quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Texto muito mal educado sobre pessoas muito mal educadas

Eu não quero soar repetitivo, mas isto da selecção e das paragens no campeonato desinspira-me. Por mais que tente, não arranjo assunto de bola que tenha interesse. Procuro na imprensa e o máximo que consigo é uma burrice de um redactor d’ A Bola que nem tem feedback que se veja. Talvez devesse ter colocado a bold aquilo que me levou a publicar o excerto. Ora… hum… bold em português diz-se negrito. Entremos por aí.

Aparentemente, o Javi Garcia sublinhou o negrito do Alan. Isto teria muito mais piada se o Javi, em vez de ser espanhol, fosse italiano. Mas deixemo-nos de estilos. O Alan podia simplesmente ser um “gajo de merda” que isso não o ofendia. Mas tocaram-lhe lá naquilo da cor e ele sentiu-se. É justo. Eu, no lugar dele, não me teria ressentido, devo dizer. Se me chamassem “branco de merda”, responderia qualquer coisa como o Dude respondeu ao Jesus em The Big Lebowski: “err… that’s like… your opinion, man”. A malta leva as coisas demasiado a sério. Se a intenção das palavras era mesmo racista, então sentir-me-ia verdadeiramente superior ao suposto ofensor que, dando voz a esse impulso primitivo, verbalizara o seu preconceito relativamente a raças.

Assim, estas coisas nem merecem resposta. Mas vá, sabendo que o Alan se melindra com a mera existência de Javi, é natural que lhe tenha apetecido responder-lhe. Já pensei em várias respostas possíveis. Há uma que é muito digna e, creio eu, bastante ofensiva, sem nunca perder a compostura: “e tu és um racista”. Parece-me bem mais eficiente do que “preto de merda”, mas isto sou só eu a dizer.

Quem jogou à bola, saberá que ali o discurso e o léxico não são nem brilhantes nem para meninos. De filho da puta para baixo e damo-nos todos bem. Há quem alegue, no entanto e sobre este caso do Javi e do Alan, que o ofendido “não tem a culpa da cor com que nasceu”. E eu acrescento que nem ele nem ninguém tem a culpa da cor com que nasce. Já dou de barato a parte da “culpa” por se ter uma cor, como se uma ou outra significassem mais ou menos valor ou justificassem mais ou menos pesar por serem, ou não, aquela que temos. Mas cada um pensa como quer e não quero discriminar as pessoas por serem mais ou menos obtusas. Agora, se vamos pela culpa, então tenho a dizer que da próxima vez que me quiserem ofender por causa da cor, que se dirijam ao verdadeiro responsável pela minha vergonha: o meu pai.

Com o seu sangue misto de mouro com branco, o meu pai teve a culpadíssima ideia de escolher a minha mãe, branca, alva, clara e quase luminosa, para companheira de procriação. E da sua insidiosa relação, nasci eu, um branquela sem graça. Um branco de merda. Portanto, da próxima que quiserem insultar-me, experimentem, por exemplo, “o teu pai fez um branco de merda”, porque a culpa é toda dele, não é minha. Aliás, não fez só um: fez dois! Vejam bem onde chega o desplante.

Isto tudo porque, realmente, as pessoas não têm culpa da maneira como nascem. Nem dos pais que têm, já agora. Nem das mães. E as mães são das figuras mais presentes num relvado de futebol, como toda a gente sabe. Que me lembre, a única mãe de um adversário que defrontei que vim a “conhecer” (como quem diz, “vim a saber quem era pela televisão e pelas revistas”) foi a mãe do Simão Sabrosa. Senhora respeitável, claro está, e acima de tudo cidadã digna de respeito, como qualquer um de nós, até prova em contrário. No entanto, quando o Simão marcou pela quinta ou sexta vez contra a minha equipa no pelado do Paúl, não senti o menor peso na consciência ao deixar escapar um “ai, a puta qu’o pariu, foda-se!...” Nunca conheci a mãe do Filipe Cândido – e ainda bem.

No campo as coisas aquecem. É certo que o respeito e o bom trato são essenciais, que a origem do desporto é o embate entre cavalheiros. Mas não me parece que, quando a coisa resvala no calor da luta – e sobretudo quando há um historial de atrito entre contendores –, as coisas devam ser levadas à letra ou demasiado a peito (e se são demasiado ofensivas para não serem levadas à letra, sejamos Zinedines de cabeça quente no peito do outro, tudo o resto soa a mariquice). Neste caso, não estamos a falar de discursos ensaiados nem premeditados – é uma tentativa de ofensa até bastante rudimentar, parece-me. E eu já ouvi alguns discursos premeditados. Certos deles, quase iluminados. O melhor pior de todos é “matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta”. É tão mau, tão mau, tão mau, que se mo dissessem o mais provável seria eu rir-me. Porque a frase é elaborada e – apesar de bastante macabra e, ao nível do subtexto, profundamente desrespeitosa – engraçada. A mim lembra-me logo coisas da banda desenhada, tipo o Tintin a ser cozinhado num caldeirão de selvagens para fazerem um arrozinho de repórter. Mas isto sou só eu a pensar. Porque vá, a frase é ofensiva, sim senhor.

Se o Javi e o Alan têm muito problema com a história da cor, a coisa devia ter-se ficado nesse nível rasteirinho e apenas entre eles. Por exemplo, o Javi chamava preto de merda ao Alan e este respondia-lhe na mesma moeda, mas com maior potencial ofensivo, “eu até matava a tua mãe para fazer um arrozinho de puta, mas tenho nojo de carne branca”. Isto sim, seria pesadíssimo. Tenham em conta que isto sou eu a supor coisas, apenas. É o chamado “supônhamos”. Vejam bem que eu até sou capaz de supor que o Javi e o Alan tinham tido a decência de poupar o país inteiro a este episódio um bocado parvo (acerca do qual eu não escreveria se houvesse campeonato esta semana).

Tenho pena da falta de educação dos intervenientes, no fundo. Porque, se o Alan tivesse mesmo nível, em vez de dizer aquelas coisas que eu disse acima e que são terrivelmente deselegantes, ter-se-ia chegado ao Javi e dito «como é que sabes? As luzes estão apagadas, ó palerma» e morria ali o assunto.

8 comentários:

POC disse...

Bravo.
Deixei a minha posta aqui (http://simaoescuta.blogspot.com/view/sidebar#!/2011/11/o-racismo.html), mas sem o nível e capacidade de escrita que te reconheço.

Se for preciso o Alan ser insultado (foi?!) para lermos boas crónicas, então malta...de filha da puta para baixo em relação ao Alan, é pouco.

mago disse...

E depois desta, o arroz de puta comeca a expandir a sua influencia para alem do meu grupo de amigos.

O Cabinda disse...

hehehehe brilhante texto.
E eles lá conseguiram o que queriam, nao se falar dos 3 apagões....mas isso nao interessa nada.....povinho de merda, realmente... e o LFV nao tuge nem muge, usa a mesma tactica do madaíl ; é deixar passar a onda, "quando a coisa piorar realmente, logo vejo para onde sopram os ventos e eu arranjo outro assunto pra me cobrir.", pensa ele.

Constantino disse...

Ponto prévio: obrigado Diego por escreveres um post para pessoas como eu.

Só para dizer que isto da "mão na boca" vai passar a criar muitos mal entendidos. Da minha parte, na proxima vez que tiver que espirrar na fila de uma repartição de finanças ou qualquer coisa parecida... não vou por a mão à frente da boca... não quero saber se saem microbios ou qualquer outro genero de nhenha, mal entendidos comigo é que não!!!

Ricardo disse...

Arroz de puta - que clássico!

Não tenho mais nada a dizer sobre o texto. Ele diz tudo. Mais uma posta de qualidade inegável de mares profundos.

Diego Armés disse...

Vocês conseguem sempre - mas sempre! - fugir ao assunto em apreço. Se eu falo do Benfica, acabamos em gramática; seu eu falo do Alan, lá vamos nós à gastronomia. Estou tramado...

Unknown disse...

Diego, falar do Alan é como falar de um gregório de Caipi preta. Doi-nos a cabeça e a boca sabe mal, sinceramente não vale a pena perder tempo a contemplar a merda ... Há tanto tempo que eu não ouvia falar do arrozinho de puta ... Será que o servem malandrinho ?

Diego Armés disse...

Se é para a malandrice, atiremo-nos à cabidela. Se é para bater no fundo, batamos com estrondo!