sexta-feira, 8 de abril de 2011

Carta ao Filho

Lisboa, 8 de Abril de 2011

Xavier Pedro,

Escrevo-te esta carta mais ou menos três anos antes de tu nasceres, se tudo correr como planeado. Se saíres ao pai, serás capaz de lê-la integralmente em 2016 ou 2017. Mas, por essa altura, ainda não terás maturidade suficiente para começar a entender a importância do que aqui te digo. Demorarás mais algum tempo até poderes conceber a magia e a beleza que a seguir te descrevo. Contemos que estejas apto para começar a interiorizar este espírito por volta de 2022. Não quero pressionar-te. Leva o teu tempo. Relê quantas vezes forem precisas. Conto estar cá para te explicar cada detalhe, para dissipar cada dúvida tua. Mas, se o destino assim não mo permitir, peço-te que busques, pelos arquivos, os jornais desportivos com a data desta carta.

A paixão clubística não tem método nem explicação. Suponho que varie de indivíduo para indivíduo. No meu caso, a herança foi importante. Os meus pais – teus avós – afirmam que a primeira palavra que eu disse foi “Nené”. Não sei se é verdade. Mas, a sê-lo, tal terá sucedido porque “Chalana” não é palavra fácil de pronunciar para uma criança de 17 semanas.

Quero dizer-te que o nosso Benfiquismo é de linhagem e que lutar contra essa paixão que sentirás no sangue de forma cada vez mais intensa será uma perda de tempo. É genético, Xavier. O Benfica não é o teu clube; tu é que pertences ao Benfica. O Benfiquismo não é uma ciência nem é uma escolha. É como que um dom e uma fé; e, às vezes, um castigo que deverás aceitar com orgulho e com esperança.

O meu Benfiquismo foi, nos primeiros tempos, conduzido e educado pelas duas únicas figuras com autoridade para o fazer: o meu avô Domingos e o meu pai. Com o primeiro, ouvi os primeiros relatos de bola, aos domingos à tarde, na telefonia a pilhas. Íamos todos para o pinhal e levávamos uma bola. Eu dava os primeiros chutos inconscientes e aborrecia-me que o meu avô parasse de jogar comigo porque se sentava a escutar o relato. Mas, com isso, aprendi a ouvir e fui fixando os nomes dos jogadores. Lembro-me de ouvir um nome que me encantava: Strömberg. Sempre que o ouvia, dava-me vontade de rir, achava o máximo – imagina um rapazinho de três ou quatro anos a ouvir “setrombérgue” no rádio… muitas das vezes, essa palavra cheia de graça era precedida por um grito que, aos poucos, foi ganhando o meu amor: goooooooooooooloo!. Agora que lês esta carta, saberás a que me refiro e hás-de o ter gritado muitas vezes, tenho a certeza.

Com o meu pai fui ver os primeiros jogos de futebol. Foi com ele que entrei no Estádio da Luz pela primeira vez – e pelas imediatamente seguintes. Com ele, pude ir percebendo a grandeza deste teu clube. Era um Estádio muito grande! Muito claro, destapado, à chapa do sol – o futebol, nesse tempo, jogava-se de tarde. As pessoas levavam buzinas e tambores, frangos e batatas fritas, garrafões de vinho e almofadas de sentar. Bandeiras, chapéus, bebiam-se minis e sumóis. A estátua da Águia, do mestre Soares Branco, ainda era novidade na casa. O primeiro jogo que vi foi um Benfica – Setúbal. Mal me lembro. Recordo-me que havia o Bento na baliza, o tal Nené, o Chalana e o Humberto. O primeiro jogo de que me lembro com grande detalhe é de um Benfica – Sporting de Espinho (os “tigres”), que ganhámos por um a zero: o Valdo bateu o canto, isto já pelos oitenta minutos, e o Ricardo Gomes recebeu no peito levantando com mestria para a cabeça, matando em seguida com um golpe fortíssimo, uma “testada” severa e potente que não permitiu defesa ao pequeno Silvino (não o que viria a ser do Benfica; outro, que devia ter pouco mais de um metro e setenta, mas que parecia de borracha!).

Pela altura em que lês este humilde testemunho com entendimento e consciência, conto já ter-te mostrado muito do Benfica e espero que o teu avô já tenha ouvido relatos contigo precisamente no mesmo sítio em que o meu os ouviu comigo. Mas não posso deixar de escrever-te neste dia que é de grande alegria. Ontem foi um dia histórico para mim. Vencemos aqueles que nos impediram, em 1988, de sermos tri-campeões europeus. Fomos esmagadores, embora perdulários (podíamos ter marcado o dobro). Era o PSV Eindhoven, uma equipa que nunca – NUNCA! – poderia, em toda a história, ter sido superior a nós mas que, nessa tarde longínqua de Estugarda, nos tirou a mais bela das taças sem nunca a ter merecido. E ontem o Benfica explicou ao PSV o seu lugar no mundo. Jogámos tão bem, Xavier. Quero que saibas que temos nesta equipa, de 2011, jogadores maravilhosos como Fábio Coentrão e Maxi Pereira, gigantes daqueles com que a história benfiquista sempre foi feita. Homens de grande talento, como Pablo Aimar, Javier Pedro Saviola ou Eduardo “Toto” Salvio, cujo toque de bola pode ser invejado em qualquer era deste desporto, em qualquer canto do mundo. Temos patrões lutadores, homens que são a espinha dorsal da equipa que me orgulha com todo o mérito e dedicação: Luisão, o nosso capitão – exemplo raro de entrega e antiguidade no clube - e Javi Garcia, um portento que veio de Espanha e que é uma muralha e que abre os braços e empurra a equipa só com o espírito e estica as pernas e aniquila as intenções do adversário mais afoito. Tenho muito orgulho neles. Deixam-me muito feliz. E eu queria que tu soubesses disso.

Quando leres esta carta, a grande parte desta equipa já terá pendurado as botas. Mas há dois que são jovens e tenho esperança que, em nome destes tempos bons que hoje vivem, queiram terminar a sua carreira com as nossas cores. Falo de Coentrão e de um que é suplente, mas que tem uma fibra ímpar, que se chama Franco Jara. Se algum deles ainda estiver na equipa quando leres este texto, orgulha-te deles. Mesmo que já lhes faltem as forças, aplaude-os com todas as tuas forças sempre que subirem à relva: eles já deram muitos momentos felizes ao teu velho pai.

6 comentários:

T. disse...

Amen!
Adorei! :'D

Catenaccio disse...

Espectacular!!! Parabéns pelo texto.

jose garcia disse...

Lindo

Anónimo disse...

lindo!

Gonçalo A. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Xavier? Sim, parece-me bem... mas isto sou eu a falar em causa própria. Xavier Pedro é foleiro, mas isso tu já sabes.