Se os irmãos Coen percebessem alguma coisa de soccer, em vez de um barbeiro teriam escolhido um mau striker para escrever este filme – e até podiam deixar lá a Scarlett Johansson à mesma, se quisessem.
O ponta-de-lança tem, no futebol, desde sempre, a mais intangível e difícil de descrever das características fundamentais de um jogador. Não é fácil falar sobre ela. Trata-se de uma espécie de toque de Midas, que funde timing com perspicácia, decisão com inteligência, esperteza com precisão. No fundo, a qualidade que se pretende num matador é aquela que lhe permite o gesto fatal, o golpe que muda o jogo e que faz a história.
Há pontas-de-lança de vários estilos e para muitos gostos. Há-os mais participativos e lutadores, como Wayne Rooney, ou os mais furtivos e discretos, como Inzaghi. Há-os completos, como Henry ou Ronaldo Nazário, os toscos, como Crouch ou Cardozo. Pouco interventivos, como Jardel ou Van Nistelrooy, ou muito em jogo, como Larsson, Raúl ou o Grão-Mestre Bergkaamp. Os adjectivos que os descrevem importam pouco. Para além de empolgarem mais ou menos os adeptos, todos estes têm (ou tinham) em comum aquela tal coisa mística, o extraordinário poder de fazer o golo.
Sendo talvez impossível explicar esta inefável qualidade, torna-se, pelo contrário, muito fácil identificar a sua ausência. Um mau ponta-de-lança é, sempre, aquele homem que não está lá. É a primeira lei do futebol: para se fazer um golo, tem de se tocar na bola – e às vezes nem isso basta (atente-se no golo de Saviola – outro! -, que se desviou da bola rematada por Cardozo e…). Estar lá é imprescindível a um ponta-de-lança decente.
Ontem, no estádio, constatei definitivamente uma coisa sobre a qual ainda tinha dúvidas e secretas esperanças: Kardec não é um bom striker. Não houve um único lance em que tivesse estado oportunamente no lugar onde cai a bola, uma antecipação a um defesa, uma sorte num ressalto, uma oportunidade de recarga. Bem podia ser barbeiro.
5 comentários:
Antes de mais, longa vida ao blogue!
Quanto ao Kardec, gostei muito dos primeiros jogos que fez quando o Cardozo estava lesionado: participativo, aparecia bem na área (a tal característica de que falas), bom cabeceador, procurava tabelar com os médios. Em suma, estava a crescer. Depois veio Cardozo e o homem foi para o banquinho, como é óbvio e justo. Agora, sempre que joga, parece perdido em campo. Mas acredito no valor do miúdo. Dá-lhe mais uns joguinhos.
Também eu vi qualidades no Kardec. Mas não consigo encontrar "aquela" característica - precisamente a que mais importa. Atenção que este texto não é um bota-abaixo ao homem. É apenas uma constatação da minha descrença, com a devida justificação.
Não há paciência é para o teu amigo Menezes...
NT
É verdade que me tem desapontado um pouco. Parece-me que sofre do síndroma Pedro Barbosa: uns pés magníficos; uma preguiça estonteante...
Preguiça mental. Eu já nem ligo muito à lentidão no movimento, eu desespero é que com as hesitações e a falta de ideias, o que o coloca a milhas do croissaints...
NT
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