terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Balanços: Top 10 - Melhores Equipas de Futebol de 2011

Benfica.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Os jogadores pelos nomes

Se o futebolista é brasileiro, é bem mais provável que se chame Erivelton Anderson do que João Carlos. Há no Brasil não só um fascínio pelo nome amodernado e criativo, que apresenta claras marcas de importação – as terminações em “on” abundam, por exemplo -, como existe até uma espécie de culto. Não é qualquer António Manuel que chega a craque do Palmeiras. Já um Giovani Edmilson tem tudo para vencer no Inter de Porto Alegre. Se o negócio é futebol, o nome é requisito essencial.

Vem este raciocínio a propósito de uma votação que decorre no inspirado(r) blogue do Constantino e que consiste em eleger o mais criativo nome português da história do futebol nacional. Fica aqui o reparo: mais criativo do que Cristiano Ronaldo é difícil. Tenho para mim que se trata de um caso em que a inspiração na escola brasileira é bastante clara.

Impossibilitados de rivalizar com Rivelinos e Edsons, Rivaldos e Hallisons, os portugueses não se apresentam, no entanto, modestos na competição. Tamagnini Nené ou Minervino Pietra são designações para intimidar até Jocivaltéres e Denilsons. Pessoalmente, divido-me precisamente entre o Minervino e o Tamagnini – estão também, mas com mais modéstia, a concurso João Persónio e Domiciano Cavém. Entre os primeiros dois, não sei quem eleger. Votei no Nené – se ele na dúvida, fazia golo, eu pela dívida só posso elegê-lo.

Com toda esta problemática a envolver-me o espírito, dei comigo em Mafra, para celebração natalícia, e a concluir o que me parece óbvio, claro: a classe média (e alta) urbana está a arruinar o futuro do futebol nacional – e depois queixam-se que temos poucos portugueses nos dois grandes e no Sporting. É que também por cá o nome é requisito. Futebolista tem de ter nome de jogador da bola.

Por exemplo, quando me apresentei no Torreense e me perguntaram o nome, respondi serena e convictamente “Diego” – a contra-resposta foi um olhar unânime, esperançoso, embevecido, cheio de fé de toda a equipa técnica. “Tem nome” diz o espantado adjunto. E todos os outros acenam que sim, ainda um pouco deslumbrados. O massagista quase se ajoelhou, em hipnose autência. A reacção não demorou muito a esbater-se, já que, 10 minutos mais tarde, eu lhes mostrava o meu talento futebolístico. Mas, durante esses ternos dez minutos, eu fui o Messias daquele clube.

Este meu efémero mas pungente sucesso aconteceu graças a um detalhe nada irrelevante. É que eu venho de Mafra. Em Mafra nós chamamo-nos Fábio ou Ruben, Cláudio ou Bruno, Diego ou Renato, ou ainda, mais recentemente, Ivan ou Leocarlos, dependendo da ascendência. Em Mafra somos menos que suburbanos e pouco mais que provincianos. E a classe média destes sítios não vem de famílias de nome tradicional – os nossos pais chamam-se Santos e Sousa e Silva e Torres e Ferreira. É essa a nossa identidade rarefeita porque ainda está em processamento – ali sempre se pertenceu a alguém, desde o feudalismo até ao Estado Novo. E é por isso que é em Mafra que está (até ver) o futuro do futebol nacional – e muito me aborrece que o Dépór ande a comprar chineses e coreanos, Zhangs e Wang Dongs, com tanto Márcio à disposição.

Mas, ainda pior que isto, a tal propagação da tradição da classe média urbana – que, vá lá saber-se porquê, está a mudar a nossa própria tradição de não ter tradição alguma e de se ser sempre o mais criativo progenitor lá da rua – está a colocar em risco a produção do jogador da bola nacional num futuro próximo. Porque quem se chamava Domingos era o meu avô paterno – distinto Benfiquista e trabalhador do campo; quem se chama Evaristo é o meu avô materno – sportinguista sem direito a adjectivo, trabalhou a vida toda numa cerâmica a fazer tijolo (dos poucos que pode gabar-se de o ter feito em vida). E a nossa tradição mafrense diz que devemos mudar, emodernar, evoluir. Não estagnar ou repetir o que já foi feito, chamar o que já foi chamado.

Chamemo-nos Igor ou Weldon. O salvador do nosso futebol não pode chamar-se Salvador; o nosso Dom Sebastião do esférico tem de chamar-se outra coisa, Sebastião é que não. Franciscos e Bernardos dão bons advogados – mas falta-lhes uma designação adequada para darem bons extremos. Cada coisa tem seu nome. E o futebolista português não pode chamar-se Afonso – é desprestígio para o nome e desperdício para o jogador.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Momento pedagógico

A imagem do meu perfil não é clara por ser demasiado pequena. Aparentemente, trata-se de um gajo bastante elegante a tocar uma guitarra lindíssima - o que não faz sentido para ilustrar o ilustre autor deste blogue quase de futebol mas muito Benfiquista. Ora, desenganem-se: atentem na fotografia colada na guitarra (cliquem que ela aumenta, suponho). É lá que reside o segredo.



(foto da Marina Guerreiro)

domingo, 18 de dezembro de 2011

Roswell da Alameda das Linhas de Torres

Sportinguistas, alguns ilustres, outros regulares, assinalaram a semana passada a efeméride: fez 25 anos que o Sporting ganhou ao Benfica. E logo por 7 a 1.

É justo que celebrem. Imagino o Benfica de hoje a bater o Real Madrid de agora por 7 a 1 e sei que o episódio, a concretizar-se, marcaria para sempre a minha memória. Não sei se faria jantares comemorativos daqui a 25 anos, mas não descarto essa possibilidade.

O 7 a 1 ficou na história pela mesma razão que Roswell ficou no mapa: são fenómenos potencialmente embaraçosos e difíceis de explicar. Há, no entanto, uma série de sub-fenómenos associados que dão que pensar.

Por exemplo, há 25 anos o Sporting festejava o seu grande feito. Na mesma época, o Porto conseguiu o maior feito da sua história, conquistando a Taça dos Campeões em Viena, diante do Bayern de Munique. Em simultâneo, o Benfica limpou - o termo não é leviano - campeonato e Taça de Portugal.

Há qualquer coisa aqui que sugere teoria da conspiração, que se insinua para que suspeitas se levantem, esquemas se desenhem, previsões se alinhem. Dá ideia de uma qualquer espécie de ordem cósmica, até. Atentem: há 25 anos, nesse ano em que o Benfica conseguiu mais uma - mas também a sua última, entretanto - dobradinha, Sporting e Porto atingem o seu expoente máximo. O Benfica, por seu turno, festejava o 25.º aniversário do seu maior feito: a conquista do título de bi-campeão Europeu, frente ao colossal Real de Madrid.

Há elementos aqui que se repetem, que se entrelaçam. Eu pus a negrito, para que os mais distraídos não se perdessem. Prossigamos. 7 a 1 é um resultado familiar ao Sporting. Há três épocas atrás, o Sporting perdeu por esse bonito número assimétrico com o Bayern Munique.

Olhando para este levantamento, deitei-me a pensar: o que significará cosmicamente tudo isto, todos estes factos, números e coincidências? É mais do que claro que existe aqui uma mensagem, trata-se de uma espécie de código... Eis o que concluí:

-em Maio, 25 anos depois de duas coisas e duas vezes 25 anos depois de outra coisa, em Munique, o Benfica vencerá o Real Madrid. Por 7 a 1.

Se a minha previsão falhar, participo no jantar do 100.º aniversário da vitória do Sporting sobre o Benfica - palavra de honra.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A goleada já está!

Agora só falta ganhar ao Rio Ave por um a zero. Festejemos!

Decidi editar isto e tirar aquele código feio do post. Assim, basta clicar aqui a na frase O Diego está contente para chegar ao sítio.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Esboço de ensaio sobre ir só ali ver a bola

Supondo que, precisamente à hora de um Benfica - Gil Vicente, vá, acontecia uma importantíssima Assembleia Geral da ONU: no momento em que a moeda fosse atirada ao ar a meio-campo, a minha preocupação seria somente esta: "espero que comecemos de Sul para Norte, caramba!". A questão "Será que a Palestina já é um Estado independente e reconhecido oficialmente pelos seus pares?" era coisa para me ocupar os pensamentos bastante mais tarde. Quem diz Assembleia Geral da ONU, diz Conselho de Estado em Belém ou reunião de emergência do BCE para rever as taxas de juro.

Esta suposição é uma falsa hipérbole: à luz do que é tido como razoável, a importância de um e de outro eventos não é comparável, sequer. No entanto, a verdade é que esta suposição é fidelíssima à realidade. E serve simplesmente para introduzir um texto sem falsos pudores nem hipocrisias de salão, um texto acerca da importância real do futebol enquanto elemento supostamente extra-real na minha vida.

No outro dia, falava eu com uma amiga – uma espécie de minha patroa da música – a propósito de umas quantas entrevistas recentes que dei relacionadas com música. E surpreendia-se ela, com certa indignação, «epá, em praticamente todas, têm de falar no Benfica, bolas!...» Por que razão há-de o Benfica ocupar um lugar tão importante na minha vida, a ponto de ser não só pertinente, como até relevante, num retrato que se quer para um músico? A conversa foi evoluindo até àquele ponto crítico: o futebol e a vida ou o comum mortal apaixonado por uma bola.

Pensei sobre o tema e as conclusões não podem ser definitivas – recolhi apenas pistas que agora tento organizar. Mas julgo que a generalidade das pessoas parte de um equívoco. Gente que nunca perdeu tempo a pensar seriamente sobre a vida, tende a julgar como acessórias determinadas actividades apenas porque dessas não depende directamente a existência. Concebeu-se uma sociedade em que o ser humano tem um papel tanto mais fundamental quanto a sua importância para, presume-se, a sobrevivência da espécie.

Ora, para começar, a sobrevivência da espécie é claramente sobrevalorizada. Isto é coisa passageira, amigos, uma gotinha de água, uma poeira. Daqui a 50 milhões de anos, não haverá sequer marca ou sinal da nossa há muito pretérita existência, exceptuando, talvez, uma ou outra ruína indecifrável: uma pedra de um resquício de uma ameia da Muralha da China, parte do esqueleto fossilizado do Luisão, a bancada Sagres do Estádio da Luz… Não mais que isto – e sei que estou a ser optimista, uma vez que a Grande Muralha já leva certa idade e muito desgaste de avanço. Pensem comigo: o que são 50 milhões de anos para todo o cosmos? Hum? Peanuts. Micro-peanuts, aliás. Nada. O que é que somos nós para tudo isto, para o todo, para o imenso, o infinito, o perpétuo?

A verdade é que nós somos só homens a fazer coisas, aqui e agora. Homens e mulheres a fazer coisas e a pensar em coisas durante um curto, efémero, ínfimo período de tempo. Tudo o que cremos ter importância é tão importante quanto a existência de pessoas a atribuir-lhe essa importância: as ideias, as memórias, os feitos - tudo existe apenas nas cabeças dos homens e das mulheres que aqui andam, a fazer coisas, a pensar em coisas, a gostar de coisas, a relembrar coisas. Quando não houver pessoas ou quando as pessoas deixaram de pensar nas coisas que outras pessoas fizeram, essas coisas, esses feitos, expiram – puff, evaporam, é como se nunca tivessem existido.

No entanto, as pessoas tendem a crer que os grandes feitos em áreas essenciais lhes concedem qualquer coisa ilusoriamente mais aproximada à imortalidade, ao eterno. Cuidais que a figura de Gengis Khan perdurará – isto, numa escala real e verdadeira: a astronómica? Ou a poesia de Homero ou a sabedoria de Aristóteles? O génio de Da Vinci, o rosto de Marilyn, as canções dos Beatles, a teoria da relatividade, a criação da vacina, a descoberta do fogo ou a invenção da roda – tudo efémero. O Cristianismo, o Budismo, o Hinduísmo, o Islamismo – tão perecíveis quanto o seu último crente. Os pontapés de Eusébio, as fintas de Maradona, o voo da águia, o terceiro anel ao rubro – apenas memórias de humanos, mortais, apaixonados pelo futebol.

E eu disse à minha amiga «ser do Benfica, ser do futebol, é ter uma fé imensa, é viver uma parte da minha vida com paixão pura, sem pedir em troca, sendo apenas devoto – é ser religioso». E ela estranhou. Considerou que eu exagerava. Mas eu não exagero. Exagerar é dar demasiada importância às coisas. Qualquer que seja a coisa. Não há imortalidade no futebol – pois não; tal como não há imortalidade em qualquer outra coisa: tudo finda, tudo expira. E diz-me ela «ah, mas e que te traz o futebol?». O futebol traz-me aquilo que Nietzsche – ele, como mais ninguém, percebeu isto – considerou ser a função primordial do homem neste mundo: o deleite. Que mais posso fazer eu neste universo imenso e implacável? Que tenho eu para acrescentar que seja perene ou relevante? Posso apenas ser feliz e tentar fazer feliz quem me é próximo. Tudo o resto são exageros. Enganos e exageros. Agora, posso ver a bola em paz?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O dia dos pesadelos

- Sonhei que o Jorge Jesus tinha morrido :( Assim, sem mais: "Jorge Jesus morreu", dizia nas notícias. E depois havia uma polémica em torno do aspecto do morto no féretro, n' O Jogo (claro...). E então, no velório, abriam o caixão e Jesus tinha o cabelo rapado. Foi horrível :(

- No trabalho, há minutos, olho e quem é que eu vejo? O Bruno Prata :( Com medo, saí da secretária, fui à casa de banho. Fazer tempo até ele se ir embora. Estava lá e ele entrou! Em pânico, terminei o que tinha a fazer e voltei a correr para o meu lugar. E lá veio ele de novo :( Não sei o que fazer. Devo ficar ou devo ir-me? Continua ali. Às vezes olha para aqui. E se aparece aí o Manuel Mendes?...

- O Eduardo Barroso escreveu que tem um amigo «à mais de 60 anos!» e não consegui continuar a ler a crónica dele - e isto aconteceu logo quarta linha.

-A Bola publica uma foto de rosto do Ansaldi. Na primeira página.

-E diz que faz 25 anos de uma palermice qualquer que agora não me ocorre. Estou farto deste dia! Farto! E com medo do que poderá acontecer até à meia-noite :(

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O óbvio ululante

Nelson Rodrigues trata assim as coisas que são tão claras que praticamente gemem, ganem pela nossa atenção, uivam lânguida e prolongadamente pela nossa compreensão – são coisas tão nítidas, tão explícitas, que poderiam bailar diante de nós. E, no entanto, há qualquer coisa em nós, talvez um artifício primitivo, ou talvez apenas alguma estupidez, que nos impede de compreender o óbvio, por mais que este ulule.

Gostava de ver Nelson Rodrigues escrever sobre Oscar Cardozo. Perante esta impossibilidade, tomo-lhe descaradamente as palavras, bebo-lhe desavergonhadamente a paciência para explicar aos menos aptos, com detalhe, aquilo que é imediato e natural para os bafejados de bom senso e percepção mediana (ou superior), e tento, ainda que timidamente, ter nem que seja um pouco da graça que Rodrigues sempre teve, mesmo quando escrevia acabrunhado por uma derrota dolorosa.

Tacuara. Chamam-lhe assim lá no Paraguai, porque é alto e vergado para a frente e é esguio, fazendo lembrar uma cana – vi na Wikipédia – específica da região. A tal tacuara. Fosse ele português e chamar-se-ia “Eucalipto”, sendo que hoje seria terceira opção numa União Desportiva Sousense, por exemplo – onde actua o melhor jogador que alguma vez defrontei: Filipe Cândido (depois de ter passado pelo Real Madrid, com 16 anos). Mas não. Tacuara tem a sorte de ser estrangeiro e de ter jogado na Argentina. Ao serviço do Newell’s Old Boys brilhou e o Benfica não foi de modas: 11 milhões em cima da mesa pelo cepo mais esguio que havia na América do Sul a jogar à bola.

É que o homem não sabe fazer uma finta. Minto. Sabe fazer uma finta: aquela. Vocês sabem do que eu estou a falar – ele faz assim, assim, assim, e passa à frente do defesa que, incrédulo, quase cai para trás. Resulta sempre quando o Tacuara faz “aquela”.

A verdade é que Tacuara, para além de ser grande, poucas qualidades tem. Faz uma média de seis golos por cada dez jogos. Tem um pé esquerdo poderoso, é certo. E, sim, claro, bate livres como poucos. Fora isso, lá marca de cabeça de vez em quando – pudera, com quase um metro e noventa -, faz golos de penalty – que grande dificuldade: ainda por cima, chuta quase sempre com demasiada força – e, de há uns tempos para cá, lá faz um ou outro golo fácil de pé direito. Como aquele ao Manchester United, para a Champions, por exemplo.

Tacuara dificilmente dá dois toques elegantes numa bola. E não o ponham a distribuir jogo ou a cruzar para os companheiros. Não o metam no lugar do Aimar. Nem do Nolito, que velocidade não é o seu forte. O Tacuara é um gajo pejado de defeitos. E disto eu não tenho qualquer dúvida. É que os tem mesmo!

Fora isso, é aquele gajo que fez 111 golos em 188 jogos. É também aquele que o Aimar ou o Nolito não poderiam substituir, nunca – nem às cavalitas um do outro. Nem o Rodrigo ou o Saviola ou Nelson Oliveira, já agora – todos de mãos dadas. Por cada vez que me leva ao desespero e à incredulidade, Oscar Cardozo acrescenta umas vinte em que me faz vibrar e nos faz ganhar. Se há nesta terra e nesta equipa alguém que merece a minha tolerância e o meu apoio, esse alguém é quem me dá pontos. E Oscar, o Tacuara, Cardozo é, de facto, um desses que me dá pontos. Às dezenas deles.

Se o Nelson Rodrigues cá estivesse e lhe pedissem uma definição para o “óbvio ululante”, não tenho dúvidas que a sua resposta seria “Oscar Cardozo, está na cara, até minha vizinha gorda e patusca sabe”. Mas isto só para quem não é lorpa nem pascácio.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Algumas das coisas mais importantes da vida

«A importância da vitória». Foi assim mesmo que a frase me ressoou na cabeça, um dia depois do concerto que me consumiu toda a semana – privando-me de todo e qualquer acesso ao futebol (Champions League incluída), transformando o Belo Desporto num anexo irrelevante da vida à séria. Mentira, claro. Na vida, aquilo que amamos é sempre o que mais importa.

Esta privação, este alheamento forçado do encanto da bola sobre a relva, correndo, rolando, deslizando até ao fundo da rede, deram-me que pensar. Ora na função essencial do futebol em todo o cosmos, ora na relevância relativa que o jogo tem na minha vida. Já tenho princípios e sugestões de caminhos para o tema, mas ainda não consegui atingir a conclusão satisfatória. Lá chegarei.

O concerto foi uma vitória e o Benfica vinha de uma outra vitória, que pouco contava, e de uma derrota que contou muito, com o adversário que se seguiu. Enquanto isso, eu cumpria uma espécie de penitência – ou, em alternativa, oferecia-me em sacrifício: «pelo que verdadeiramente importa, não vejo o jogo com o Otelul». Assim foi. Enfiei-me numa sala com mais três músicos para me distrair do desafio que decorria e o sucesso, suado mas merecido, apareceu, com Cardozo a empurrar a bola a cinco minutos do final e a sete centímetros da linha de golo – distância que ainda assim comportava algum risco para o paraguaio.

«A importância da vitória» - assim, exactamente assim, me ressoou na cabeça a frase que me questionava. E pensei e deixei-me levar pelos pensamentos. Fui sentindo coisas e apreciando o que sentia, imaginando os momentos de explosão e os de desilusão, recordando os feitos e os defeitos, mergulhando em trevas que julgava já ter esquecido e terminando quase em choro alegre ao revisitar gestos de celebração, gritos eufóricos e braços no ar daquelas grandes figuras, daqueles grandes homens que fizeram o Grande Benfica dentro das quatro linhas.

A vitória é um bem imaterial ao alcance, em cada momento, apenas dos melhores. Cada vitória é única, irrepetível, inimitável, intransmissível e indelével. Assim, a vitória é a terceira coisa mais importante do mundo. Estou a escrever e sinto o texto atabalhoado, as ideias vêm mas as palavras que as ligam não me chegam, sou como Aimar jogando ao lado de um Witsel paralisado, de um Cardozo desastrado e de um Rodrigo inconsequente: na ideia, tudo vem correcto; na prática, nada resulta que me satisfaça.

A primeira coisa mais importante é o conhecimento profundo da vitória. Sabê-la, em cada circunstância, de ponta a ponta, profundamente. Tê-la festejado com fervor, ter-lhe sentido o ardor e a loucura, dar-lhe a erupção que ela merece. E, depois, compreendê-la em todo o seu esplendor, calmamente assimilá-la e saber-lhe os detalhes e os contornos.

A segunda coisa mais importante é a consciência plena da derrota. Reconhecê-la ainda ao longe, adivinhá-la. E, quando ela chega, senti-la com peso e com luto. Sofrer por ela e nela, no momento, em toda a tragédia que ela comporta. E, depois da apatia, aceitá-la, entendê-la, decifrá-la, assimilando cada sensação que provocou e etiquetando cada razão que a fez existir.

Sem estas duas sabedorias, toda a vitória será fortuita ou, pelo menos, ininteligível. Desse modo, não serão profundamente vitórias, mas apenas vitórias à superfície, passíveis até de não deixar rasto nem memória.

E foi sobre isto que eu pensei ao longo da minha semana de boas vitórias – devidamente festejadas e sentidas, já agora. Só me falta compreendê-las bem nos próximos dias.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Nas palavras do Profeta

Por uma pouco verosímil mas muito feliz sucessão de acasos e coincidências, veio parar-me às mãos O Profeta Tricolor – Cem Anos de Fluminense, de Nelson Rodrigues. Antes de mais, há que agradecer e sublinhar a gentileza de quem, conhecendo o meu gosto pela literatura do futebol, fez questão de me enviar o livro. Recebi-o com enorme surpresa e ainda maior satisfação. Um abraço e tentarei ser breve na sua leitura, para que a devolução não demore. E aqui ficam, logo no ponto de partida, as minhas desculpas pelos cantos dobrados. Ao longo dos tempos, fui-me especializando nesta área do futebol: a marcação dos cantos.

O título do livro não diz muito, mas deixa antever o que lá vem dentro: uma reunião de crónicas desse “profeta” apaixonado pelo futebol – mas, alto!, primeiramente casado com o Fluminense. É charmoso no domínio da palavra, tem suavidade. Escreve sem pressa porque o golo pode esperar. O seu discurso exibe-se digno, escorreito, limpo, claro, bem elaborado, bem distribuído e, claro, apaixonado. Sem paixão o futebol não tem beleza.

Não tenho afinidade com o Fluminense. Nenhuma. No Brasil, existem poucos clubes com os quais tenho algum tipo de relação. Há, dos paulistas, o Santos, pelo nome e por Pelé, e a Portuguesa, por ser a lusa e ter resultado da fusão de associações portuguesas; dos cariocas, sempre me vi mais Flamengo, rubro-negro, a alma do Rio. Em miúdo, sempre que ouvia falar em “Flá-Flu”, nunca tinha dúvidas: era Flamengo. É, portanto, com alguma estranheza que leio, pela primeira vez, o relato das paixões de um adepto que tem em comum comigo apenas o facto de ser adepto apaixonado. Das leituras anteriores, havia sempre outro elemento a acrescentar a este – o clube, aquele treinador, o próprio universo do futebol inglês de 70 e 80. Algo que me era próximo. Neste caso, é como se tivesse ido assistir a um desafio ao estádio de um rival – mas um em que o meu clube não participasse. O mais impressionante é que recebi o livro há umas 20 horas e já vou na página 60.

Há uma passagem que li com especial prazer e regozijo. Diria mesmo deleite. Este derby, este Benfica – Sporting, tem sido muito mal tratado fora do campo. Foi tão bem disputado (é diferente de “bem jogado”), teve tanta alma, tanto querer, durante aqueles 90 minutos, e tem sido jogado com tão pouco brio por quem não toca na bola. Mudemos isso. Pela minha parte, farei tudo por me focar no que importa: a bola, as balizas, o jogo, a relva, os cânticos, os aplausos. O sonho do futebol naquele preciso momento em que é apenas futebol.

Vou transcrever a passagem a que fiz referência, com a vossa licença. Escreve Nelson Rodrigues, em reposta a um amigo que o provoca «vocês só sabem ganhar de um a zero?», depois de uma vitória do Tricolor (gostei tanto de saber que também são “pó-de-arroz”) por um a zero, lá está, sobre o grande rival Botafogo:

«(…) tudo valoriza o nosso feito. E eu quero aqui tirar o meu chapéu ao Botafogo. Muitos alvinegros saíram, de campo, amargurados. Mas sem razão, amigos, sem razão. A verdade é que o Botafogo teve uma bela atuação. No primeiro tempo, nós, tricolores, conseguimos uma regular preponderância. Depois, porém, a equipe de General Severiano fez uma força tremenda e o Fluminense teve que usar toda a sua potencialidade defensiva. Vencemos. Mas justiça se lhe faça: - embora derrotado, o Botafogo mostrou que tem um time considerável

E é assim que o “profeta” resume aquilo que eu gostaria de resumir em relação ao duelo de sábado. Foi uma vitória valorosa sobre um adversário valoroso. Houve homens em campo, leais, competitivos, desportistas. Lutou-se e jogou-se, houve esforço. Uns ganharam e outros perderam, mas todos tiveram mérito, honra e foram dignos, defendendo a camisola e o símbolo, mostrando que merecem vestir uma e ostentar o outro. A melhor sensação do mundo, quando é de futebol que se trata, será porventura aquela que se tem quando se vence com mérito; a segunda melhor, digo eu, será a que nos invade quando perdemos com honra, de consciência tranquila, aquela que vem e que, apesar da tristeza da hora, nos reconforta e anima, porque fomos dignos.

E era isso que eu queria dizer, porque é isso que me importa: estou grato a esta equipa do Sporting por ter valorizado, no relvado, a escassa – como diria o Nelson Rodrigues «somos humildes» - mas merecida e suada vitória do Benfica.