Tudo isto tem que ver com uma questão de propósito. Nunca tinha pensado neste assunto. Aliás, já me tinha ocorrido, mas muito ao de leve, muito sem profundidade. O princípio da vitória, a sua origem: para que serve ganhar? Hoje em dia, ganhar tem uma série de consequências bastante agradáveis, nomeadamente ao nível financeiro. Porém, há 160 anos atrás, ganhar começava e acabava no acto de ganhar, precisamente. Era só isto, não existia mais que isto. Uma pessoa ganhava e, com isso, enfim, era vencedor. Até ao dia seguinte às sete da tarde quando soasse a campainha da fábrica a dar ordem de saída. Então, disputava-se novo jogo para que alguém ganhasse e, com isso, fosse vencedor. Até ao dia seguinte às sete da tarde…
No fundo, ganhar, em si mesmo, não passa disto: é ganhar. Quando penso nestas coisas, fico muito desmotivado, porque há aquele esvaziamento de expectativas, uma espécie de sucção de fé – parece que se conseguiu algo mas, no entanto, não acontece coisa alguma para além desse “algo”. Ganhou-se e isso é suposto ser aquilo que importa. Mas custa-me que tenha havido tanto trabalho e esforço e, no fim, a glória se resuma a um forte aplauso e uns “parabéns” mais ou menos forçados por parte do adversário batido. Tem de haver mais qualquer coisa.
Esta ideia transtornou-me muito porque me fez acontecer aquele fenómeno que sucede quando mastigamos intensivamente uma determinada palavra e, ao fim de um tempo, ela já é só um fonema estranho e irreconhecível, sem significado e sem jeito. Ao fim de um tempo deste raciocínio, concluí: no fundo, é igual ganhar ou perder ou empatar; é efémero e não tem um verdadeiro propósito para além do evento em si. Não há transcendência, existe apenas eventualidade – andaremos a festejar coisas vazias?
Porque o fazemos, então? Porque nos esforçamos por fazer golos e por ganhar? Para demonstrarmos superioridade? Parece-me pouco nobre, próprio de gente com complexos e traumas. Não, tem de ser mais do que isso. E se for para magoar o adversário? Soa-me bem, parece-me honrado! Desmoralizá-lo, tirar-lhe auto-estima, fazê-lo crer que não presta e que não devia dar-se ao trabalho de, sequer, tentar disputar coisas connosco. Ganhar é uma ferramenta da crueldade e é por isso que precisamos de o fazer. Quem não ganha é triste. E cá estaremos para o lembrar de que o é a cada derrota que sofra.
O ser humano é bastante simples na sua complexidade, mas, por sorte, é carregadinho de defeitos no seu jeito previsível de existir. É essa a nossa salvação. Se ao nível da racionalidade o homem é de uma mendicante e embaraçosa modéstia, já no que concerne à iniquidade somos abastados como reis. Ganhar é muito mais do que ganhar. Marcar um golo não é só marcar um golo.
Ganhar é, ainda, fundamental. Mesmo que o meu índice de crueldade fosse reduzido – caso que não se verifica –, ganhar seria essencial para prevenir a vitória de quem me defronta. Eu até podia não fazer questão de subjugar o adversário; mas não poderia permitir, em circunstância alguma, que esse adversário viesse com pretensões a magoar-me o amor próprio. Era o que mais me faltava… Impedir que o adversário ganhe ganhando eu é sempre a solução perfeita.
Agora que releio, noto que talvez esteja a enfatizar em demasia o papel da crueldade no desempenho de um vencedor. Não digo que esteja a mentir – porém não pretendo ficar mal visto. Foquemo-nos, portanto, na importância da desmoralização do adversário. Prefiro ir por aí. Hoje, em Guimarães, é importante desmoralizar o adversário, ganhando. Refiro-me ao adversário verdadeiro, não ao honrado e nobre Vitória. O Vitória é o nosso oponente de ocasião, quis o destino que hoje o tenhamos pela frente. Mas não é o nosso adversário. Esse é outro e espera, em silêncio e resguardo, que o Vitória nos embarace. Para quem espera por isso, aqui fica o meu incentivo à cautela: se hoje ganharmos, será vossa a auto-estima melindrada (e nem sequer precisaram de perder). Para nós, é um cenário perfeito.
2 comentários:
Siga para a Vitória, para deixar os vitós tristes e nós alegres!
Acabaste, talvez sem o querer, de escrever um retrato nada inexacto do capitalismo.
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