sábado, 18 de fevereiro de 2012

Bispos e trivelas

O Benfica só joga segunda-feira, o Rodrigo está melhorzinho, graças a Deus, a Rússia já lá vai e o Porto só joga amanhã. O futebol está deserto, só faltam arbustos secos a rolar ao vento pelas ruas da cidade. Falemos de xadrez.

Teóricos do Belo Desporto encontram pontos em comum entre o xadrez e o futebol. Invariavelmente, referem-se ao pensamento estratégico. Tenho opinião diferente. O xadrez e o futebol têm muito mais em comum. Por exemplo, a finta. Não raras vezes dou por mim a pensar quando um cavalo me dá xeque, pronto a comer-me a torre ao canto, "ah, malandro, que me enganaste". Um teórico pensará "não tens pensamento estratégico". Talvez, talvez. Mas se isso acontece é porque vejo no xadrez a beleza do improviso e do inesperado. Confesso que gosto de surpresas. Deslumbro-me ao olhar para um tabuleiro e pensar "caramba, como é que isto ficou assim?". Dou comigo a achar que o xadrez é um jogo mágico em que as coisas acontecem por uma razão mais ou menos misteriosa.

Se há quem defenda que o futebol necessita da estratégia de um mestre xadrezista, já eu contraponho que o xadrez merece a inspiração de um futebolista de génio. O xadrez só tem a ganhar se for jogado de uma maneira futebolística, com mais pontapé para a frente. De vez em quando, vá, um lance de cabeça. Mas, de um modo geral, gosto de imaginar que as peças se driblam umas às outras. Para mim, é mais anarquia e menos estratégia. Muito me alegra dar um xeque-mate e pensar "olá!, como é que isto aconteceu?". O inesperado de cada lance encanta-me sobremaneira e acho muito disparatado isso de calcular quatro, cinco e seis lances com antecedência. Porque não desfrutar das coisas como elas vêm, deixar que o jogo aconteça? Podem pensar que é infantilidade minha. Eu prefiro chamar-lhe "purismo". Não desvirtuemos o jogo. Se ele é tão belo e perfeito, não podemos descurar o papel que o acaso e o acidente têm no desenrolar de cada partida. Pelo menos, de cada partida disputada por mim.

Sim, perco alguns jogos. Digamos, 80% dos jogos. Ando em baixo de forma, tenho peças em período de adaptação, algumas delas andam desmoralizadas. Caramba, toda a equipa tem altos e baixos. Mas mantenho-me fiel aos meus princípios de jogo: improvisemos. Um jogo pensado em demasia torna-se maçador, enfadonho. Gosto mais de desafios dinâmicos. E, sobretudo, gosto de incitar o factor surpresa. No outro dia, a seguir ao jogo com o Nacional, fui jogar uma partida com um amigo. O lance do Gaitán ainda me estava fresco na memória. Inspirado, ataquei-lhe a rainha com o meu cavalo, aos ésses. E ele vira-se "oh, estás parvo?! O cavalo só anda em él" e eu "então vá, marca a falta". Levantou-se e abandonou o jogo. Eu preferia ganhar com xeque-mate mas, enfim, uma vitória é uma vitória. Deixou-me satisfeito não apenas o facto de ter ganhado mas, sobretudo, a clara demonstração de que um lance daqueles desmoraliza qualquer adversário. Ficou provado que a inspiração e o improviso desequilibram em qualquer modalidade.

Também na saída para o ataque tendo a aplicar princípios do futebol. Quando, por qualquer razão que desconheço, a minha frente de peões desaparece ou se desarruma como uma gaveta de meias de quando eu tinha dezasseis anos, penso logo em Luisão. Não há linhas de passe? Rainha lá para frente, é o chamado "chutão". Quem quiser que apanhe. Nem sempre corre bem. Não tem problema, atiro com um bispo, tipo trivela. Logo se vê. Se não for eficaz, será, pelo menos, bonito e arrojado. O xadrez também pode ser belo!

Gosto é das torres. Aquele jogo simples, directo. Não andam cá a inventar, é tudo muito Maxi Pereira. Sempre em frente até à linha e cruzar para quem aparecer. Às vezes não aparece ninguém: está a recuar, retoma a posição. Tenho para mim que se o xadrez se jogasse com dezasseis torres, era muito mais simples e bonito, como o futebol inglês. Infelizmente, não fui quem inventou o jogo. Mas fica a dica para a federação internacional: mais torres em campo, se faz favor.

Não gosto do rei. É a prima donna. Lento, preso de movimentos, prejudica claramente o desempenho da equipa e só dá chatices. Se pudesse, substituía-o logo à meia-hora de jogo. E só era titular porque é obrigatório. Por mim, nem o convocava. É uma eternidade para subir no terreno, não se desmarca, não pode ir ao choque, não concretiza. Em suma, tem uma equipa toda a jogar para ele e não produz. Pior que isso, fui ao mercado em Janeiro e não há reis em condições, joga tudo igual. Para peça fundamental do jogo, acho muito pobre.

Quem quiser disputar um jogo aberto - nada de jogar para o empate -, é só convidar-me no Chess.com. O nome é diegoarmes. Gostava que vissem o meu xadrez de ataque.

6 comentários:

ZeduViana disse...

só me dás razão. a minha opinião é de que o cardozo é demasiado rei no benfica.

Diego Armés disse...

Rei no Benfica só há um e se lhe falta mobilidade tal deve-se ao avançado da idade - 70 anos não são brincadeira.

E o Cardozo concretiza e produz. Logo, discordo.

Hugo disse...

"Lento, preso de movimentos, prejudica claramente o desempenho da equipa e só dá chatices. Se pudesse, substituía-o logo à meia-hora de jogo"

Quando escreves sobre o Rei no Xadrez e alguém o associa ao Cardozo, peço desculpa, mas não só discordo como não entendo...

Prejudica o desempenho da equipa quando está sempre a facturar?!?Que chatices que é festejar os golos do Tacuara...

Quanto muito lembra-me o Gaitán pelo seu jogo, muitas vezes associado a um relaxamento enervante..

Enfim, são opiniões...

Mas, quanto ao que interessa, excelente prosa!

Abraço

mago disse...

As torres serem o Maxi esta' so' "au point".

Desconhecia a existencia desse tal chess.com, mas como tambem sou adepto do xadrez de 1 jogada vou tratar disso. Depois e' so' arranjar uma hora de alguma madrugada.

pitons na boca disse...

Que brutalidade de texto! Magnifico. :D

Qualquer dia alguém vai pensar que sou eu quem escreve neste blog, de tanto as colar na parede do meu facebook, com o cuspo seco de quem está de ressaca da noite anterior. Só depois é que reparam que as minhas capacidades de criar textos magníficos é nula, portanto não serão textos meus (e não, eu nunca digo que são textos meus, descansem).

A malta que prevê as 3 ou 4 jogadas seguintes é como quem ensaia um livre ou um canto estudado. :)

Mr. Shankly disse...

Grande. E estou cheio de vontade de jogar contigo, mas a dinheiro.
Acrescento que o Aimar deve ser uma Dama, e o Nolito, por razões óbvias, um bispo. O JVP deve ser um grande jogador de xadrez, não me lembro quem é que disse que ele adivinhava o que ia acontecer com alguns segundos de antecedência. E jogava ao ataque, por isso como vês uma coisa não exclui a outra. Aliás, o Kasparov unia as duas admiravelmente.