversário - que na segunda-feira apreciava Jesus e que dele dizia «vocês não sabem apreciá-lo, não o merecem» e que agora que Jesus ameaça ficar e que Vieira promete continuar em frente - é que se não fosse aquele pontapé macaco do Kelvin... - se torna um crítico desdenhoso «isso... ahah... fiquem com o Jesus... ahah... isso, fiquem com o Vieira» e eu penso «por que carga de água havia esta gente de querer o nosso bem?».

O pontapé do Kelvin mudou o campeonato e, com isso, muito provavelmente, mudou a agulha dos carris que estavam prontos para nos levar à glória. Mas não entendo por que razão o pontapé do Kelvin tem de mudar também o rumo do meu Clube. Continuo: o rumo está certo. Saíamos foi na estação errada - pois foi, mudaram-nos a agulha. Mas o rumo está certo.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Haverá sempre uma bandeirinha que se agita

Hoje ao almoço estava a comer o meu resto da telepizza da véspera, aquecida no micro-ondas e pensei «é isto: a era que estás a viver tem a sua metáfora nesta refeição». Telepizza requentada no micro-ondas: nada - nem um ingrediente - ali é remotamente comestível. Só cedi à ingestão do detrito porque a escolha era entre isso e o jejum. O meu mês de Maio de 2013, que terminará dia 31 - como previsto - numa cadeira de dentista - como não surpreende - é apenas um período de tempo, uma nuvem de cronologia que teima em demorar-se sobre mim mas que eu estou à espera que me passe de maneira a que eu possa voltar a ter uma vida sossegada e equilibrada, da qual conceitos como "lógica", "expectativa" ou "conquista" possam voltar a fazer parte.


Vergonha?! mas qual vergonha?

Enquanto mastigava, com algum custo, aquela matéria ressequida com um sabor aproximado a tomate, ranço e miolo de camarão do Lidl fora do prazo de validade, tentava elaborar mentalmente uma lista de coisas que posso fazer durante os próximos dois meses e que não fiz durante estes últimos nove:

-passar fins-de-semana fora com a Lady Verde, totalmente focado apenas nisso
-visitar os meus pais com frequência
-poupar dinheiro
-não comer muitas bifanas
-fumar menos, muito menos
-nada, absolutamente nada
-música
-passear aos sábados
-ver filmes "no I.Q. required" aos domingos
-vestir cores mais variadas
-ir à praia
-ver o pôr-do-sol
-ler menos A Bola
-ler mais literatura
-cortar a barba duas vezes por mês
-jogar à bola às quartas-feiras
-sofrer menos


Isto era só o vento.

Quando a bola entrou pela segunda vez, senti as pernas perderem força, senti uma profunda confusão mental como se a matéria cerebral se dissolvesse - juraria que podia ter-me escorrido pelo nariz, naquele momento -, faltou-me o ar. Tudo me falhou. Desejei ardentemente teleportar-me para casa, para a cama e deixar que a febre me consumisse. Não consegui falar.

É a quarta vez que me acontece isto no espaço de vinte dias. Andei 9 meses a ganhar como se não houvesse amanhã; ando há 20 dias a perder não sabendo se haverá realmente um amanhã. Qualquer coisa acabou ontem quando o Jorge Sousa soprou para o apito final e eu não sei se foi o mundo ou se foi a época. Mas foi grave.

Não me despedi de Pablo Aimar e não tive forças para assistir à coroação do Vitória. Não foi falta de educação, foi falta de tudo o resto. Não vi grande coisa depois disso no caminho até ao carro. Lembro-me de pedir os óculos de sol de volta. Não consegui encarar o mundo, não consegui pensar no Cardozo, no Jesus, no pontapé do Artur. Tudo o que sentia era uma dor muito pesada, em todo o peito, em todo o estômago, na garganta, nas têmporas.

Quando, mais tarde, na Típica, comecei a lamber a feridas, dei por mim a ter uma das mais inusitadas e inesperadas reacções. Peguei na bandeirinha, agitei-a e, com a voz ainda muito fraca, gritei baixinho «Benfiiiica! Benfiiiiica!» e senti-me como se tivesse outra vez seis anos e imaginei o meu pai a olhar para mim, a abanar a cabeça e a dizer «não sei como é que consegues».

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Uma barba e depois um deserto

Estamos perante uma equipa que tratou de perder cinco finais sem auxílio paranormal - o Vitória nunca precisou de maldições de béla-guttmanns para sair derrotado, fê-lo sempre pelo seu próprio pé (suponho que seja esquerdo e que seja frio).

Falo do assunto porque vivemos uma época em que Murphy e as suas probabilidades incontornáveis tomaram conta da ocorrência Benfiquista - mesmo quando as probabilidades eram bastante improváveis (eu não me esqueço de Vítor Pereira a dizer, poucos dias antes de se lhe inchar muito muito muito o peito, que «o Benfica vai ganhar, de uma maneira ou de outra, eu sei que vai ganhar... neste momento, já não acredito que possamos chegar lá»).

Ontem, conversava com um amigo acerca do que "falhou" no Benfica este ano. Eis o que falhou no Benfica: o Kelvin, aos 92 minutos, na situação inversa, com a camisola do Benfica vestida (sem querer repugnar o Kelvin - espero que o miúdo não leia isto), faria dois golos em 100 pontapés daqueles - no Porto, fê-lo à primeira; o Ivanovic, numa situação perfeitamente inversa, aos 92 minutos, em 90 cabeçadas daquelas, mataria 83 pombos e magoaria dois stewards e um apanha-bolas - contra o Benfica, acertou à primeira. Todas as nossas camisolas deviam dizer "Murphy"; a do Artur devia dizer "D Day Murphy".

Olhando para o panorama, as probabilidades acumulam-se: o Benfica ganhou 24 Taças em 33 finais disputadas; o Vitória perdeu as 5 finais que disputou. Não percebo de estatística nem de números grandes, porém, há-de haver uma ponta qualquer por onde a frase de Murphy possa pegar e aplicar-se, uma vez que as coisas podem correr mal.

Não digo que esteja pessimista. Tento apenas prever o próximo lance do adversário. Por "adversário" entenda-se o filho da mãe - que nem mãe tem, esse filho de um buraco negro - do Mefistófeles que me levou demasiado à letra quando, num desabafo pleno de entusiasmo pueril, eu afirmei que «trocava este campeonato pela vitória na UEFA e na Taça de Portugal». O "adversário" quer deixar-me a zeros.

Dormi muito mal esta noite. Tive daqueles sonhos circulares, sem início nem desfecho, sem passado nem futuro, uma linha contínua, sempre a repetir o mesmo momento «está zero a zero, está zero a zero, está zero a zero, está zero a zero» como um mantra infinito dedicado ao tédio que existe em não ganhar. Acordei cansado, desgastado, até mesmo preocupado. E se a gente não ganha? Aliás: e se a gente não ganha "outra vez"?

Tenho uma coisa para dizer ao tal de Mefistófeles e a toda a companhia do pé de cabra, do pé esquerdo e do pé frio: tenho aqui uma barba com quase um ano e meio de construção; tenho aqui um bigode à espera de ser libertado e de vos mostrar o seu poder; e tenho um deserto à minha frente a seguir a domingo. Por isso, NÃO brinquem comigo.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Dois euros e setenta

Parámos em Sete Rios num semáforo que estava vermelho, passei o meu telefone à Lady Verde, disse-lhe «guarda isto, eu ligo-te quando estiver despachado» e saí do carro. Ela não percebeu o que se passava nem sabia o que ia acontecer, mas também não fez perguntas.

Desci à estação de metro, direcção Santa Apolónia. No cais oposto, dezenas de pessoas com cachecóis e camisolas do Benfica e eu, num impulso, quis mudar de direcção, ir com eles, juntar-me a eles, rumar ao Estádio. Mas não tinha telemóvel, não tinha como falar com o André e desmarcar tudo. Contive-me e segui o plano.

O caminho até aos Restauradores foi penoso: sem telefone, sem um livro, sem nada que me distraísse, vendo pessoas nas estações por que ia passando, no sentido oposto, vestidas de Encarnado, não me restava senão sentir remorsos, como se estivesse a abandoná-las no último momento.

Não cheguei logo ao destino que tinha em mente, saí à rua ainda na estação da Avenida, não aguentava mais a viagem. Desci o restante a pé. Havia algum movimento, as esplanadas estavam cheias. Entrei, por fim, num café nos Restauradores, perguntei pelas cervejas «é Super Bock» e eu «não tem outras?», «tenho Carlsberg: dois euros e setenta, quer?», «claro, dê-me uma». Dois euros e setenta por 25 centilitros de cerveja dinamarquesa. Eu posso pagar dois euros e setenta por isso. Da última vez que toquei em Super Bock, o Benfica empatou em casa com o Estoril. Eu era capaz de pagar 27 euros por um cálice de Carlsberg. Mal aviado.

Sentei-me na esplanada, sozinho, e esperei. Tínhamos marcado para as seis e um quarto. Fui bebendo devagar, ainda faltavam uns minutos. Na minha cabeça as palavras do empregado para um cliente aparentemente habitual, ao balcão, «vocês não limpam nada, nem a taça... o Guimarães faz-vos a folha». Dois euros e setenta. Dois euros e setenta. Dois euros e setenta e o André atrasado e a cerveja a chegar ao fim.

Enrolei um cigarro, acendi-o, levantei-me, caminhei para trás e para diante. A impaciência a tomar conta do assunto. O assunto, sempre presente. Para trás e para a frente, dando a volta à boca do metro «mas este gajo nunca mais chega?», eram quase seis e meia. Ao fundo, vejo o meu amigo David, baterista, com a tralha às costas. Cumprimentamo-nos e ele, a estranhar-me, «o que é que estás a fazer aqui?», o David não liga muito à bola, ele é mais jazz, ele é mais rock. Não tentei explicar, disse só «pá... estou numa espécie de... experiência espiritual». Recuou dois passos «tu vê lá no que te metes, meu... cuidado com essas merdas». «Não te preocupes, o pior que pode acontecer é... correr mal». Correu mal.

O André não chegava e já passava das seis e meia. Mais um cigarro enrolado, mais voltas para baixo e para cima, para a frente e para trás. Todo o português espera, em algum momento da sua vida, por um Dom Sebastião. Este era o meu momento e aquele filho da mãe sem horários era O Encoberto, já ia quase um quarto de hora sobre o primeiro apito de cada um dos jogos. De todos os lados, nem nevoeiro, nem Dom Sebastião: sol, sombra e gente de passagem.

Chega o André, entretanto, vem do lado do Rossio, vem de passo acelerado, vem com vontade de pedir desculpas e de dar justificações. Não temos tempo, «vamos mas é ali ao Pingo Doce buscar cerveja, senão não me aguento». Fomos, comprámos duas litrosas de Sagres, bem mornas, aparentemente deixaram de as ter frescas. Antes disso testámos a câmara, testámos o gravador de som. «Está tudo em ordem? Tem bateria que chegue?», perguntei. «Foi tudo acabado de carregar», respondeu ele.

Lembro-me de, na escola primária, a minha professora me ter falado duma experiência com ratos em gaiolas na Avenida da Liberdade. Pretendiam perceber se esta era muito poluída. Era. O monóxido de carbono matou os ratos em pouco mais de um hora. Lembro-me de ter lido coisas acerca de privação sensorial. Lembro-me de ter, em Maio de 2005, imaginado uma situação em que eu, de cachecol ao pescoço, me deslocaria ao Marquês à espera das primeiras buzinas, sem saber o resultado do Benfica no Bessa. Lembro-me de não ter concretizado essa ideia. No domingo concretizei-a. No domingo, quando tudo podia correr mal, quando o domingo tinha tudo para correr mal. Correu mal.

Filmámos a caminhada e gravámos as conversas, fomos subindo e filmando e falando e gravando e bebendo. Sentámo-nos num banco no início da Avenida razoavelmente próximo de uma esplanada. Uma banda tocava covers. Pink Floyd e Doors e outros clássicos. E, de repente, calam-se e o jogo surge em alto som, o da Luz, num ecrã grande. Fugimos rapidamente evitando a informação. Nós não podíamos saber o que se passava.

Subimos mais, com as mãos ocupadas com garrafas, câmara, gravador e cigarros acesos, cada um com as suas funções. Mais acima, outra esplanada, outro ecrã, outra vez o locutor aos berros com o Benfica. Tapei os ouvidos e corri, avenida acima. O André também correu, mas ainda ouviu qualquer coisa. «Não me digas nada, não quero saber nada. Não possa saber nada». Por mais que tentes fugir, a informação persegue-te. Tu não queres saber mas há sempre alguém que quer que saibas. «Vamos para o Parque, lá não há esplanadas nem televisões nem rádios». Fomos.

«Pá, preciso só de dar uma mija», «boa, a seguir vou eu». O Parque quase deserto permite que o processo decorra sem sobressaltos. «Foda-se, a câmara ficou sem bateria». «Guarda-se para o fim, para as primeiras buzinas». «Vou tentar com o telefone, faz aí uma claquete». «Merda, caralho... o gravador também está a ficar sem bateria... que se foda a claquete. Olha, isto é mau dizer foda-se e caralho? É sobre bola, no fundo...». «Não, é na boa». «Foda-se, caralho, foda-se, caralho, fod» «pode-se dizer... não é obrigatório», «ok, desculpa... foda-se, é dos nervos, caralho».

Sentámo-nos na relva, o sol descia, equilibrámos o telemóvel-câmara na mala da câmara-mesmo-câmara «ao menos, que sirva para alguma coisa». Serviu de pouco, aquela merda nem se equilibrava. «Ok, um filma o outro vai falando e vamo-nos revezando... tentamos aparecer os dois no plano». Pareceu-me um plano. Cerveja cada vez mais quente, nervos cada vez mais nervosos, o sol cada vez mais baixo, pardais a chegarem-se perto, sem vergonha nenhuma. «Bom presságio, bom presságio... são aves, são aves como a Águia Vitória».

Empatámos tempo como se fôssemos Ola Johns agarrados às canelas, cheios de esperanças, cheios da esperança possível, cheios com a esperança mais mínima e ridícula que alguém pode ter, sem esperança nenhuma mas com uma fé que não desarma, com conversas que envergonhariam qualquer surrealista puro. E ouviu-se a primeira buzina. «Olha... espera». E ouviu-se outra. E depois algum silêncio. E depois algum silêncio mais. E depois algum silêncio até às oito e vinte e eu disse «foda-se, caralho... aqueles cabrões ganharam esta merda outra vez. Nem sei para que é que ainda tenho esperanças». Pegámos nas coisas, começámos a descer. Quando atravessámos a estrada, junto ao Marquês, já havia meia-dúzia de eufóricos aos pés da estátua e uma dúzia de carros em torno dela, apitando, agitando bandeiras. «Que se foda. Anda, vamos comer uma bifana à Típica». Também comemos caracóis.

terça-feira, 21 de maio de 2013

História no Jamor

Há uns tempos, boa gente de uns blogues vizinhos mandou-me um e-mail a propósito de um plano que pretendia conquistar o mundo Benfiquista à bigodada. Era uma ideia com muita graça, mas de execução difícil: consistia em criar uma legião de bigodes para o que faltava da época. Enviaram-me, na altura, um e-mail porque souberam que eu tinha, antes disso, feito uma sugestão que poderia ser vista como antepassada deste projecto mais megalómano: o projecto "Bigode no Jamor", chamemos-lhe assim. Mas, sobretudo, fizeram-no porque são gente bem educada que, por isso, achou por bem falar-me no assunto e ainda convidar-me a integrar esse plano maior. Fiquei grato, embora não tenha participado activamente.

Na realidade, ninguém tinha obrigação alguma de me dar satisfações, encaro o gesto como uma gentileza. Quem inventou o bigode não fui eu - foi Cosme Damião, Ele Próprio, o autor da ideia. O Jamor foi inventado por Deus, Ele Mesmo, e é um rio que corria pelo meio de terras sem outra utilidade que não fosse sofrer erosão de maneira a que, com o tempo, se formasse um vale onde se pudesse construir um sumptuoso estádio onde, um dia, haveria de se jogar a final da Taça de Portugal. Tudo isto era um plano elaborado. Mas, como se constata, tudo o que fiz foi simplesmente juntar dois conceitos complexos que, na realidade, parecem ter nascido para se unirem uma vez por ano, em Maio.

O projecto "Bigode no Jamor", gosto de lhe chamar assim, tem a pretensão singela de homenagear o tempo em que eu dei por mim a apaixonar-me pelo futebol. E isso aconteceu numa altura de grande beleza, a qual hoje recordo como tendo sido mais Gloriosa do que provavelmente foi - não deixo de sentir alguma inveja dos novos Benfiquistas, com 6, 7, 8, 9 ou 10 anos, cujos pequenos corações começam a agitar-se e a palpitar diante de uma equipa belíssima e de imparável tendência trágica. Todos eles hão-de ser poetas do Benfica, espero eu, daqueles que não morrem de amor porque teriam de morrer várias vezes só para satisfazerem um décimo da voracidade pelo drama intenso que foram desenvolvendo em si, desde o dia 6 de Maio de 2013.

Falava eu do tempo em que começava a aprender os nomes do Mortimore e do Humberto e do Bento e do Shéu e do Chalana e do Álvaro. Recordo finais da Taça de Portugal - não sei precisar qual ou quais e seria batota verificar na wikipédia - com gente de bigode, garrafões de cinco litros de vinho tinto, bandeiras sedosas com rendilhados, bonés cada vez mais de lado em cabeças cada vez mais eufóricas, camisas abertas em frente a grelhadores de bifanas, entremeadas e coiratos. E é só isso que eu quero fazer: de algum modo, recriar o espírito dos dias em que o sangue que me nascera Encarnado começou a fervilhar sempre que onze tipos, também de Encarnado, jogavam à bola.

Já tenho o bilhete (obrigado, Sal) e os 12 companheiros de aventura; já fiz a lista das carnes, do vinho, das minis, do pão e das saladas; já mandei vir cachecol vintage, boné clássico e bandeira a condizer. O bigode, esse, está aqui, resguardado entre a barba e pronto a desabrochar no sábado, antes da final da Liga dos Campeões. Será durante esse jogo que tratarei de o apresentar ao mundo, numa espécie de ante-estreia exclusiva para quem se quiser juntar na Típica de Alfama para saudar o próximo campeão da Europa.

sábado, 18 de maio de 2013

Dia de reflexão

Como em todas as vésperas de eleger alguém. Vou, por isso, remeter-me ao silêncio. Mas tenho um plano. Um bom plano :D

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A possibilidade de um pequeno Enzo

Ainda não passaram dois dias inteiros sobre a última e já sinto saudades de ver o Benfica numa final europeia. Não sei como é que aguentei 23 anos afastado destes cenários luxuriantes.

Mais do que matar saudades de uma final na Europa, o evento de Amesterdão permitiu-me construir uma consciência completamente nova acerca do que é isso de "ir lá", de sentir que "podemos ganhar". Assisti, na minha vida, a quatro finais europeias do Benfica. Da primeira, não me lembro, tinha quatro anos. Das outras duas, lembro-me, mas ainda era um aprendiz de pessoa e de Benfiquista e, como tal, era parco em sentimentos. Recordo-me, por exemplo, de sentir a derrota com o Milan como perfeitamente natural, expectável e lógica. Sem mágoas.

Desta vez, tudo foi diferente. Acompanhei a época do Benfica sempre de perto, vi na Luz todos os jogos que podia ter visto, do campeonato, da Champions - minto: não fui ver com o Barcelona por opção, já que me recusei a participar nessa bizarra excursão de benfituristas -, da Liga Europa, da Taça da Liga e da Taça de Portugal. Não sei ao certo quantos jogos foram, talvez tenham sido uns 25. Fui ver o Benfica - Braga, logo na primeira jornada, empatámos e jogámos muito mal, depois saíram o Javi e o Witsel e eu pensei que seria uma época dramática. E acabou por sê-lo, sem dúvida - mas não era deste tipo de dramatismo que eu falava. Era "dramática" no sentido de "época para esquecer". Mas eu não me vou esquecer desta época, nunca. Não terá na história as letras de ouro que talvez merecesse - decerto, merecia -, mas tem sido uma época de grande descoberta para mim, até ao nível pessoal.

Posso afirmar que, num período profundamente marcado pela perda do meu anterior emprego e por várias outras contrariedades, que acabaram por ter como consequência alguma desorientação - senti-me bastante à deriva, devo confessá-lo -, o Benfica foi a minha maior disciplina, a minha referência, a minha regra e, felizmente, uma generosa fonte de alegrias, uma razão muito especial para estar com certos amigos, um ritual muito forte, uma realidade constante, presente e segura, um excelente motivo para acreditar, para ser optimista, para não me sentir derrotado perante adversidades que, enfrentadas com espírito, estratégia, inteligência e talento, podem ser superadas. O Benfica tem sido uma grande lição, é a minha comunhão e estamos cada vez mais juntos, praticamente inseparáveis.

Na quarta-feira, vinha no metro a ler o Moby Dick tentando abstrair-me um pouco da tensão que a expectativa do jogo começava a gerar em mim, quando tive um pensamento inusitado, surpreendente, inesperado e sem explicação: um bebé, um recém-nascido, na minha cama, entre mim e a Lady Verde. Esse pensamento perturbou-me. Não de um modo negativo, mas agitou-me porque senti coisas com aquela imagem, senti uma estranha forma de ternura, que nunca até então sentira. E, sobretudo, senti que gostava da ideia. O meu pensamento seguinte foi tão absurdo quanto ingénuo e até é um pouco embaraçoso confessá-lo aqui, publicamente - mas foi genuíno e não me envergonha: «se o Benfica ganhar, hoje será um bom dia para fecundar». Eu sei que a Lady Verde, quando - se - ler isto, é capaz de me pôr de castigo durante uns dias, mas isto é a mais pura das verdades e quem diz a verdade não merece castigo.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

«Era queimá-los como Távoras»

Gostamos de culpados. Adoramos culpados. Não sei se se trata de uma herança judaica ou católica, mas é, pelo menos, algo muito à moda do Velho Testamento: para tudo temos pecados e pecadores. E temos para eles as punições devidas e os castigos merecidos. E, meus amigos, como nós gostamos de castigar, depois de apontar os culpados. E gostamos deveras de observar os culpados a sofrer com os castigos, lava-nos o espírito. Durante séculos, purgámos a alma das comunidades pendurando pecadores em pelourinhos. E foi assim que chegámos onde chegámos, identificando e castigando os pecadores. É assim que nos vamos salvando, geração após geração.

No fim do jogo com o Porto, o meu pai, que por acaso nem é católico, ligou-me para identificar meia-dúzia de culpados. Recusei a discussão, estava mais virado para o sofrimento profundo do que para o debate «aponta aí um pecador que eu trago o chicote a jeito». Ontem foi a minha mãe, que eu nunca percebi muito bem se é mesmo católica, a mandar-me uma mensagem terrivelmente consternada, apontando, sem hesitações, a culpa de Artur, que não defendeu aquela bola infernal. Hoje, foi uma amiga, que eu não creio que seja católica, que decidiu eleger Jorge Jesus como alvo, porque «não dá mais que isto». Olhando de perto, percebe-se que não precisas de ser muito católico para fazeres uma Inquisição.

Ingenuamente, não encontro culpados do nosso drama. Aliás, na verdade nem os procuro. Culpei o Martins, depois do jogo com o Estoril - mas culpei-o apenas por existir, porque nunca gostei dele, nunca gostei da ideia de ele vestir a Digníssima, nunca o quis entre os nossos; ou seja, não lhe imputei as culpas da desgraça que se vai abatendo sobre nós.

Mas hoje, onde alguns vêem trevas, eu vislumbro o que parece ser o início de uma nova era gloriosa. Por isso vos peço: tentem não encontrar pecadores nem culpados, não façam fogueiras purificadoras, arrumem os chicotes, afastem-se dos pelourinhos. Quando ontem os vi chorar, os nossos rapazes, desolados, todos me pareceram galileus convictos, sabendo, na hora da derrota cruel, que eppur si muove. Ter perdido não significa que esteja tudo errado. Pode significar que estamos no caminho certo, na direcção certa, e que simplesmente ainda não somos perfeitos, ainda não chegámos lá. As coisas às vezes levam o seu tempo.

Até Thomas Mann escreveu sobre o assunto

Tenho, hoje, a sensação de que uma qualquer entidade superior anda a testar os limites dos tecidos que me compõem a alma: a fé, a esperança e a paixão. Não sei se essa entidade me está a ler, mas caso esteja, aqui fica: pode desistir. Enquanto houver esta paixão, que todos os dias me cresce, a fé e a esperança não se hão-de romper.

A derrota de ontem e as circunstâncias de toda esta tragédia épica, a nuvem de crueldade que me atormenta há dez dias, sem parar, levavam-me a crer que não tinha culpa do que está a acontecer. Nem eu nem qualquer outro Benfiquista podem dar tanto azar assim à sua equipa. Há aqui uma encomenda cósmica com localização, origem e destino tão remotos que deve situar-se muito perto da impossibilidade.

Quando Ivanovic cabeceou impunemente e com fatalidade, regressei ao choque apático de sábado passado. Levantei a cabeça quando ouvi a frase «Tacuara entra na área» e então o Cardozo chutou uma porção de oxigénio, hélio, gases rarefeitos e sobretudo azoto, com a bola a passar-lhe à frente da biqueira e o meu ânimo morreu ali, como se o pontapé tivesse sido nele. Há momentos em que a tragédia é tão cruel e maldosa, tão cínica e exagerada, que roça o limiar da comédia e foi nesse instante que dei comigo a pensar «é os kelvins, é os celsius... espero que o Vitória não tenha um cabrão de um fahrenheit, senão estamos entalados outra vez».

O jogo acabou e os meus rapazes caíram por terra como miúdos, desolados, em lágrimas. Foi a imagem que mais me doeu, vê-los desamparados, a sentirem o insuportável peso de uma derrota injusta. Lutaram como bravos e caíram de cansaço. Merecem o sono dos justos. E merecem também todos os gritos, cânticos e aplausos com que o nosso povo os tentou animar.

E então a minha consciência agitou-se quando me lembrei de um determinado episódio. Enquanto os chorosos mas muito nobres do Benfica subiam à tribuna para receberem a dolorosa medalha de prata, recordei uma conversa que tive com um amigo. Ainda nós estávamos a meio da eliminatória com o Leverkusen e sabíamos que, batendo os alemães, tudo seria possível. Foi uma espécie de negócio de Fausto em que eu afirmei, sem cautelas, que «se o Benfica ganhar a Liga Europa e a Taça de Portugal, dispenso bem o campeonato». Hoje vergo-me de culpa perante este Mefistófeles que, tal como os romanos, não paga a traidores.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Amanhã para sempre

(Nota prévia acrescentada a posteriori: o texto foi escrito ontem à noite. Passava da meia-noite quando publiquei, mas isso é-me indiferente, as horas são uma convenção, não são uma coisa absoluta: antes de dormir chama-se "hoje"; "amanhã" será depois de acordar.) Hoje almocei sozinho e eu sozinho, enquanto almoço, fico pensativo. Os momentos que tenho tido livres para dedicar ao pensamento têm sido, na sua maior parte, aplicados a contemplar paisagens que eram, para mim, desconhecidas até ontem. Fruto das viagens experimentais a bordo do 759 e do 794 da Carris, que atravessam bairros como Marvila, Bela Vista, Chelas, Olivais, Encarnação ou Moscavide, tive a oportunidade de as ver de perto.

Estou habituado à vista elegante do Barreiro a seguir ao Tejo; ao esplendor dos navios de cruzeiro, gigantescos, atracados a Santa Apolónia; à sumptuosidade da Arrábida, às vezes silhueta, outras vezes uma serra inteira, lá ao fundo, a caminho do Sul. Os blocos de cimento, às vezes coloridos e outras já sem cor, alternando com descampados sem dono, vias rápidas, pracetas inventadas e forçadas a existir como se fizessem algum sentido, pessoas ao ritmo de um trabalho atrás do outro - quando o têm e não andam atrás de um novo -, outras que simplesmente já desistiram, tudo isto é um retrato de uma Lisboa a que não estava habituado, mas que nem por isso é menos verdadeiro do que aquele que tenho a sorte de contemplar todos os dias. É, portanto, natural que o meu pensamento se disperse, tentando talvez compreender que realidade é esta em que nunca reparei.

Durante estas viagens, fui também processando a derrota de sábado. Nem tinha como fugir-lhe: a chaga ainda está em carne viva e, além disso, não são raros os passageiros que passeiam Benfiquismo com toda a naturalidade - uns usam bonés, outros fatos de treino, outros ainda jerseys do Gaitán ou do Luisão ou camisolas sem nome, só com a cor e o emblema, desta ou de outras gerações de Benfica.

E, assim, só hoje à hora do almoço pude dar-me conta de que amanhã podemos ganhar a Liga Europa. Não que eu não soubesse. Eu sabia, claro que sabia: a final é amanhã que se joga. Sabia mas não compreendia. Não na sua plenitude, não na sua profundidade: o Benfica PODE ganhar a Liga Europa. Quando me apercebi disto, fiquei estranhamente agitado e emocionado. Fiquei ansioso, mas daquela ansiedade boa, como a que sentia a 23 de Dezembro ou no dia antes de ir de férias para o Barril nos tempos de criança. Ou, mais tarde, na véspera de entrar na minha faculdade pela primeira vez.

O Benfica vai jogar a final da Liga Europa e pode ganhá-la. E este é, talvez, o dia por que eu mais esperei nestes últimos 23 anos. Não falo do dia de amanhã, não, não falo do dia do jogo. Falo desta véspera maravilhosa em que nada ainda aconteceu e tudo pode acontecer e eu sinto aquele aperto bom no estômago porque espero que amanhã seja um dia grandioso, um dia histórico, um dia feliz. Um dia que eu não queria que passasse nunca. Gostava que o tempo parasse hoje, durante vários dias, para que eu pudesse saborear melhor esta expectativa infantil. Gostava que isto não passasse num instantinho e que, depois de amanhã, já estivéssemos todos a falar do assunto falando no passado. Gostava que o jogo fosse só amanhã, sempre só amanhã.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Só para vocês, todos vocês

Num mundo ideal, o futebol seria exactamente assim - tirando, como é evidente, a parte em que o Kelvin atinge o golo. Tive, no sábado, a fortuna de partilhar o choque, a apatia e a tristeza com alguns dos meus melhores amigos Benfiquistas; tive, igualmente, a sorte de conviver com alguns dos meus melhores amigos que, sendo Portistas, se comportaram como cavalheiros: sem condescendências, mas com todo o respeito, sabendo estar felizes sem precisar de mais nada; e tive ainda a grande felicidade de ser aturado pela minha senhora, a Lady Verde, e de partilhar a noite de sábado com outros Sportinguistas de elevadíssimo calibre, que me permitiram sentir suavidade naquela aterragem brusca, de cabeça, num chão tremendamente duro (tudo isto é metafórico: tirando o momento em que caí de joelhos, quando percebi que a bola estava mesmo lá dentro, mantive-me de pé e aceitavelmente direito durante toda a noite).

Este texto é para todos eles, que fazem da minha paixão Benfiquista uma coisa absolutamente grandiosa e que me enche de gratidão só por poder vivê-la. Vou no oitavo dia de dores, é certo, mas consciente do êxtase hipnótico que tem sido viver este ano. Todos queremos "sentir felicidade", aquela que vem agrafada ao clímax da vitória; porém, quando «encomendamos a alma ao Benfica» (usando a frase de um belíssimo comentário deixado algures aí em baixo), devemos saber apreciar a simples possibilidade de "sentir intensamente". E, quanto a isso, não posso queixar-me.

Talvez fosse mais fácil procurar explicações para este insucesso gelado - decerto existirão. Mas culpar o que quer ou quem quer que seja não me deixará mais feliz nem descansado, até porque o Proença fez, finalmente, uma boa arbitragem, quase imaculada (e ainda fez dois cortes providenciais, fora do alcance de um Roderick, por exemplo... isto é um à-parte, o Roderick teve tanta culpa nisto quanto eu ou qualquer outro Benfiquista). Prefiro concentrar-me em três pessoas para quem este jogo e todo este campeonato foi ou tem sido custoso, sobretudo pela distância a que se encontram: o Moleirinho, o Mago e o Adriano.

Os dois primeiros, enormíssimos Benfiquistas; o Adriano, um Portista que mete respeito. Estão todos a fazer pela vida, longe de tudo isto, e não puderam apreciar por cá a loucura quase absoluta que envolveu este jogo. O país esteve cinco dias suspenso sobre aqueles 90 minutos, quando esses ainda estavam por acontecer. Digo-vos que foi uma semana de grandeza futebolística, com tudo aquilo a que qualquer adepto verdadeiro tem direito. Qualquer conversa, no café, na barbearia, no metro, no escritório, no hospital ou na repartição de finanças não resistia mais de dois ou três minutos ao grande tema. Foi especial e vocês mereciam ter assistido a isto de perto.

Têm sido dias intensos e é assim que vão continuar a ser. Não falo do campeonato, claro, que esse para mim já terminou. Mas temos a Liga Europa e não temos a "obrigação" de a ganhar. Espero que os jogadores entrem em campo com o mesmo espírito recreativo com que os adeptos - isto, se bem os conheço - entrarão no estádio. Peço, contudo, que não recorram às mesmas substâncias... por precaução. Mas divirtam-se. Não tenham medo de jogar este jogo. É um momento lindo para qualquer pessoa que goste do futebol e há-de sê-lo ainda mais para quem tem o privilégio de jogá-lo, de pisar aquela relva ostentando a Digníssima. Não façam contas de cabeça, não esperem pelo empate, pelos penalties, pela sorte ou pelo deslize do David Luiz (será por volta dos 62 minutos, já agora): joguem como sabem. Façam-me feliz. Inacreditavelmente feliz. Não pensem que vão salvar-me a época - não há salvação possível para o episódio de sábado. Mas salvem-me a mim. Façam-me, finalmente, chorar de alegria, porra.

domingo, 12 de maio de 2013

Não nos veremos domingo no Marquês

Não aconteceu o pior que nos podia ter acontecido para que pudesse suceder o mais cruel que pudéssemos imaginar. No fundinho mais recôndito do meu íntimo existia um resquício de receio, daqueles que uma pessoa nunca admite que existem, de que uma tragédia de grandes proporções pudesse acontecer - não que fosse provável; mas nos clássicos sabemos que tudo é possível. Porém o Lima, que não é de pessimismos, decidiu meter a bola na baliza correcta e fez-nos vibrar, fez-nos definitivamente crer que éramos realmente mais fortes do que este Porto. Este é o Benfica mais forte de que me lembro, já agora.

Tudo estava a nosso favor. Faltavam 70 minutos para sermos campeões. Mas depois o Maxi e o Artur enfiaram, em conjunto, a puta da bola na baliza errada. Faltavam não sei quantos minutos, mas eram menos que 70, para o fim do jogo. Já não seríamos campeões ali, onde devíamos. Mas seríamos campeões daqui a uma semana, seguramente.

E depois um tipo com um cabelo horrível, chamado Kelvin, fez uma coisa inacreditável: um golo quando faltavam menos de 3 minutos para o jogo acabar e nós não fomos nem seremos campeões. O cosmos às vezes é um bocadinho filho da puta comigo.

Estava eu a pedir a vitoriosa - é a Sagres com que habitualmente encerro as partidas em que ganhamos vantagem, de alguma forma (normalmente, ganhando o jogo) - e já nem fazia questão de regressar ao meu lugar, disse eu assim a alguém ao meu lado «pronto, não vamos hoje ao Marquês, mas vamos para a semana», quando nisto olho para a televisão e tenho uma alucinação esquisitíssima na qual o que aparentava ser um objecto redondo estava a entrar numa baliza muito muito parecida com a do Benfica e então penso para mim «não devias ter pedido esta, Diego» e a seguir, com a Típica feita sepulcro, vejo uns homenzinhos vestidos de azul muito contentes e aos pulinhos e o Jorge Jesus ajoelhado no chão, dou mais um gole na Sagres, deixo-me cair também de joelhos, peço para regressar ao meu lugar. Sentei-me, não sei se com as mãos na cara se com a cabeça nas mãos, o coração ficou-me nos calcanhares, talvez, o estômago estava-me aqui na garganta e fiquei em silêncio, longamente em silêncio, só a desejar que o jogo acabasse depressa para que pudesse rapidamente começar a recuperar-me desta traição colossal, a colar os cacos de um espírito estilhaçado, a juntar as poucas forças que me restavam para beber aquela e pedir mais uma e depois outra e outra a seguir.

Recusei, muitos minutos mais tarde e embalado com Jameson e bagaço Rochedo, a possibilidade de ainda sermos campeões: não quero. E no próximo domingo, se tudo correr bem, estarei de folga do Benfica a comer entrecosto e entremeadas com o meu pai e a beber um bom vinho tinto, correndo o risco de ter o Paços de Ferreira a substituir-nos na função de ganhar o campeonato, que era obrigação nossa. Não quero saber: este campeonato acabou ontem e o Benfica perdeu. Parabéns aos vencedores e honra, muita honra, a estes maravilhosos vencidos. E agora venham de lá esses chelsios.

sábado, 11 de maio de 2013

Fim da terapia

Vou estender ao sol generoso a roupa que ontem deixei a lavar, vou fazer o pequeno-almoço, que ainda não tomei porque só acordei agora, e partilhá-lo com a Lady Verde, vou mudar os cactos novos dos seus vasos minúsculos para outros mais dignos, que lhes permitam o crescimento que merecem. Vou passar o dia a deixar que o tempo me passe ao lado até ao momento em não possamos mais fugir um do outro e as minhas batidas por minuto dupliquem.

Cheguei ao fim da terapia. Não posso dizer que estou curado, mas sobrevivi a uma semana lenta e muito desconcentrada de tudo o resto que não fosse o momento que me espera ali, ao fundo da rua, na Típica de Alfama. Temos hora marcada e convém chegar antes do previsto para não perder o lugar. De vez em quando, alguém passa na rua, por baixo da minha varanda, e assobia ou grita ou canta. Um trazia uma buzina. O facto de o jogo acontecer a 300 quilómetros de distância não tem, hoje, a menor importância: o jogo acontece em todos os cantos do país, necessitando para tal que aí exista uma pessoa que ama o futebol.

Agora que a terapia chegou ao fim e que o sofrimento do tempo a passar devagarinho se prepara para ser cristalizado em duas horas de futebol sobre a relva que não queremos que acabe nunca mas que esperamos que passem depressa, percebo que este talvez seja o dia por que eu mais esperei em todo o meu Benfiquismo. Não estou a dizer que vamos ganhar nem a pressentir que vamos perder - o resultado é um objecto que fica ao fundo de lá ao fundo: é outra matéria. Falo da paixão. Se houve dias em que esta se revelou, em toda a sua pujança, beleza e dor, foi neste maravilhoso período que começou na segunda-feira e que hoje inevitavelmente terminará. Nem nas maiores derrotas, nem nas mais sumptuosas vitórias: nunca me senti tão Benfiquista como hoje.

E aqui estou eu, à beira de um choro bizarro e sem justificação, com um nó na garganta, um sorriso apalermado, um brilho olhos, as mãos nervosas, a olhar para o Sul. É tudo o que posso fazer, as minhas janelas não têm vista para Norte. Daqui não se vê o Dragão, vê-se a Serra da Arrábida e a bacia do Tejo, vê-se o Barreiro, vê-se a planície de Azeitão. Vê-se o Porto - Benfica em cada transeunte - parece que toda a gente decidiu vestir-se de encarnado (ou de azul, mas em menor número).

Entretanto a Lady Verde acordou e decidiu fazer ela própria as torradas e o café enquanto termino o texto. Pedi-lhe desculpa e disse-lhe «estou a escrever, é o fim da terapia». Parece ter compreendido. Penso que ela própria está agitada com o jogo. Não diria que puxa pelo Benfica, mas sei que gostava de ver-me feliz.

Não estou calmo mas sinto-me em paz. Existe um inesperado sossego nesta conjugação de factores, como se dormíssemos uma sesta retemperadora antes da batalha vigorosa. E sei que ao fim do dia haverá gritos de guerra, passos pesados e um intenso odor que emanará da vontade de vencer de cada um. E esta canção não me sai da cabeça.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Terapia - sessão #3: o choro merecido

Um amigo, que é de um Benfiquismo verdadeiro e muito sensível, escrevia hoje no seu perfil do facebook a propósito da elevada probabilidade de chegar ao fim do jogo de amanhã lavado em lágrimas, sejam elas de felicidade exuberante ou de frustrada e dolorosa tristeza. Sei de outros amigos predispostos ao mesmo tipo de final, feliz ou infeliz, mas seguramente lacrimoso. Eu não sei se já chorei com o Benfica, mas acho que não, nunca o fiz. Sei que já tive vontade - umas vezes, por indignação, outras por desilusão, outras ainda de felicidade. Ainda agora quase chorei no terceiro golo - gracias, Tacuara - contra o Fenerbahçe. Quase.

Mas não chorei contra o Steaua nem quando o Veloso falhou, não chorei quando o Vata pontapeou esquisito nem quando o Rijkaard marcou com facilidade, nem ainda quando o César Brito bisou ou quando fomos a Leverkusen fazer quatro e nem quando o João Pinto fez o mais memorável dos hat-tricks.

E também não chorei na miséria. Lembro-me vagamente de um jogo em que estávamos a perder por 3 ou 4 e o saudoso Enke repetia, enfastiado, o gesto de ir à baliza buscar a bola. Nada que vodka e uns comprimidos não tenham resolvido. Ainda hoje não sei qual foi o resultado. Também não chorei por ficar em sexto.

Mais tarde, voltei a não chorar quando ganhámos a Taça com um golo do Fyssas (!) ou, a seguir, quando acabámos com 11 anos de jejum, nem ainda quando o futebol furioso de 2009-2010 mostrou ao país o vigor de uma equipa a despertar.

O nosso regresso à Glória - o nosso regresso a casa - tem sido lento. E talvez por isso se adivinhe comovente. Recordo, a propósito, uma bonita passagem de um livro do Sepúlveda que me fez chorar. É uma passagem muito simples: o narrador - o próprio autor - chega a Espanha, onde nunca antes tinha estado, vindo do Chile, em busca de familiares que talvez ainda existam. Encontrando a casa de um casal de velhotes que pensa serem ainda seus parentes, apresenta-se e explica-se. O homem da casa, sem mais perguntas, grita então lá para dentro, com emoção, «Maria, traz o vinho... chegou família da América».

E agora estamos perto, muito perto de casa. E acredito que o choro que nunca me aconteceu possa rebentar amanhã como se me rebentassem as águas. Se ganharmos amanhã, lá estará o meu querido avô, onde quer que ele esteja, sentado no seu banquinho no pátio da casa e gritará lá para dentro «Adelina, traz o vinho... o Benfica chegou a casa».

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Terapia - sessão #2: Ena, tantos...

Eu não queria falar em "injustiça", mas a verdade é que o cosmos às vezes é um bocadinho filho da puta comigo. Passei uns cinco ou seis meses em exercícios de auto-domínio e diplomacias para ser cuidadoso com os meus amigos que, infelizmente, não são do Benfica. A verdade é que são muitos e pareceu-me sensato conduzir assim a situação. E eis que agora, depois do evento-Estoril, todos eles, aos poucos, se erguem como se durante todo este tempo tivessem andado direitinhos e cheios de dignidade, debatendo futebol e acreditando nos seus clubes (ou, no caso dos sportinguistas, na derrota do Benfica).

É de notar que, apesar de um domínio incontestável, de um futebol inatacável, de resultados extraordinários ainda acrescidos de notabilíssima nota artística, de sequências que constituem recordes e de recordes batidos em sequência, o desastre continua a ser uma possibilidade para nós, Benfiquistas. Já ao Porto, cai-lhe do céu aos trambolhões a possibilidade de ficar com o troféu mais desejado. Não sabem como, só sabem que não suportam o Vítor Pereira. Mas, ainda assim, podem vir a ser campeões.

A possibilidade encerra, em si mesma, aquele travo amargo de «ai o caralho, mas tu queres ver...?»; mas existe um acrescento dado pelos adormecidos que praticamente nem ligavam à bola até domingo passado e que agora descobriram que o Porto é imensamente poderoso e que vai esmagar o Benfica. Alguns foram mais longe e descobriram mesmo que o Porto já é campeão. Esse acrescento é um verdadeiro bálsamo para o rombo na minha fé. Bem-hajam.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Terapia - sessão #1: a confissão

Todos temos o direito a estarmos apreensivos. Olhando sobretudo para o passado recente, facilmente constatamos que, na hora da verdade, a tradição de levar a melhor está mais do lado do Porto do que do nosso. Sinal disso, aliás, é o facto de podermos ter, a esta hora, o titulo no bolso e de, afinal, eu estar a escrever este texto em vez de estar numa esplanada qualquer a fazer coisas que me levassem de volta ao desemprego - conservando, porém, um enorme sorriso e muito pouca consciência (porque um homem não se deve acanhar quando a hora é de festa).

Mas não, não é isso que sucede e os foguetes que se lançaram com um destino muito certinho acabaram por perder-se no espaço hipotético que separava um cenário lógico e esperado de um outro que é a realidade do quotidiano Benfiquista: mesmo quando tudo corre imensamente bem, pode existir um momento em que uma pequenina coisa corre um bocadinho mal e isso, quando se tem um adversário como o é o Porto, pode ser - eu não disse «é», disse «pode ser» - suficiente para deitar a mais brilhante época de que tenho memória às malvas. Porque a verdade é esta: para a história ficará o nome do campeão e da colecção no museu só constará o troféu - o segundo classificado e o quase-troféu são coisas que não ostentamos no palmarés nem exibimos na vitrina.

Tenho várias confissões a fazer porque sinto que uma boa parte desta instabilidade anímica que o Benfica e os Benfiquistas vivem, hoje - e viveram ontem e viverão daqui até sábado -, se deve a culpas minhas. Antes de mais, porque aparei a barba no sábado. Foi um acto irreflectido e não devia ter deixado que esse detalhe de já não ver o meu lábio superior há quase quatro semanas interferisse com a missão que me foi encomendada: levar o Benfica à Glória, todos os dias e em todas as competições. Atenção: não quebrei a promessa, não tirei a barba - levarei o bigode que dela há-de sobrar ao Jamor, como aqui foi prometido, mais que uma vez, até. Mas permiti que um sportinguista agoirento me retocasse a pelagem ungida e logo durante a jornada futebolística. Mea culpa.

Outra confissão é, se não menos divina, no mínimo muito mais humana: tento encontrar - e encontro - razões intelectualmente válidas, logicamente substanciais e demonstradamente possíveis para acreditar que seremos campeões no Dragão. No entanto, quando penso no jogo, aperta-se-me o estômago. Daqui até sábado, das duas uma: ou recupero a fé ou desenvolvo uma úlcera. Ter dois pontos de vantagem, partilhar a pressão - todos temos muito a perder, de um lado e de outro (e também tudo a ganhar, de um lado e de outro...) -, jogar melhor futebol, ter mais golos marcados, não ter derrotas, andar optimista e sonhador, possuir uma equipa mais equilibrada: tudo isso me parece irrelevante quando penso «vamos ao Dragão e a eles basta-lhes ganhar».

Eu sei que o erro é meu e que tudo isto é uma grande mariquice, a roçar a cobardia. Eu sei que a minha atitude deveria ser outra, que devia fechar os olhos e fazer força e automaticamente acreditar que, sim senhor, vamos ganhar e resolve-se o assunto. Mas não consigo. Ainda não consigo. Encarem este desabafo como início de uma terapia de reconstrução da fé, já que esta sentiu um abalo de grau 6.5 na escala de Armés na segunda-feira. Tentarei chegar a sábado sem úlceras e sem medos. Dou a minha palavra.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Relatório um bocadinho detalhado sobre as consequências físicas e psicológicas de uma jornada em que a bola foi ao poste errado

Empatar com o Estoril também faz dores de cabeça. Mas é diferente das dores de cabeça que dão depois de se empatar com o Newcastle. Quando se empata com ingleses e se passa às meias-finais da Liga Europa, nada carece de explicação. Quando se empata com o Estoril no dia em que era suposto festejar a conquista do campeonato, as dores nas têmporas, a confusão mental e a suspeita de um ligeiro aumento do diâmetro craniano transformam a vida num castigo insuportável, muito lento e angustiante. E sem explicação possível. O dia arrasta-se obesamente sobre mim, sob mim, em torno de mim, de tal modo que só recordo uma frase que alguém escreveu um dia: «na cabeça, as ideias deslocam-se como submarinos».

Alcoitão

Ontem tive um sonho com o Carlos Martins. Na verdade isto é mentira. Mas eu ontem tive pensamentos um bocadinho preocupantes que continham o Carlos Martins. E isto é verdade.

Na rua, houve pessoas - boas pessoas, já agora - que me disseram «ó Diego, escreve aí coisas com o Martins a morrer» e eu devolvi «epá, nem vale a pena, pensei numa cena melhor». Eu acho que é melhor, pelo menos. É mais elaborado, não é só aquela coisa de "ah, fizeste borrada, mereces morrer". Vamos lá ser civilizados.

Eu ontem, se tivesse tido um sonho, era um pesadelo. Um pesadelo hard-core. Um pesadelo, diria mesmo "homo-erótico", como se diz, às vezes, quando as pessoas estão com nervos e já não podem nem ver esse cabrão desse Martins à frente.

Ia assim: o Carlos Martins tinha uma lesão quando levava um cartão vermelho por estupidez. Mas uma lesão grave. Tipo em grave p'ra caralho. Deixava de poder andar. Não andava mesmo, de todo. Era um mono, um caule, um tronco, um vegetal. Nada de novo. Mas em a sério, com direito a cuidados especiais e tudo. A cena mais digamos "uatafâque" era ele ficar ainda mais paraplégico durante um jogo contra o Estoril quando levava um vermelho. Aí é que era mesmo "ô-pá, daqui a nada estou a respirar por uma palhinha". Lamentável, tudo isto.

E então o Martins, devidamente conduzido pois não conseguia locomover-se por iniciativa própria, era depositado em Alcoitão, a descansar até se recompor devidamente, para que pudesse vir jogar em equipas que realmente o merecessem. E nessa clínica o Martins seria emparelhado com outra pessoa portadora de deficiência, que era aquele aleijadinho dos turcos, do Fenerbahce. Aquele que lhe doía as pernas, o Meireles. E eles depois simpatizavam muito um com o outro e, dito isto, tudo seria possível - até andar, por exemplo.

Sou uma pessoa optimista. Nesta minha fantasia, que é win-win, tanto faz o dedão de um na intimidade do outro como o seu oposto.

Mas prefiro sempre pensar positivo. A justiça cósmica manda que, olhos nos olhos, ganhe o melhor. E não importa se a tua arma é seres um retardado ou se tens muitas tatuagens. Não é preciso elaborar muito, basta ganhar no Dragão.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Gokhan Gonul explica a Vítor Pereira como se faz

É meter a cabeça à frente do Gaitán e leva 8 pontos. Limpinhos.

Ainda com a voz embargada

O meu discurso é curto, estou rouco, estou cansado, estou emocionado e as palavras atrapalham-se-me a uma velocidade vertiginosa na hora de construir pensamentos. Estou muito grato por me terem devolvido o Benfica que eu recordava e que sempre guardei como referência. Estamos de volta - e é tão bom estar de volta. O caminho tem sido bonito.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Vale um Jameson

Eu quero é ser campeão. Sim, quero um Benfica europeu de volta - eu vou lá estar mais logo, ao fim da tarde, num local com vista privilegiada sobre essa batalha com os bárbaros otomanos -, mas o Benfica campeão vale-me um Jameson. Não é um Benfica campeão qualquer. Aliás, de um modo geral, diria que, neste momento, a probabilidade de o Benfica ganhar este campeonato é... "razoável". O desafio aqui, o tal que vale um Jameson, é mais arrojado: o Benfica é campeão já na segunda-feira.

Terça-feira, tomava eu a minha cerveja de fim de tarde na Típica, quando me surge o estimado Lacrau, Benfiquista de gabarito elevado, mas com pouca crença. E eu disse-lhe «segunda-feira vais à Luz?» e ele, que nunca vai à Luz, diz «nah». E eu «mas olha que devias: festejamos na segunda». Ele não acreditou e perguntou-me de onde vinha a minha estranha ideia, plena de convicção apesar da sua aparente bizarria.

E a minha explicação foi bastante simples. Toda a gente gozou com o apagão e a rega de há dois anos, quando o Porto veio sagrar-se campeão em nossa casa. Mas toda a gente gozou porque com o mal dos outros podem eles muito bem: fosse a casa deles o palco da festa rival e eu queria ver quem é que gozava. Ora, o Porto na iminência de ver o Benfica sagrar-se campeão sobre a sua própria erva, só tem uma maneira de garantir que essa situação, dê por onde der, não vai suceder: obrigando o Benfica a ser campeão na jornada anterior ao clássico.

Portanto, é isto que eu acho: o Porto perde na Madeira e o Benfica é campeão segunda-feira - mas já nos descontos, para ter mais sabor (e porque o Estoril joga muito bem à bola, já agora). O Jameson ficou apostado e este documento comprova-o. E será dos mais saborosos da minha vida. ACTUALIZAÇÃO: Benfiquista de elevadíssimo calibre, não seria de esperar outra reacção por parte do meu caro Lacrau: subiu a parada - se o Benfica se sagrar campeão na segunda-feira, paga uma garrafa de Jameson. Ainda acrescentou «nunca desejei tanto perder uma aposta». É ou não é de valor?

sábado, 20 de abril de 2013

Um longo, longo derby

Tenho evitado tocar no assunto, mas ele existe. Ele paira sobre os meus dias, na verdade, desde ainda antes de o Porto ter ganhado ao Braga. O derby deste ano começou no preciso momento em que o Sporting ganhou ao mesmo Braga: o Sporting estava vivo, ia haver derby do bom e era como se soasse o apito de kick-off do desafio. Desde esse dia, tentei entreter-me e distrair-me com assuntos variados, como chegar às meias da Liga Europa, ensaiar muito, começar num novo trabalho, preparar umas filmagens ou ir ver a segunda mão da meia-final da Taça. Mas o derby estava lá, esteve sempre lá. As riscas do Newcastle, pretas e brancas e verticais, e eu a vê-las horizontais e verdes, o Paços de Ferreira todo amarelo e eu a pensar «que bonito equipamento alternativo, bem melhor que o principal», uma produtora a perguntar-me «e ao domingo, podes?» e eu «em todos os domingos, mesmo nesse aí... de resto, todos os domingos desta vida; mas nunca esse» e no trabalho, sportinguistas a tentar comprar os bilhetes que restavam e eu, agitado, a olhar para o telefone, a verificar as minhas coordenadas: bancada Sagres, sector 10, confere. Agora mesmo, interrompendo um ensaio para escrever este pequeno texto, este singelo desabafo, só para assumir uma coisa: eu tenho pensado, eu tenho sentido, eu há três semanas que ando com este aperto aqui, esta confusão, esta ansiedade que às vezes é eufórica, outras vezes é cautelosa, cheia de angústias. E hoje não aguento mais, tenho de partilhá-la com alguém. Com qualquer um que queira ler-me: estou com nervos. Mas sempre com fé.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Mais um nome na lista

O seu nome é Jonu e o seu forte é jogar a central, mas também pode fazer de lateral direito. Com este bigode à patrão, é sério candidato a capitão de equipa. Homem para três pratos de feijoada, à vontadinha.

Pré-convocatória

O plano continua de pé e os bigodes já se fazem notar ao longe, apontando para os quatro pilares do Jamor. O objectivo é só um: marcar presença, seguindo o protocolo, como Benfiquista na final da Taça de Portugal. O protocolo, simples, como se quer, consiste em: começar um piquenique na mata logo pelas 10 da manhã - deve incluir febras, bifanas, chouriço assado e uma feijoadinha; a bebida é opcional: mini Sagres ou vinho tinto do garrafão (com ou sem sévénépe) - e ver a bola a partir das 3 ou 4 da tarde, mais ou menos. Se houver razões para isso - o que se espera -, festeja-se mais um bocado no fim. O Bom Povo Benfiquista já não viaja ao Jamor faz alguns anos, mas há rituais que, de tão enraizados e repetidos, simplesmente não se esquecem. O dress-code da festa é, tal como a própria festa, simples: uma camisa aberta, umas calças de ganga, um boné do Benfica e, evidentemente, um bigode. É importante. Não, é fundamental mesmo que cada qual leve o seu bigode.

Há quem ande a treinar. A metodologia varia de pessoa para pessoa, consoante a capacidade de fazer crescer pêlo na cara, a disponibilidade profissional, a teimosia, o bom gosto, etc. Deixo aqui a minha shortlist, como se diz, de pré-convocados para a festa.

Este primeiro sou eu. Se olharem com atenção, algures ali no meio daquele tufo muito "idade da pedra", existe um bigode. É deixá-lo crescer. Em chegando o dia, reluzirá no meu rosto com esplendor, permitindo-me banhá-lo em espuma de Sagres e vinho de proveniências duvidosas, de modo que conserve uma abastada variedade de sabores e nuances até ao momento em que, depois de um sono retemperado após um enérgico e anárquico desfile pelo Marquês, eu acorde com a sensação de ter dormido numa adega. Uma maravilha de bigode, muito absorvente.

Este aqui é o Moleirinho. É um bigode honorário. Perdido em África - mais um entre a nova diáspora lusitana -, duvida-se que consiga estar presente no anfiteatro do Estádio Nacional. Porém, creio que é possível aliciá-lo com promessas de febras de javali. É tentar. Bigode não lhe falta, assim como Benfiquismo do mais original e primitivo.

Esta é a Sal. O bigode clássico, aristocrático e robusto não engana: nasceu para ganhar a Taça!

Ôpá... Há aqui um erro de casting. Este jovem não vai ao Jamor. A não ser que o apelo do piquenique seja mais forte. Mas não creio que o prato principal seja do seu agrado. Pode integrar a pré-convocatória, mas não acredito que que venha a fazer parte dos 23 eleitos.

Olha, aí está a Ana, uma aquisição recente para este tipo de festejos - aliás: para festejos futebolísticos de um modo geral, dado o seu historial futebolístico.

A Paula. Quem a conhece melhor, sabe bem que este bigode é já uma instituição na família. Não, não foi a Paula quem o inventou. Há aqui antecedentes familiares, posso afiançar.

O bigode da Xana é uma espécie de Tacuaragode. Ó o bigode com super-poderes. Com ele na bancada, não há maneira de não ganhar (mesmo que empatemos). Um bigode a estimar, que é preciso segurar na equipa.

A fechar esta lista, o Zé com o seu bigode. Um bigode de artista, pois claro, a lembrar a Paris dos criadores, dos pintores, das bailarinas (a Paris, não o bigode), dos cantores de canções em francês. No fundo, o bigode que assegura a nota artística, como o nosso actor principal tanto gosta.

Por falar nisso, gostava muito de ver Jesus de bigode na final do Jamor. Fica o pedido. E atenção que ainda não atenderam a qualquer pedido meu este ano. Ainda estou para ver esse póquer, por exemplo...