segunda-feira, 22 de agosto de 2011
A síntese aos seus pés
No futebol, como em muitas outras artes e disciplinas, o poder de síntese é importante. Partindo desta premissa, decidi testar a minha capacidade de sintetizar. Assim, sábado passado a minha ida à Luz foi várias coisas ao mesmo tempo: uma ida à bola – com bifana e coirato incluídos -, uma festa de aniversário e uma homenagem a Cesária Évora. Ou seja, sou poderosamente sintético. Bom, mas, como é hábito, proponho que nos foquemos no que realmente importa: a homenagem a Cesária Évora. Nunca tinha pisado um grande palco descalço. Na verdade, continuo sem ter pisado um grande palco descalço. Mas pisei, pelo menos, a bancada da Luz sem intermediários entre os pés e o betão que tanto estimamos e tão bem nos suporta, semana após semana, época após época. Foi com uma sensação libertadora que entrei na Catedral de chinelos e calções. Senti-me mais próximo da essência divina que a sede física do Benfiquismo materializa. E aqui vos deixo uma nota curiosa: quando o Maxi correu para entregar a Cardozo aquela bola que só podia dar golo, primeiro; e quando o meu anafadinho (quase) preferido, com três pulinhos e três toques, arrumou a questão, depois, pensei para comigo “bolas, esta táctica à Cesária resulta mesmo!”. O meu obrigado à diva de Cabo Verde. Resulta muito melhor do que o meu cachecol da sorte.
Isto dos pés e da síntese tem que se lhe diga. Pessoa sintética por definição, Pablo Aimar personifica, em pouco mais de 165 centímetros de altitude, a excelência da qualidade em quantidade generosa num invólucro de dimensões reduzidas. A cada jogo, Pablito parece aumentar, crescer, expandir-se autenticamente pelo planeta do futebol, pelo universo do Benfica. Quando deixa o relvado sob o aplauso da multidão, no entanto, é possível constatar que é pequeno e magrinho. Depois o público entoa o seu cântico e o enorme 10 agiganta-se de novo, agradecendo com a humildade e a graça de quem só pode ser o maior de todos. E, se pensarmos um pouco, compreendemos o que é óbvio: os pés talentosos de Aimar começam-lhe na inestimável cabeça. Talvez a curta distância entre ambas as extremidades lhe facilitem a vida.
Há, porém, quem tenha bons pés mas seja desprovido de poder de síntese. Saviola é um exemplo claríssimo do que afirmo. Aliás, neste momento, é um dos expoentes máximos da prática da complicação. Se o desacerto pontual se lhe perdoa – como deve perdoar-se a todo quanto é génio –, já a sua infinita capacidade para tornar complexo o que é muito simples complica-me com os nervos. Isso e a sua aversão a partilhar a bola com Cardozo – mais um senhor que, apesar da sua alongada e corpulenta existência física, sintetiza muitíssimo bem na hora de finalizar.
Há casos mais estranhos. Gaitán, por exemplo. Se pés não lhe faltam, poder síntese muito menos: consegue fazer tudo o que tem a fazer em apenas três ou quatro lances por jogo – aqueles em que se digna a fazer parte da equipa e a jogar um bocadinho à bola. Se aquela bola que bateu no poste tivesse terminado no interior das malhas, a situação seria menos grave. Mas não terminou e, assim, para a história fica a lição que Bruno César lhe deixa: podes jogar poucochinho e ser mandrião, desde que metas a bola lá dentro com classe e com estilo.
Por falar em ficar para a história: esta estreia de Capdevilla soube-me a muito pouco. Escondeu-se do jogo, evitou participar nele a não ser nos momentos absolutamente indispensáveis. Fica o benefício da dúvida – creio que o ritmo da super-estrela espanhola ainda é muito baixo. Mas se sintetizarmos a sua produção frente ao Feirense, obtemos apenas dois lances: num, fez uma abertura notável para Nolito, com a bola a chegar direitinha, redonda e ligeira – diria “suave” – aos pés do goleador da extrema-esquerda (futebolisticamente falando, claro); noutro, após uma extraordinária troca de bola ao primeiro toque, em que a defesa e o meio-campo do Benfica tentavam sair a jogar (e bem…), Capdevilla perdeu a bola no centro do terreno num lance que podia ter trazido grande perigo para Artur. Fica a minha humilde sugestão para o ultra-campeão pela Espanha: para a próxima faça como Cesária, jogue descalço. Comigo resultou.
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3 comentários:
Já cá tinha estado, confesso, mas acabei por não criar qualquer ligação afectiva ao mesmo (blog) no passado, e assim durante muito tempo não voltei... Está feito o mea-culpa.
No entanto, uma breve menção no BnRB fez-me cá vir, até porque era uma justaposição de um blog que sigo, o Céu Encarnado, e este, e a maneira como estava escrita soou-me a estranho... Vim cá ver!
Deparei-me com um dos blogs mais bem escritos que já vi na Blogosfera, perdão, Gloriosasfera, que é uma Blogosfera só nossa, de Benfiquistas, e neste post, enfim, não podia deixar de comentar.
Está excelente, e vim a ler desde o mais recente até agora, a meio do blog, já, e não podia deixar de comentar mesmo... Não sou grande sintético, já mo disseram várias vezes, mesmo quando eu quero ser, e acabo por fazer testamentos que nunca mais acabam, mas termino por aqui com a noção de que, da próxima vez, tentarei fazê-lo descalço, poderá calhar bem e sair-me ainda melhor a síntese...
Grande Abraço
Márcio Guerra, aliás, Bimbosfera
Bimbosfera.blogspot.com e agora também Blog do Manuel
P.s.- Se quiser trocar links, nem que seja para eu não me esquecer de cá vir de vez em quando, esteja à vontade para trocar com o meu Bimbosfera, ou então com o Blog do meu amigo Manuel, onde escrevo sobre o Benfica (ocasionalmente)! De qualquer forma devo colocar o seu no Bimbosfera, pelo menos! Obrigado!
Com todo o gosto, coloquei um link para a Bimbosfera. Um abraço, Diego
Para todo o efeito, o link foi colocado logo no dia lá no Bimbosfera. Da minha parte, obrigado por colocar o meu por aqui!
Grande abraço!
Márcio Guerra
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