terça-feira, 3 de abril de 2012

Um brinde com tequilla estragada!

A azáfama impede-me de escrever como gostaria. O fim-de-semana foi vivido com muita urgência, muitas pressas, muitos quilómetros, muita música e quase nada de futebol. Aproveitei um momento antes de subir ao palco para perguntar a um segurança «quanto é que está?» e estava zero a zero. A actuação seria supostamente curta, mas pareceu demasiadamente longa. Se a música não me dava nervos, a incerteza e a esperança também não me davam tréguas. É difícil concentrar-me em qualquer outra coisa quando o Benfica em campo e eu estou distante e ignorante.

Chegado ao fim, perguntei ao programador «quanto é que está?» e ele «um a zero, cabrões do Benfica marcaram agora mesmo de penalty». «Foi o Cardozo?», «Sei lá, não quero saber desses gajos». «E quanto tempo é que falta?», faltavam uns dez minutos, mas com maus modos. Arrumei cabos e papéis, fiz um cigarro. À porta, sozinho, tentava perceber por alguma conversa se o jogo já tinha terminado. Três rapazes, um deles rigorosamente equipado com o fato-de-treino do Porto, falavam do jogo. «Com o empate, ficamos em primeiro e o Braga em segundo». Batia certo, mas não tanto quantas as contas que faziam aos pontos, demasiado complexas quando se pensa em 'perder pontos' e não em 'ganhar apenas um ponto'.

Fui beber uma cerveja com as senhas que restavam. Entretanto, o telefone já tinha bateria suficiente. Liguei-o. Uma mensagem do Alberto Felizberto Roberto Norberto «Não é vergonha chorar pelo nosso grande amor» e eu opá, foda-se!, outra vez?. Arrumámos o que faltava, íamos só a casa deixar as coisas e depois apanhávamos um táxi para os Poveiros, tocavam lá os Irmãos Catita. No carro, abri o site da Bola "Benfica ganha com golo de Bruno César nos descontos". Não há palavras para descrever a minha reacção à melhor notícia da noite. Em vez de ficar exultante, senti que o cosmos me tinha obrigado a ser solidário com os meus Benfiquistas e senti-me feliz com isso, como se tudo estivesse em paz, como se também eu tivesse feito por merecer aquela vitória, com o meu sofrimento, com a minha angústia, diferente da dos outros, mas igualmente dolorosa. Foi uma sensação boa. Como se tudo naquele preciso momento fosse absolutamente justo neste universo.

Respondi então ao Humberto Gilberto «&/%#%&%& %&$)(/&% $"/&%%&)/(&$%#"%&#" $##$$#, ganda abraço, meu irmão!» e ele devolveu o abraço, mas com menos vernáculo. Não lhe levei a mal. Quem chora pelo seu amor tem direito a tudo.

O taxista estava visivelmente incomodado com a vitória do Benfica, «é que ainda por cima o penalty é mesmo penalty». Na Cedofeita, um carro entra na faixa contrária e fica em contramão no sinal vermelho. O taxista aproveita para descomprimir «foda-se, a tequilla estava estragada, é? Olha que o Benfica ganhou mas ainda não é campeão». Reagi sorrindo com aquela ingénua e dorida presunção de que tudo o que havia de errado no mundo teria de ser do Benfica. Ao passar o viaduto de Santo Ildefonso, um daqueles placards electrónicos anunciava, em notícias que iam passando, «19ºC - César vence guerreiros» e não quis ver mais nada, estava tudo certo.

3 comentários:

Joao Nuno Silva disse...

Grande Diego, eu sei o que se sofre aqui para a zona da Cabeçudolândia.
O Resultado foi excelente.
Agora bonito era matar leões à quarta e lagartos à segunda.

Miguel A. disse...

Caramba, o que por aí vai de ódio ao Benfica... mas é engraçado que também é precisamente no Norte que o Benfica tem muitos e bons adeptos.

Diego, gostei muito do teu blogue e vou acompanhar. Sou um nabo no xadrez e nas damas, mas em compensação gosto do Benfica e de música :-)

Abraço

Vareta disse...

"ser solidário com os meus Benfiquistas"... Será que já alguém escreveu uma obra crítica sobre o carácter profundamente (e inevitavelmente?) sexista da escrita sobre futebol? Bom, não sou eu que a vou escrever.

A relação futebol-totalitarismo, essa já fez correr muita água e não vem necessariamente ao caso (se bem que a política esteja cada vez mais futebolizada: eu ouvi, com estes ouvidos que as larvas hão-de sorver com gosto, alguém a gritar "tau!" numa certa noite eleitoral em que certo deputado for eleito por certo distrito - assim como quem celebra um golo...). O que me parece é que, da trindade Fado-Fátima-Futbeol, só o fado está claramente a mais. O futebol e fátima estão ligados pela irracionalidade da crença (e ninguém me tira que muita gente vai a fátima à espera de ver a nossa senhora 'meter um golo' na baliza dos milagres... só falta gritarem "vai, virgem, vai! chuta!" e terem cachecóis a dizer 'torcida mariana'). Mas o fado... não consigo imaginar alguém a ouvir a sô dona Amália e a 'torcer' irracionalmente com um "vai! atira-lhe agora com um 'vida perdida'! isso, é agora, é agora que ela desce meio tom, queres ver?! vai!!". Nunca encontrei ninguém à saída de uma noite ou concerto de fado a dizer "foda-se! hoje cantámos bem, caralho!". Diversas linhas de pensamento, que me levariam tempo demais a expôr e eu tenho um import-export de louças chinesas que requer atenção, levam-me a concluir que o futebol será um fenómeno social mas nunca um fenómeno cultural. Um clube de futebol está no mesmo pé que a instituição militar, a polícia, os partidos políticos e as ordens religiosas (que não a religião ela mesma). E por aí fora.