sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Una Calle para mí

Gosto de abrir as fotos de amigos no facebook, sobretudo daqueles com quem não estou há já algum tempo. Invariavelmente, vou percorrendo outras fotos de outros amigos até chegar às fotos de pessoas que sei que conheço ou que talvez conheça mas que não são amigas. Pessoas que já vi, há muitos anos, não me lembro onde. Mas que vi muitas vezes ou vezes suficientes para presumir docilmente que existiam e provavelmente ainda existem. Perco horas a olhar para praias banais, jantares em restaurantes baratos, poses animadas em grupos de gente bêbeda, crianças que eu nem sabia que tinham nascido, festas de aniversário no pátio das traseiras em mesas corridas improvisadas sob as toalhas de plástico com figuras tradicionalmente nacionais, idas a piscinas municipais, turmas do nono ano de 1994. Vejo como os anos passaram por todos eles ao mesmo tempo que passaram por mim. Toda a nossa pequena miséria conformada, toda a nossa desgraçazinha de ser uma pessoa na vida, de ter um trabalho, de fazer filhos e de contar dinheiro para pagar contas está vaidosamente documentada e emoldurada. Por vezes, é exibida numa encenação de felicidade.

Nestas alturas, sinto o apelo da mudança. Há qualquer coisa em mim que se insurge dizendo “eu não sou assim, não posso ser assim”, tentando provar-me que ainda me resta uma nesga de ambição e uma fatia de auto-estima. Nestas alturas, acho que Lisboa me gasta sem eu dar por isso e sem me dar grande coisa em troca. Pablo Aimar vai ter uma rua com o seu nome em Valência. E eu, vou ter o quê? O meu nome consegue, com algum esforço, constar da guest-list de certos concertos em Lisboa e é tudo. Concertos de amigos.

E então, imagino-me a chegar ao pé da Lady Verde e dizer «anda, vamos embora. Estou farto de estar aqui». Fazemos a trouxa, enchemos o carro até não caber mais um par de meias. E aí vamos nós, direitos ao Sul. Há lá sol e praias de águas tépidas, peixe fresco, marisco e muito silêncio, muito espaço e muito tempo. Podemos dormir a sesta todos os dias e olhar para os relógios sem receio, a degustar o tédio. Vamos para o Burgau. «Adeus Lisboa».

Imagino-me perfeitamente a sair do carro e a sentir o cheiro da maresia contemplando o meu novo mundo abraçado à Lady, com aquele ar de felicidade que os casais que atingem objectivos têm, aquele sorriso de “hu-hum… era mesmo isto… era precisamente mesmo isto… era isto mesmo, acho eu”. E eu a olhar em redor. Lentamente hesitando, lentamente mudando a expressão enquanto perscruto a paisagem, chegando ao ponto de insistir com o horizonte, dramaticamente implicando com ele.

«Espera… esqueci-me duma coisa» «ãh?» «vamos voltar para cima» «mas… o que foi?» «vamos»

«Diego!... o que é que se passa…?»

«a Luz, baby… a Luz…».

6 comentários:

Ricardo disse...

Vocês são uns acomodados do caralho. Este homem presenteia-nos com pérolas dia sim dia sim e nem um agradecimento, nem um comentário, nem um "tá giro, sim senhora". Agora é assim, é? Vêm aqui, lambuzam-se e vão-se embora sem dizer ai.

Pó caralho para vocês todos.

Belo texto. Estás a concorrer aí com uns 10 para os melhores 15 posts do ano. Há tempo para mais.

Diego Armés disse...

Nem um "foda-se!" ._.

Vareta disse...

Bonito. Mas terá sido um sintoma da idade, o facto de a "fuga para o Sul" se fazer na forma burguesa de veículo automóvel próprio?

mago disse...

Foda-se, que texto filha da puta. (esta' melhor assim?)

Gosto de ver que o perfume do futebol de Aimar serve para inspirar textos igualmente perfumados dos melhores bloggers Benfiquistas que por ai' andam. Para quem esta' `a distancia e nem sempre consegue ver os jogos completos (por, sei la', serem a uma segunda-feira de manha), sempre e' uma compensacao que se aceita.

Abraco.

pitons na boca disse...

Penitencio-me de não ter comentado antes. E sei bem que o facto de só ler isto agora não é desculpa mínima para não haver um comentário meu, mesmo assim.
Com os meus estudos académicos a nível de computação, já era mais que altura de criar um script que me permitisse comentar automaticamente cada post aqui escrito mesmo que só o leia passados alguns dias.

Phôdasse, que texto! Mais um daqueles que... phôdasse!
Linda zona, a do Burgau e arredores.
Arrisco-me... mentira, não corro risco nenhum. Afirmo-o, pleno de convicção, de que ao meu Algarve só falta mesmo um Estádio da Luz onde pudéssemos ver o nosso Benfica ao vivo, de forma mais amiúde.


Quero uma Calle Pablo Dios Aimar aqui na minha aldeia!
Vá, e pode haver também uma Praceta Diego Armes. :)

Diego Armés disse...

À imagem do que sucede no seio da mãe natureza, nomeadamente entre o gado asinino, também eu careço de incentivo para produzir mais e melhor. Cada foda-se vosso é uma cenoura para mim - por pior que isto possa soar.

Uma nota acerca do meio de transporte para a viagem: não quis induzir-vos em erro, transporto-me como sempre me transportei, ora com uma imensa preguiça, ora à boleia de alguém. No caso, não sou eu o legítimo proprietário da viatura, sendo que nem estou habilitado a conduzi-la.