sábado, 29 de setembro de 2012

Mundo de fantasia

Tenho tido duas fantasias recorrentes. Uma delas é que o Lima vai fazer um poker em breve. Não tenho explicação para isto, mas é um feeling. Ou então é a minha ingenuidade a justificar-me inconscientemente a aquisição do Lima por 5 milhões de euros ao Braga. A sério que imagino isto e dou por mim perdido entre o sonho e o pensamento quando vou no metro e vejo o Lima a ombrear com o Piqué, nas alturas, e a fazer o primeiro logo aos 12 minutos. Depois, meia-hora mais tarde, chuta de força desde os 30 metros e mete-a ao meio da baliza, com claras culpas para o Valdés. À beirinha do intervalo, num ressalto após um canto, encosta a dois metros da baliza com os defesas por terra e o Valdés fora do lance. Depois do hat-trick, pelos 75 minutos, quando o Jorge Jeus chama o Kardec para a substituição de consagração, Lima faz um sprint, rouba a bola a Busquets, isola-se e, ao primeiro passo de Valdés na sua direcção, dispara forte e rasteiro para o segundo poste, fazendo a bola aquele efeito bonito zzzzzzzzztt a toda a volta interior da rede.

A outra fantasia é menos nobre e não deve ser encarada como um desejo. Nem sempre desejamos as fantasias que temos e quem já passou por uma câmara de bondage sabe do que falo. Esta fantasia não terá uma componente tão dolorosa, é certo, mas pode igualmente causar embaraço se, por exemplo, a nossa mulher a descobrir - sobretudo se a nossa mulher for a minha, que é precisamente do Sporting. Nesta minha fantasia, um Sporting muito forte e corajoso luta com o Moreirense, o Vitória de Setúbal e o Rio Ave para fugir à despromoção. São cinco ou seis jornadas de grande emoção em que raramente alguma destas equipas ganha um ponto que seja, mantendo a classificação definitiva em enorme suspense. Na última jornada, diante de um Beira-Mar tranquilo e com o 12.º lugar já garantido, o Sporting consegue fazer o golo do empate aos 97 minutos, num lance em que Rinaudo parece estar fora de jogo no momento do desvio com a mão de Van Wolfsv...isso, que assim o assiste. Facundo faz golo e segura o Sporting na divisão maior do futebol português por, pelo menos, uma época mais e a euforia não se faz esperar: os sportinguistas invadem o Marquês de Pombal e enchem Lisboa de festa, obrigando os Benfiquistas a realizar os festejos de campeão nas imediações do Estádio da Luz.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Momento pedagógico

Temos que conversar. Houve uma Assembleia Geral de gente acordada Benfiquista, na qual não pude participar por motivos profissionais - um motivo profissional é um motivo muito mais sério do que um motivo amador - e, para além disso, há o drama Xistra, mais uma dessas banalidades usuais que nos aborrecem e acabam por derrotar, ano após ano. E muitos remates ao poste, mesmo com a baliza aberta.

Porém, daqui a pouco o Benfica entra em campo e nada disso me importa. Porque esse é o momento bonito do futebol: os 90 minutos do Benfica. E eu, derivado dessa situação, irei directamente ao assunto. Como não escrevo há algum tempo, optei por ser fiel a um dos princípios do blogue e assumir o seu carácter pedagógico.

Escrevia Jorge Maia, ontem, n' O Jogo, mais uma crónica da especialidade deste jornal: o Zénit de S. Petersburgo. Acerca do assunto Witsel + Hulk = ups, afirma Jorge Maia que «ainda é cedo para se falar em gangrena, até porque as palavras de Vladimir Putin costumam ter um potente efeito antibiótico em qualquer discussão mantida para lá dos Urais». Por esta altura, o leitor mais perspicaz já há-de ter compreendido que o tema de hoje é geografia.

Como pode ver-se na imagem acima, Jorge Maia cometeu um lapso. É que nem toda a Rússia fica para lá dos Urais - Jorge, os Urais separam geologicamente a Europa da Ásia e a Rússia paraticipa sempre nos Campeonatos da Europa, não nos asiáticos (eu acho que isto é uma boa mnemónica) - e, mais concretamente, as duas cidades em questão - a bonita São Petersburgo que tanto fascinou Witsel e Hulk e a imperial Moscovo que acolhe docilmente a existência oficial de Putin - ficam do lado europeu da Rússia continental. Portanto, e socorrendo-me da expressão de Jorge Maia, "para CÁ dos Urais". Espero ter-vos sido útil e viva o Benfica! O Lima hoje faz quatro.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Meta: futebol

Os dias menos bons do Benfiquismo vigente e as reacções extremadas de algumas facções, incluindo vieiristas (a expressão “detractores” a surgir com tom oficial no jornal do Clube é mais uma mancha de vergonha no historial da propaganda do aparelho do Luís), levaram-me a Encarnar o próprio Benfiquista que há em mim de uma maneira plena de convicções e de ideias, de impressões e de opiniões. Disparate, claro. Quem me conhece sabe perfeitamente que eu não acho que o futebol seja isso. O futebol está muito antes de tudo isso - é aquele jogo incrível que se joga durante 90 minutos dentro de um campo rectangular. Mas um dia não são dias e às vezes uma pessoa também se sente compelida a manifestar uma opinião, uma sensação, um pensamento, um desabafo. Ser Benfiquista comporta alguns riscos e eu, quando fui fecundado, aceitei-os sem dúvidas nem hesitações: vamos a isto. Claro que tem consequências. Um gajo chateia-se com amigos e por aí fora. Mas a Causa será sempre maior do que essas irrelevâncias pueris.

Hoje, porém, estou muito melhor da minha sensibilidade. Glasgow deixa alguma mágoa, mas o que importa agora é trazer três pontos de Coimbra e dar uma lição – bonito, hein? – a esses rapazes que perderam 3 a 1 com uma equipa cujo nome não consigo pronunciar. Plzen? Isto, para mim, é um amarfanhado de consoantes terminado em “en”, o que não tem pronúncia possível.

Mas não era disto que eu queria falar. Hoje deparei-me com uma notícia que quase me comoveu. Dentro do universo do futebol, e bem mais próximo do meu coração de adepto do que as questões políticas (necessárias, legítimas e lógicas, evidentemente) que circundam e acossam o fenómeno do Belo Desporto, estão dimensões que poderíamos chamar de meta-futebolísticas. O caso do CM/FM é uma dessas dimensões. Quem nunca perdeu uma namorada por causa deste fenómeno, não sabe, com certeza, o que é ser-se Campeão Europeu em 2018 com um Standard Liége às seis e meia da manhã ou ganhar o 17.º Scudetto consecutivo com a AS Roma à hora a que a companheira se levanta para tomar banho e pergunta «mas tu ainda estás aí?!» ao que um homem responde «estava só a fazer mais este jogo».

Depois de tomar conhecimento desta notícia e da homenagem terrivelmente tocante ao mito de Tó Madeira, vim a saber que existe o livro Football Manager Stole My Life (um aperitivo). Os autores do livro conheceram mesmo Tonton Moukoko e eu invejo-os por isso. Porque, sem Moukoko, o meu Standard nunca conseguiria ser campeão da Europa, a minha Roma nunca poderia ganhar os 22 campeonatos consecutivos e aquelas cinco Ligas dos Campeões, após os quais eu decidi «nunca mais jogo a isto, já perdi quatro quilos». O Moukoko está para a minha devoção meta-futebolística como Pablo Aimar está para a minha definição de talento e classe na actualidade: é o Master. Não há quem lhe seja superior nem, tão pouco, quem lhe seja rival.

Pensar nestas coisas fez-me bem. O Benfica não ficou melhor, mas eu voltei ao Futebol.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Mau Benfiquista, me confesso

Não que eu queria meter-me nesse assunto que me transcende, o do “bom Benfiquismo”, pois, pelo que tenho lido um pouco por toda a parte, depreendo que sou um dos piores Benfiquistas da actualidade, senão mesmo o pior. Por um lado, acho que o Luís já presidiu o que tinha a presidir e que o lugar exala um odor bafiento – buuuuuuuuu, que anti-Benfiquista que eu sou. E acrescento que a pré-época que findou talvez tenha sido – talvez – a mais mal planeada dos últimos oito ou dez anos – um ultraje estas coisas que eu penso e que eu digo, então se a equipa funciona e se vai em primeiro, que mal tem se faltam meia-dúzia de jogadores fundamentais? La nave va… Deixá-la andar, para a frente é que é caminho. Eis que, de repente, dou por mim e não estou empoleirado na janela a arrancar cabelos e a gritar «acudam, acudam, que aqui há tragédia!» depois de um empate a zero com o Celtic, em Glasgow, na Liga dos Campeões – ui ui ui, que eu sou mas é adepto do benfiquinha, não valho nada, por isso é que isto está assim!

Está visto que para adepto não sirvo. No entanto, aqui estou. E lá estarei, nos próximos sábados e domingos e terças e quartas-feiras. Dou o que posso e acredito no que acredito, criticando o que achar que tem de ser criticado. E há tanta coisa que merece crítica neste Benfica… Da direcção do clube à gestão do futebol, de certas opções do treinador à postura inenarrável de Gaitán (um dos jogadores que mais me embaraça nesta equipa), há todo um universo criticável no Benfica de hoje.

Por exemplo, no jogo de ontem. Tenho uma ou duas críticas a fazer. Primeiro, acho que o Jorge foi um bocadinho coninhas. Os gajos são fraquíssimos. São muito toscos, têm uma série de debilidades. Defendem com rigor, é certo, e são muito físicos na abordagem ao jogo, confere. Mas podíamos e devíamos ter arriscado mais. Digo isto tão enfaticamente quanto um treinador de bancada deve fazê-lo, até dei uma espécie de palmada na mesa enquanto o escrevia – e até é por isso que estou a demorar mais a escrever este texto, porque me farto de gesticular enquanto o escrevo. Chego mesmo a vociferar quando o entusiasmo é maior. O Jesus devia ter metido o pé na porta, porra!

Também não gostei do Gaitán. Não gosto do Gaitán. Pode ter o talento que lhe apetecer: odeio vê-lo com aquela camisola (e ainda mais com a outra toda encarnada), por mais talentoso que aquele jovem calão, maldisposto, contrariado, infeliz, mau companheiro, convencido e insolente possa ser. E nem vou explicar por quê. Não entendo, no seguimento desta ideia, como pode o Nolito, exemplo de esforço e de abnegação, aos quais junta uma produtividade notável, ser suplente. Também acho, no mínimo, questionável que se adapte um Enzo Pérez a interior quando se tem no banco um Bruno César. É a minha maneira de ver as coisas. E que, na ponta final da partida, se tire o Rodrigo em vez de se apostar na dupla de pontas-de-lança que tão bem tem funcionado. Pronto. Tenho aqui uma série de críticas.

Não sei se foi por tudo isto que o Benfica só empatou ou não. Mas pode ter sido. O empate soube-me a muito pouco. Temos, apesar dos rombos no plantel, equipa que chega e que sobra para estes senhores. Se podíamos ter ainda melhor equipa? Pois claro que podíamos. Sucede que não temos. E eu, se não se importam, vou apoiar a que temos porque é que com estes jogamos, são estes que me defendem as cores, não os fantasmas daqueles que se foram embora para subir na carreira (curioso que tenham perdido os dois). E espero que estes nossos meninos, os que ficaram, nos próximos jogos mostrem mais cojones, que aquilo de ontem foi uma amostra pobrezinha. E até lhes deixo aqui uma garantia: não hão-de ver-me assobiar um Enzo Pérez ou um Melgarejo só porque o Witsel foi vendido ou o defesa esquerdo não foi comprado.

É isto que penso. Já sei que há-de haver quem considere esta postura como “conformista com a mediania e a mediocridade”. A essas pessoas, aqui fica o meu pedido de desculpas por ainda não estar à janela e a arrancar cabelos enquanto grito «acudam, acudam, que aqui há tragédia!».

Conversa interclubística matinal*

O barbeiro cujo estabelecimento se situa por baixo da minha casa é a pessoa mais lagarta de toda a zona antiga de Lisboa. No pior dos sentidos que este título pode ter. É tão sportinguista que muda de passeio para não passar demasiadamente próximo de mim e, apesar de eu ser seu cliente há já alguns anos, nunca me dirige a palavra, a não ser em serviço. Hoje fui cortar o cabelo. Entrei e sentei-me, ele pôs-me aquela espécie de lençol escuro à volta do pescoço. A toda a volta de mim, na verdade, e regulou-me a cadeira.

-Como é que vai ser?
-Gostava de começar pela barba para depois saber como é que o cabelo fica melhor. Aliás, depois queria pedir-lhe umas dicas sobre manutenção, já que ela tem de chegar aprumada a Maio.
-Hummm... na verdade, eu de barba percebo muito pouco.
-Na verdade, também não percebe muito de cabelo e isso não me impede de vir insistir oito euros consigo todos os anos.
-Peço desculpa, como disse?
-Você ouviu perfeitamente. Não percebe nada de cabelo e eu venho cá insistir oito euros - oito euros! - consigo, uma vez por ano, todos os anos. Por isso, pode dar-me algumas dicas sobre a barba ou vai-se armar em cabrãozinho cheio de má vontade só porque eu sou Benfiquista?
-Faça o favor, não tenho condições para o atender. Tenha a bondade de sair.
Lancei-lhe o meu olhar mais aristocrático, de cima abaixo, pausado.
-Lagarto miserável. - arranquei o lençol do pescoço, arremessei-o contra a cara do barbeiro. -Essa sua atitudezinha anti-Benfiquista ainda há-de sair-lhe cara.
À porta, esperavam dois rapazes pela sua vez.
-Ui ui, que ainda por cima ele é todo Benfiquista - disse o que tinha um leão recortado no corte a pente 1.
-Olha, com quem é que joga o teu Benfica logo à noite, querido? Ah, pois é, não joga... - disse o da crista à Neymar, pintada de verde. Riram muito, os três. Pressenti naquelas risadas um orgulho de quem se sente vingado, por alguma razão.

(Para a posteridade: *sucedido na manhã do dia em que o Sporting se estreia na fase de grupos da Liga Europa.)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O meu já não é maior do que o teu

Há certas realidades com as quais tenho dificuldades em conviver, determinados factos que gostaria de simplesmente eliminar, ignorar, de alguma forma, retirar da existência. Há coisas que me incomodam. Uma dessas coisas – eu vou tentar chegar ao fim do texto sem praguejar, mas não prometo – é o tamanho dos estádios. Sim, que o tamanho não conta, já sei, que o que importa é o uso que se lhe dá e que tenha capacidade para receber toda a gente que lá se queira sentar. Mas não me fodam – pronto, eu sabia… -, chateia-me profundamente olhar para este grupo da Champions e perceber que partimos logo em terceiro lugar no que respeita ao tamanho do nosso, sendo que o que vem atrás de nós é só um bocadinho assim mais pequeno. Desde quando é uma Luzhniki pode ser maior do que uma Luz? E um Camp maior do que um Estádio? Hoje, vá lá, vamos jogar ao Park e por lá entraremos sem sentir embaraço, que o nosso ainda é um pouco maior. Mas queria deixar aqui o meu desabafo: sinto muita falta daquilo que se mutilou. O Luís, se puder e se me estiver a ler, que, por favor, reponha lá os 55 mil que nos retirou. Sempre fui habituado a que o nosso fosse o maior e isto pare-me mal.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O meu País e um par de botas

No sábado saí à rua com o povo e manifestei-me. Muito eu me manifestei no sábado! – e vi gente a manifestar-se: vinham de apitos, tachos, assobios, buzinas e aplausos, palavras de ordem, gritos em desordem e entrou até o sino da Igreja de Nossa Senhora de Fátima a repique, dando um toque mais ou menos cristão, mais ou menos sacristão, a um desfile democraticamente laico. Caminhei vários quilómetros e fi-lo de botas. Imaginei esta medida como preventiva – “não vá dar para o torto… sempre magoa mais que os chinelos” – mas a ideia saiu-me mal calculada, revelou-se uma falha estratégica, até porque a paz e a civilidade imperaram, felizmente. Depois de tanto tempo em liberdade, os meus pés ressentiram-se da opção pela dureza em detrimento do conforto e agora tenho um buraco no calcanhar direito. Um buraco revolucionário, aliás.

Isto lembra-me um episódio que o meu pai conta com orgulho ingénuo. Certo dia, há muitos anos, o Sporting estagiava em Mafra. O meu pai passou de carro por alguns dos jogadores que vinham descontraidamente do treino no relvado do mítico Estádio do C.M.E.F.E.D. – a sigla lê-se mafrensemente «cemiféde» e significa Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos (entretanto, subtraíram ao nome a “equitação”, mas diz-se “cemiféde” à mesma) –, desciam a rua para o Hotel Castelão já em chinelos. Reparou no Cadete, que tinha pensos nos calcanhares. Era uma equipa de luxo a desse Sporting, que tinha os búlgaros também. O meu pai atirou então com desplante «ó Jorge, tu pede umas botas novas ao teu presidente que essas fodem-te os pés todos», ao que o Cadete respondeu com um sorriso gentil. Os pares de botas nem sempre são fáceis no trato, raramente são amáveis, ao contrário de Jorge Cadete. Hoje lembrei-me disto enquanto colocava o penso no calcanhar.

Foi uma manifestação das grandes, que juntou uma multidão rara, pela quantidade e pela diversidade. É estranho ver-se tantas pessoas todas juntas por algo em comum quando quase tudo nelas é diferente, dos interesses à roupa que vestem, da formação que têm ao dinheiro que ganham. Da cor da pele ao clube que amam. São demasiadas diferenças em tão poucos metros quadrados. E, no entanto, estávamos todos juntos e absolutamente de acordo.

Há momentos em que as diferenças importam pouco. Existe sempre um bem maior que nos une e nos puxa no mesmo sentido. Mas nem sempre é fácil aceitar essa unanimidade necessária, construída não por amor ao próximo mas por amor ao que nos é comum, com tantas pontas soltas, tantos antagonismos e tantas ignorâncias que temos uns dos outros. Eu não conhecia aquela rapariga de rastas, com uma tatuagem no pescoço, que tocava tambor num bidão de plástico azul e ora defendia qualquer coisa que eu não percebi muito bem, ora atacava o inimigo óbvio, aquele alvo fácil na testa do Pedro, o primeiro-ministro que só tem amigos no facebook, acho eu.

Houve alturas em que me desliguei e olhei em redor e me desidentifiquei, porque esquecia o que me levara ali. A certa altura, depois de passarmos no ponto de alta tensão na Avenida da República, diante do prédio onde, dizem, está instalado o FMI, chegámos a novo sítio de confrontos. Debaixo da Casa do FC Porto em Lisboa, onde alguns senhores, portistas, claro, assistiam da varanda ao passar do cortejo. Assobiou-se e insultou-se com grande despudor e sentido de inconsequência. Houve um ou outro que acendeu discussão com os portistas e estes reagiram com tranquilos «cala-te, corno!» e adornos feitos com as mãos. Deu mais para rir do que para ofender. Porém, despertou-me. Foi aquele momento em que o cosmos se alinha dando significado lógico a todas as coisas.

Daí em diante, sempre que uma ladainha revoltada se levantava num qualquer coro da multidão, eu imaginava na minha cabeça

«sou de um Povo lutador
Que hoje luta com fervor
Coooontra o seu maior rival
Os senhores de Portugal»

e apesar de um certo remorso por adulterar sem licença o Hino do meu Clube, considerei que a ocasião era de urgência e a minha falta justificada. Por vezes, trocava o último verso por «o terror do capital». Em momentos de maior hesitação e dúvida, prosseguia até «ser Benfiquista é ter na alma a chama imensa» e sentia um novo alento, acendia-se em mim um espírito de fraternidade e compreensão, mesmo por quem ali não era Benfiquista, porque a nossa luta era só uma e precisávamos de ânimo e estávamos todos do mesmo lado. Nasci Português por consequência de decisões geopolíticas que antecederam a minha vinda ao mundo, é certo. Mas foi graças a isso que nasci naturalmente Benfiquista. Estou muito grato ao meu País – não só por isso, claro, mas também por isso: porque existe e eu existo nele e sou do Benfica. Eu gosto muito meu País, quero-lhe muito bem. O nosso País é como o nosso Clube, deve ser tratado com muito amor e com muita dedicação, para que continue a existir forte, a olhar para o futuro, cheio de esperança, cada vez mais vivo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mais vale tarde

O tema foi, felizmente, perdendo destaque na actualidade noticiosa. Mas há vinte e tal anos atrás, numa época em que o futebol era romântico - ou então era eu que começava a descobri-lo, mas a verdade é que ainda jogava o Maradona -, existia um terror que ensombrava os estádios, sobretudo os estádios do Reino Unido: o hooliganismo. No Fever Pitch, Nick Hornby aborda o fenómeno e fala do período mais negro do futebol inglês praticamente ignorando títulos e resultados. Porque, nesses tempos de violência, as mortes é que eram notícia, não as taças.

Dois episódios marcaram a década de 80, mas a história é feita de mais do que dois. No desastre do Heysel, existe uma clara e inequívoca relação directa entre a violência organizada e o trágico desfecho. Anos mais tarde, dá-se o inferno de Hillsborough - quem não se recorda daqueles rostos esmagados contra as grades... - e as primeiras conclusões apontaram para que o desastre tivesse acontecido, uma vez mais, por culpa do hooliganismo. Parecia óbvio e não seria estranho, porque em comum uma e outra tragédia tinham o Liverpool e os seus adeptos (que, pelo que li, não eram sequer os mais perigosos e temidos - esses eram os do Millwall; há um filme, The Firm - A Sociedade, que também aborda o assunto). No entanto, e regressando ao Fever Pitch, recordo perfeitamente que Hornby apontava para os estádios ingleses nos anos 80 e dizia dos mesmos que eram velhos, obsoletos e perigosos - chega a apontar o Estádio da Luz, o Velho Estádio da Luz, como um exemplo de modernidade, espaço e segurança típica do Continente, por oposição à realidade inglesa. Sobre Hillsborough, Hornby defende sobretudo duas coisas que contrariam a então versão oficial dos factos: a polícia interveio mal e fora de tempo, sem um plano de emergência; o estádio, desorganizado e mal medido (os sectores de "peão" não tinham uma capacidade rigorosa), era inseguro, com demasiados obstáculos, corredores estreitos, etc.

Hoje, 23 anos depois, o resultado do inquérito e da investigação independentes vem reconhecer também o bom senso de Hornby, mas reconhece sobretudo a inocência das 96 vítimas e de todas as outras pessoas que naquele dia foram a Sheffield ver a bola, apenas isso. O desastre aconteceu porque era inevitável. E as autoridades não só não tiveram a capacidade para reagir, como ainda encobriram a sua incompetência atirando para cima dos adeptos do Liverpool uma culpa que nunca fora deles.

Um senhor

-Master.
-Estou a meditar, Pequeno Vermelho. Deixa-me meditar.
-Master, tu já meditaste hoje.
-Mas o que
-Master, eu acho que o Rui Costa te reconheceu mesmo.
-Hum?!... Sim, meu apêndice dum feto de caboz, também eu penso assim. Porém, a minha modéstia impediu-me de assumi-lo publicamente, como é evidente.
-Ele sabe quem tu és e sabe que disseste mal dele.
-Eu… mas… como te atreves a insinuar tal coisa, seu… sua partícula de levedura?! Como te atreves? Eu nunca
-Disseste sim. Por causa do Witsel. Quando ele disse que «o Witsel é um miúdo que pode chegar a um clube de topo».
-Mas mas… eu… mas… nunca… eu mas mas…
-Disseste pois e eu guardei, está aqui :)
-Ah... isso... bom… mas isso não é bem dizer… enfim. É uma crítica concreta. Não é ao Rui Costa em abstracto. Não é um… vamos lá, portanto, um generalizando a todo o Rui Costa. É ao Rui Costa, aquele, especificamente, que disse isso… enfim… portanto…
-Eu acho que, se calhar, ele te queria bater, Master.
-… e também eu próprio acho que o Witsel é um miúdo que ainda pode chegar a um clube de topo. No fundo, concordo com o Rui. Gosto muito do Rui, tenho por ele um grande apreço, uma enorme estima.
-Tens medo dele, Master?
-O Rui é um senhor, o nosso 10 eterno! Livre-se aquele que, diante de mim, ousar desrespeitar o Rui, han? Livre-se!
-...
-Digo e repito: um senhor!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Breve episódio de fim de Verão

Eu ia pela praia, pelo carreirinho de madeira, evitando dois inconvenientes possíveis – embora opcionalmente, não em simultâneo: ou queimar os pés na areia que fervia, ou caminhar de chinelos pela areia, qual inuit a ir ver a caixa de correio – só que em quente. Era uma daquelas praias algarvias bastante conhecidas. Daquelas que em Agosto causam repulsa mas que, com o Setembro instituído e substanciado, se tornam aprazíveis: estão mesmo ali, próximas e abandonadas. Esta é grande, longa, fica muito despida de coisas sempre que a emigração regressa à sua condição e as famílias se vêem manietadas pelo calendário escolar. O Algarve fica muito mais bonito na segunda semana de Setembro.

Fazia o meu caminho com vagar e sem expectativas, estava um tempo manso e apetecia-me o tédio. De umas espreguiçadeiras ali ao lado levanta-se um homem, muito moreno, levava papéis para pôr no lixo, talvez fossem de gelados. Reconheci-lhe a passada, o gesto, a silhueta. Finalmente, olhei o seu rosto. Aquele mesmo rosto que chorou de alegria ao bater o penalty campeão do Mundo na baliza Sul, diante de mais de 120 mil, aqueles traços que choraram de amargura pela traição de marcar à sua Equipa.

Olhou-me de volta e eu senti uma imensidão de respeito. Tentei manter a compostura, esconder o olhar atrás das lentes escuras. Ele voltou a olhar, atento, perscrutador. E eu senti que ele me reconheceu. Não a mim, Diego; a mim, um Benfiquista. Olhou para mim e viu-me; e por uns momentos fomos grandes cúmplices silenciosos e desconhecidos. E tenho a certeza que se lhe tivesse dito «então Rui, ‘tás bom?» ele teria respondido calmamente «tudo bem. E contigo, Benfiquista?». Tenho mesmo a certeza.

Compromisso redentor

Há um peso que carrego. E por mais que argumentem com o Jesus, com os reforços, com a falta de reforços, com as arbitragens, com a sorte e com o azar, nada me absolve: o Benfica não foi bi-campeão em 2010-2011 porque eu falhei com o meu compromisso. É tudo uma questão de cabelo.

Corria o ano de 2010 - e corria muito bem. O Benfica liderava isolado, o Porto estava distante e o Sporting não entrava nas contas. «Ah, então e o Braga?»: o Braga é o Braga. O primeiro nome é Sporting, não nasceu para ganhar. E eu, cabeludo, assumi: quando o Benfica for campeão, rapo o cabelo. O Benfica foi, de facto, campeão. Na noite da consagração, perdi os telefones e os amigos e ainda cheguei a casa tarde, causando visível e lógico transtorno à Lady Verde, para quem o «mas querida, somos campeões!» mereceu um «ai sim? Do quê?», sem esperar por resposta.

Depois de tanta perda, e apesar do nobre ganho, presumi «pá, se a cena era sofrer, o sofrimento está sofrido». E não rapei o cabelo. Seguiu-se a pré-época e um crescimento saudável e contínuo da minha cabeleira campeã nacional, orgulhosa e pujante. Tudo isto sempre sob um olhar castigador da Lady de cada vez que me lembrava «eu devia rapar isto». A reprovação feminina é persuasiva. Em certos casos, traumática. E, assim, eu não cumpri a promessa.

Passou a pré-época e os primeiros sinais apareceram. Não só o cabelo estava mais fraco como, na baliza, na vez do Quim, apareceu um rapaz muito alto e sem jeito. Passámos a sofrer golos ridículos com regularidade e eu pensei «ah, isto é só porque é contra o Nyon, quando for a sério...». Ilusão, como veio a comprovar-se. A época começou e os golos ridículos sucederam-se, faltavam vitórias e a mim atormentava-se-me a consciência. Tomei uma decisão: «vou rapar o cabelo!» e rapei.

Os resultados foram imediatos: o Benfica começou a ganhar e a fazer golos, o Roberto já quase não os sofria muito ridiculamente. Tudo corria bem. É uma pena que a minha decisão tivesse surgido demasiado tarde. Surtiu efeito, mas apenas para me castigar sem piedade. O Benfica ganhou 19 jogos consecutivos, nem isso foi suficiente para chegar ao primeiro lugar; esse foi matematicamente conquistado no nosso Estádio, diante dos meus olhos, da minha impotência, da minha frustração e, sobretudo da minha culpa.

Encontrei, como bom adepto do belo-desporto, o fraco consolo na certeza de que iria, cheio de saudades, ao Jamor, ver o jogo da Taça. Só faltava receber o Porto em casa e ampliar - ou até mesmo apenas aguentar - uma vantagem de dois a zero sacada com méritos no Dragão. Deixei crescer barba e bigode, reuni amigos, reservei garrafãoes de vinho e estabeleci: vou ao Jamor no meu estado mais Benfiquista de sempre. Íamos todos, estava combinado. O bigode era obrigatório até entre a facção feminina.

No entanto, e apesar de termos o vinho e os bigodes prontos, os portistas vieram à Luz fazer-nos a desfeita debaixo das nossas barbas. Coisa ruim. 3 a 1 para eles com uma exibição memorável do Falcao - e o nosso de honra foi por piedade, para o Cardozo marcar de penalty nos descontos. Era um sinal: com pêlos e promessas não se brinca. Um homem é um homem! E o Benfica perdeu o quanto havia para perder. Por culpa minha.

Ver o Benfica na final do Jamor não é o sonho de um Benfiquista: é uma tradição que faz parte do ser Benfiquista. E faz-me falta. Muita falta.

Aqui em baixo, podem ver a minha barba de Benfiquista. Segundo o Senhor Mário Coluna, faz-me falta uma gilete - mas não tanto como me faz falta ver o Benfica no Jamor, digo eu.

Podem clicar para ver mais em detalhe. É uma barba bonita. Já tem meio ano.

E eis o meu compromisso redentor: o Benfica vai ao Jamor e eu estou lá - não com esta barba, mas com o bigode que sobrar dela. E os garrafões de vinho e os amigos, os cachecóis e as bandeiras. Mas, sobretudo, comigo de bigode. Eu quero a festa da Taça. Sim, eu sei que o presidente quer um clube forte a nível mundial. Mas eu não peço tanto. Apenas isto: o Benfica na final do Jamor. A minha barba por esse jogo!

PS: reparem que alterei, inclusivamente, a foto de perfil.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cambada de impagáveis, é o que eles são!

O negócio, afinal, não é dinheiro. Leio a imprensa desportiva do dia e fico desapontado comigo mesmo, com a minha má fé, por ontem ter pensado e escrito – apetece-me sempre que o particípio passado de «escrever» com o verbo «ter» seja «escrevido», não sei já o tinha dito – que o dinheiro é que fazia a terra dar umas voltas. Witsel, para começar, não se fez vender ou negociar pelo “dinheiro”, essa motivação frívola, incompleta, moralmente pobre. Nada disso: Witsel foi para o Zénit pela razão mais simples que existe, no fundo: porque qualquer jogador sonha jogar no Zénit - ah!, viver na bonita S. Petersburgo, desfrutar do seu clima ameno e das tardes plácidas nas margens do Neva. E claro «dar um passo em frente na carreira», assim se refere o pai de Witsel a esta passagem do belga de Lisboa para a antiga Leninegrado. O médio não queria renovar o contrato com o Benfica, nem mesmo antes de ter, preto no branco, uma declaração de amor de quase 5 milhões de euros por ano, pagos pela Gazprom, porque simplesmente ambicionava, um dia, vestir aqueles bonitos bibes em azul-bebé. Fica claro que o interesse do jogador nesta mudança é puramente desportivo, diria quase sentimental – e olhando para o palmarés dos russos, percebe-se o porquê. Não há Real Madrid nem Bayern Munique que lhes faça sombra. Fico feliz não só pela realização do sonho do pequeno Axel; mas mais feliz fico pela sua sobriedade, que não se deixa embevecer nem deslumbrar com contas bancárias principescas.

Quem também diz que afinal a cena não é os euros é Cristiano Ronaldo. Este caso já não me deixa tão feliz, uma vez que estava a vislumbrar em Cristiano um símbolo da minha luta pessoal contra esses aldrabões das finanças e dos impostos. O que é então que o deixa infeliz, miserável, taciturno, melancólico, deprimido? Cristiano, enigmático, não esclarece. Diz apenas que, um dia, há-de provar-se que não era o dinheiro que o entristecia. E não me custa acreditar. No caso de Cristiano – e de Witsel, já agora – suspeito que o dinheiro não seja a parte mais deprimente da sua vida.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

De roda dos milhões

Não sabia por onde começar até há uns minutos atrás, quando soube que «a tributação dos impostos deixa Cristiano Ronaldo triste» e começo mesmo por aqui: Cristiano, estou contigo. Se há coisa que me deixa triste é ter de pagar impostos e assistir ao que o Estado faz com esse dinheiro, que me custa a ganhar e que nunca me sobra: tapar buracos financeiros, compensar erros de gestão de outros governantes, pagar prestações de compras sem explicação, pagar indemnizações de irregularidades contratuais, pagar estudos de projectos, pagar estudos de estudos de projectos, pagar estudos de viabilidade de projectos depois de terem sido feitos os projectos, pagar auditorias ao pagamento de estudos e encomendar novos estudos de futuras auditorias que provem que todos os estudos foram bem estudados – exceptuando os casos de determinados governantes (não vou dizer nomes) cujos estudos ficaram assim um bocadinho por estudar. Posto isto, amigo Cristiano: a tua tristeza é a minha tristeza. Sendo que a tua tristeza é, precisamente à tua medida, uns milhões de vezes maior do que a minha, na proporção directa do que o Estado Espanhol irá reter à tua conta e do que o Estado Português irá cobrar à minha. Tenho, por isso, pena de ti.

O drama de hoje, já se deve ter percebido, é o dinheiro. O dinheiro faz o vocábulo ficar redondo, já cantava a Liza Minnelli. Por dinheiro os nossos jogadores fazem qualquer coisa – por menos dinheiro, como se pode ver pelo parágrafo acima, o Cristiano Ronaldo faz qualquer coisa, também, mas em muito melhor, como é seu apanágio. Por dinheiro, os jogadores chegam a jogar no Benfica, por exemplo. E isso é notável. O dinheiro é um instrumento de persuasão, em certos casos, pernicioso. Por exemplo, no meu caso: faz-me trabalhar e encarar o assunto com naturalidade, quando natural, mesmo, seria eu fazer coisas de que realmente gostasse. Tais como ir ao futebol. Porém, preciso de dinheiro para isso. É por esta razão que não olho nem com espanto nem com tristeza para o que o dinheiro fez fazer o Javi García ou o Axel Witsel. A minha pena termina aqui: eram bons jogadores e eu gosto de ter bons jogadores. De resto, por mim até podem ser as novas concubinas dos magnatas que lhes compram o corpo e a alma, tanto se me dá.

Agora que já saíram, a minha preocupação, a minha atenção, o meu carinho e a minha fé focam-se nos que ficam. Esses, os que vestem a nossa Camisola, são todos quantos me importam. A minha preocupação e a minha atenção – mas não o meu carinho e muito menos a minha fé – concentram-se também na falta de precaução em toda esta matéria. A venda destes dois jogadores não constituiu surpresa, eram nomes vistosos, futebolistas cheios de potencial, os pretendentes que tinham eram vários. E é na falta de surpresa que reside a minha insatisfação: porque não se acautelou a saída – já nem digo de ambos – de um deles? Esta pergunta não fui eu que a inventei; esta pergunta está a martelar a cabeça de todos os Benfiquistas desde há quatro dias para cá, com pancadinhas suaves, mas ritmadas. E eu repito-a para que aqueles a quem a pergunta não melindra possam, também eles, partilhar da nossa sensação: porque não se acautelou a saída de um deles?

Antes de terminar, e porque o texto está a ser mais previsível do que o desfecho do nosso próximo match em Camp Nou, queria deixar aqui o meu contributo criativo, de acordo com a gestão e planeamento dos nossos plantéis, ano após ano. E faço-o como contribuinte ronaldamente triste, porque também a mim me entristece este excesso de criatividade de quem nos conduz: com as saidas de Javi e Witsel, entraram 60 milhões de euros. A cláusula do Falcao é de 55 milhões euros. Só estou a dizer.