quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Do maravilhoso imprevisível

Se há coisa que um dia posso vir a agradecer a Rui Vitória é a devolução do futebolismo ao futebol do Benfica. Não, ainda não estou na fase de dar palmadinhas nas costas do nosso treinador. Quando chegar o dia - se esse dia chegar - de engolir os sapos por tudo o que penso, disse e escrevi sobre Vitória, sugiro que troquem os tais sapos por pernas de rã (e então abro uma garrafa de champgne sério e caro e atiro-me ao castigo com a gula do perdedor que, no fim das contas, saiu claramente a ganhar).

Mas não chegámos tão longe, o nosso caminho ainda é curto. Estou a falar de futebolismo. Ontem, respondendo a várias solicitações do tipo "então e logo?", reagi com a ingenuidade legítima de quem não faz ideia do que pensar sobre "logo". E é a recuperação desse lado místico e indecifrável que eu poderei um dia agradecer a Rui Vitória.

O passado recente habituou-me a sistemas lógicos em que o Benfica ganhava uma enormíssima percentagem dos jogos que tinha que ganhar e em que nunca conseguia contrariar as probabilidades e desfazer as derrotas que se adivinhavam no horizonte. O futuro era simples, as previsões eram fáceis: se era de ganhar, ganhávamos quase sempre; se era de perder, perdíamos sem oscilações ou sobressaltos. O Benfica era científico, metódico e rigoroso, concretizava expectativas sem espaço para devaneios, variações ou exuberâncias. E agora tudo mudou.

Bem sei que escrever a posteriori soa sempre a prognóstico de João Pinto. Mas acreditem que não é o caso. Tive esta conversa várias vezes ao longo do dia de ontem. Não sei muito bem onde está o segredo esotérico de tudo isto (porém, alguma coisa há-de estar bem feita, concedo). Mas eu ontem acreditava que era possível - embora altamente improvável - ganhar ao Atlético de Madrid. Porquê? Sei lá. Porque às vezes acontecem coisas.

Não estou com cabeça para explicar muito melhor o que quero dizer. Passei uma manhã nas finanças a tentar perceber como funciona isso do IVA e, antes disso, fiquei uma hora à espera do metro na Linha Azul - até que desisti e pedi o livro de reclamações, enfim, passei uma manhã entre a indignação, a incompreensão e a sensação de estar a ser profundamente injustiçado pelo mundo. Felizmente, levava comigo A Bola e, a cada contrariedade, respondia com uma espreitadela à capa, com Jonas e Gaitán à solta, em festejos.

No fundo, encanta-me esta dimensão em que o Benfica não cria expectativas mas permite ter esperanças legítimas. Não saber o que esperar é muito melhor do que ter exactamente aquilo que se espera, a toda a hora. Percebo agora que tinha, por pudor e excesso de realismo, censurado os meus desejos Benfiquistas. Andava aqui só a ser espectador. Tinha as minhas superstições, claro, calçava as sapatilhas certas, enfiava as meias certas, levava o casaco certo, bebia a cerveja certa - tudo para que nada falhasse. Mas sabia que era a ciência quem mandava, permitia e explicava tudo o que acabava por acontecer. Hoje sinto-me mais livre. Permito-me certos optimismos e tudo. Porque não? A ideia é desfrutar. Às vezes, isto é tudo tão bonito.

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