quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Homem da Braçadeira - um épico de dimensões reduzidas texto de dimensões reduzidas mas em tom épico

Penso na braçadeira de capitão do Benfica e sinto a mão de cento e vinte mil Benfiquistas a segurar-me com força no braço esquerdo e a dizer-me “leva-me contigo! Leva-me até à vitória!”.

O Tríptico sagrado do Benfica é, para mim, o seguinte: a Águia de Soares Branco, a Estátua d’ Eusébio e a Braçadeira. Eu sei que há as taças, eu sei que há o estádio, eu sei que há os jogadores, os ídolos. Mas as taças conquistam-se, os estádios destroem-se e constroem-se, os jogadores chegam e vão, marcam e sofrem golos e, depois, um dia arrumam as botas.

O Tríptico sagrado simplesmente existe, está ali. Este Tríptico é, por partes: o nosso símbolo, o nosso exemplo e a nossa responsabilidade. E é com estes elementos – a noção de quem somos, o conhecimento do caminho que devemos seguir e a consciência da responsabilidade que temos – que o Benfica se faz, de geração em geração.

Se os dois primeiros elementos desta Trindade Benfiquista são de dimensão simbólica, pedagógica e moral, já o terceiro elemento é o elo de ligação entre a nossa essência e os nossos humanos. A Braçadeira é a Unção.

Esta introdução, que faz uso leviano de termos religiosos e que é até susceptível de ofender, por exemplo, católicos não-Benfiquistas, serve para que tenhamos uma chamada plataforma de entendimento. O seu propósito – o propósito da introdução – era deixar bem explícito o quanto eu considero importante aquela faixa branca que um e só um de cada vez usa no braço esquerdo. Eu já fui muito ofendido por causa deste assunto. Muito magoado. Eu vi o Drulovic ser Capitão com uma época de Benfica depois de uma eternidade a jogar pelos outros. Eu vi o Simão a personalizar a Braçadeira – a Braçadeira que é do Benfica, não de jogador algum! Eu vi Capitães serem eleitos. Um Capitão do Benfica não pode ser eleito nem escolhido; tem de ser óbvio, natural. Tem de ser “o tal”. A Braçadeira e o Capitão têm de ser como Artur e a Excalibur: feitos um para o outro, à espera um do outro.

Tenho a felicidade de olhar para os nossos Capitães e dizer “sim, senhor: está bem entregue”. Luisão poderia perfeitamente já ter nascido Capitão do Benfica. E Pablo Aimar é o melhor filho adoptivo que este clube alguma vez teve. Já o disse várias vezes, mas não me canso de repetir porque isto é demasiado importante e demasiado bom para ficar só comigo, há que partilhá-lo, há que dizê-lo dezenas, centenas, milhares de vezes: eu sinto orgulho ao ver Pablito com aquela camisola 10; eu sinto comoção quando o vejo com a Braçadeira.

Mas os jogadores vêm e os jogadores passam, os Capitães chegam e os Capitães partem. Uns deixam saudades e outros não deixam coisa nenhuma. Uns deixam boas memórias, outros acrescentam-lhes conquistas. E outros ainda deixam pontos de interrogação. Há uma estirpe muito específica que deixa pontos de interrogação e de exclamação, intercalados uns com os outros. Mas a Braçadeira fica.

Um exercício que tenho feito esta época é olhar para os nossos reforços ou para os nossos mais jovens e pensar “quais, de entre estes, poderiam suceder a Luisão e Aimar?”. É um exercício interessante. Obriga a pensar nos jogadores numa dimensão metafutebolística. As posturas, os traços, a maneira como se empenham e cumprem, a personalidade que revelam, a gestão que fazem do jogo, a forma como intervêm nele e como comunicam com treinador e companheiros de equipa, com os árbitros e com os adversários. Luisão e Aimar são distintos - tanto do universo em geral como entre si: um é patrão, mandão; outro é mais diplomata (apesar de ralhar muito com os adversários, por exemplo, e de interrogar os árbitros como se fosse professor deles).

Este ano recebemos bons jogadores, jogadores com muito nível. Esse nível pode ser aplicado até no que respeita à possibilidade de serem usados pela Braçadeira – a Braçadeira não se “ostenta”, como alguns comentadores e relatores teimam em afirmar; ostentam-se os Rolex e os BMW; a Braçadeira transporta-se com honra, respeito e devoção.

A alguns custa-me imaginá-los como Capitão. O Nolito, por exemplo, não chegará lá. Ou o Emerson. O Garay pode ter perfil, mas jogando ao lado do Capitão actual é difícil avaliar. O Witsel tem potencial, mas ainda é tímido – talvez por jogar entre Javi (um sucessor natural, digo eu) e Aimar, o Capitão na ausência de Luisão. O Rodrigo ainda é demasiado jovem – mas tem traços valiosos e aparenta ser confiante e maduro, pode vir a ser um líder. Mas há dois que me convencem. Artur é inquestionavelmente líder. Pela estampa, pela postura, pela qualidade que denota, pela confiança que transmite aos colegas, pela voz de comando, pela serenidade, pela força que demonstra sempre que intervém. Tem tudo. E há outro, que muito me tem surpreendido e que me surpreende – a mim mesmo! - neste preciso momento, à medida que escrevo isto: Bruno César. Este homem tem muito futebol. Discreto mas interventivo, simples mas elegante (na maneira de jogar), participativo e confiante. Primeiro que tudo – e aproveitando que a conversa vai cheia de elogios -, penso que estamos perante um jogador da categoria “master” (craque é o Nolito, craque é o Gaitán) e, a confirmar-se este prognóstico, essa qualidade faz toda a diferença.

Isto agora deixa-me numa posição muito desconfortável, como devem imaginar: há três meses não o queria por cá (ele chamou “ponte aérea para a Europa” ao Benfica); há dois meses, afirmei que ele era burro e feio (ele não entendia uma única saída do Aimar a jogar – e via-se mesmo que ficava confuso); há um mês só dizia que ele era feio. Hoje em dia, nem me importo com isso: por mim, pode ser ele o próximo Homem da Braçadeira. Consigo imaginar-me a segurar-lhe no braço esquerdo e a dizer-lhe "leva-me contigo! Leva-me até à vitória!".

9 comentários:

Mindfuck disse...

Não consigo olhar para o Artur como capitão, tenho todos os elogios para lhe dar, não duvidem, mas não acho que ele seja a voz da equipa, vejo mais Javi e depois Maxi, Artur não, por agora, ainda posso vir a mudar a opinião sobre este tema, mas acho cedo para o ver como tal.

Constantino disse...

Adivinhar um gajo para capitão é como adivinhar o ano em que os lagartos vão ser campeões. É daquelas coisas que só dificilmente adivinhamos. Contam-se pelos dedos da mão de um mutilado de guerra aqueles que no final do 1º ano do Luisão no SLB diziam: este gajo...tem braço de capitão.
Normalmente quando se olha para o Homem da braçadeira, vê-se sempre um destemido defesa ou um intrépido trinco. São aqueles tipos que antes de meterem medo aos adversarios, já fizeram o arbitro recuar 2 passos no aperto de mão da escolha de campo/bola. Houve grande Capit~es la na vanguarda benfiquista, sem duvida, os maiores da estirpe foram o Águas e o Tamagnini, para os quais a braçadeiraera superfula tal era a aura.
Assim e olhando para a materia prima que decora o nosso balneário actualmente, eu "espatava" com a braçadeira no braço de um Tacuara sem tremer dois segundos, (porque um gajo que aguenta 5 anos de assobios é porque tem um caracter filha da puta), podia ate dizer "escuta maxi, para la de roer essa tibia e mete la este pano no braço", ou ate dizer "Emerson.... sai la da frente para eu ir ali dar a braçadeira ao Artur", mas do que temos agora, e descontando os capitães, votava sempre Javi Garcia, apenas e só porque estamos perante um tipo que esteve no real madrid e diz que nunca tinha visto nada como o Glorioso. É preciso um tipo ter estado no topo, para saber que o SLB ainda fica mais acima. Agora, a minha unica duvida era saber se temos braçadeiras para o tamanho de braço do homem. a do Luisão ficava-lhe como uma aliança de casamento.
Dos novos não arrisco nenhum, mas futebolisticamente o Bruno Cesar é daqueles que tem "craque" escrito até no rego do cú.

Abraço.

Éter disse...

Eu quando se trata de pensar num capitão penso logo no gajo mais experiente e com alguns títulos importantes no bolso. Portanto olhei para os reforços, escolhi e, tal como tu, imaginei-me agarrado ao seu braço esquerdo.

Mas o Capdevila não me levou para a vitória. Levou-me para bem longe do Benfica. Escolhi mal.

mago disse...

Mais uma vez, bom texto - o que nao e' novidade. Mas e o Maxi, nao o ves como capitao? Nao o acho menos merecedor da Bracadeira do que o Javi, ambos tem posturas semelhantes em campo embora o Maxi seja um bocado mais "em esforco" em tudo o que faz - mas hey, e' isso que faz dele o que o OSP um dia descreveu como um lateral-direito `a Benfica, directamente descendente da linha de Veloso (tambem ele um capitao).

Abraco.

Diogo disse...

Diego,

mais um excelente texto como é apanágio deste tasco.

Vejo num futuro próximo a braçadeira no braço do Javi, mas penso que o grande capitão que pode marcar gerações será o Miguel Vitor. É um jogador à Benfica que sabe o que é o Benfica e que foi capitão em todos os escalões. Posso estar enganado mas tem tudo para ficar na história como um grande capitão (mais um).

Abraço
Diogo

Diego Armés disse...

Vamos lá ver, eu não quero adivinhar o próximo capitão do Benfica - nem conseguiria, apesar dos meus múltiplos talentos, mais que não fosse porque um jogador que fique duas épocas na mesma equipa não só é uma raridade como é automaticamente candidato a capitão.

O que dizem sobre o Maxi faz sentido, ele pode ser capitão, é digno. Porém, não considero que tenha o perfil mais adeuqado (mais adequado, atenção, significa que "há lá outros com perfil melhor"; não significa que ele seria um mau capitão).

Neste texto, e como escrevi, tento concentrar-me mais nos novos - daí ter-me ficado por Bruno César e Artur. Acrescente-se o seguinte: também não estou a dizer que podiam ser já capitães de equipa nem daqui a seis meses ou um ano. Defendo apenas que têm perfil para o ser, um dia - por mim, que esse dia demore a chegar, gosto muito dos capitães que temos hoje.

Mas, e mais importante que tudo, impõe-se uma correcção: o Bruno César não é craque. É um sério candidato a master. Vamos ser rigorosos. O texto que explica as diferenças está algures ali pelo arquivo. Deve ser de Agosto ou de Setembro.

Luis Rosario disse...

Quando ainda estava de férias e portanto com tempo para fazer posts, fui apologista da manutenção de Carlos Martins e a rodagem de Bruno César, portanto estava como tu no início.

Não fiz ainda a tua viagem, todavia. Os sinais são bons, os golos sem dúvida ajudam, mas estou ainda por convencer no que diz respeito ao patamar que lhe atribuis.

Para mim ainda está no "é bom jogador", não está ainda no "craque".

Todavia, espero também fazer esse caminho e que BC ocupe um lugar de protagonismo no meu coração como têm Aimar e Luisão. Era óptimo sinal.

Se tivesse uma saca de dinheiro para o manter cá nos próximos anos, era pelo braço do Rodrigo que eu iria.

Fiquei convencido na 1ª entrevista.

Diego Armés disse...

Mau Maria: um "master" não é um "craque". Já fiz a distinção aqui: http://227218.blogspot.com/2011/09/o-irredutivel-gales.html

O Rodrigo também me dá grandes esperanças, sim senhor.

JNF disse...

Artur, Maxi, Javi e Eduardo (sim, esse mesmo) parecem-me, além dos supracitados Luisão e Aimar, jogadores com o perfil indicado para envergar a braçadeira. Ou melhor, são jogadores que imagino como capazes de a envergar. Porque isto do "perfil" tem muito que se diga.

Artur é reservado, low profile, mas não duvido que seja uma pessoa (porque os capitães são o que são fora do campo, não só dentro) capaz e sensata, o que é fundamental.

Eduardo não joga, dificilmente jogará, mas tem uma atitude que me parece ser exemplar, tanto no profissionalismo evidenciado como na paixão pelo emblema que defende.

Javi já disse que ama o Benfica. Disse-o embriagado, mas acredito nele. É um jogador sério, dá sempre tudo. Se falha, corrige. Se erra, aprende e não volta a fazer.

Maxi é um "sacaninha". Se puder dar uma porrada que não se justifica, dá. Não tem aquela atitude de o capitão-exemplo que era característica de alguns senhores, mas é líder à sua maneira e defende o clube com garra. Mais vale quebrar que torcer, é assim Maxi, e os líderes são-no por exemplo.