A relva do Neckarstadion estava, nesse dia, especialmente escorregadia. Vi o Dito, o Elzo e o Pacheco escorregarem frequentemente. Penso que foi o Pacheco que trocou de botas com o jogo a decorrer. Não havia pitons que agarrassem a velocidade e a elegância daquele Benfica ao chão e, assim, eram raras as bolas que chegavam em termos à cabeça de Rui Águas ou a qualquer região do globo a que Magnusson tivesse acesso.
Na altura eu era muito miúdo. Tanto que as memórias mais claras que tenho do futebol anterior à final de Estugarda são três: Diego Maradona e os imponentes estádios mexicanos (destaque para o monumental Azteca e para a mão contra Inglaterra); o calcanhar de Madjer em Viena (e um bronco muito sôfrego que não partilhou a taça com nenhum dos colegas) e um relato de bola em que o Sporting estava a ganhar ao Benfica e que, a dada altura, a minha mãe disse “vá, já chega filho, anda ajudar a mãe, vamos desligar isto”.
Lembro-me que, à altura, o Silvino ainda tinha a difícil missão de substituir o enorme Manuel Bento à frente das redes Gloriosas; e que a braçadeira também ainda não ganhara musgo no braço de Veloso.
Há pouco, omiti uma memória ligeiramente anterior: duas cabeçadas triunfais de Rui Águas, daquelas tão elegantes que imagino o rosto de Van Basten na cabeça do 9 Benfiquista – questão claramente genética: sangue puro é sangue puro!
Também me lembro, muito claramente, que o meu pai tinha – ainda o tem – um prato do Benfica, lá no móvel da sala, que lhe fora oferecido por um tio dele, julgo eu. O meu pai foi ver o jogo ao café, com mais amigos Benfiquistas. Saiu confiante.
Quando regressou, disse “raisparta o Veloso, nem sabe marcar um penalty, cabrão do homem!” e pegou no prato, penso que ia atirá-lo pela janela. A minha mãe pôs água na fervura “isso não é ser Benfiquista, isso é só ter raiva… que culpa tem o prato que o Veloso não tenha força?... Ainda por cima oferecido pelo teu tio!”. Ele lá se acalmou. E depois, voltando-se para mim, disse com mágoa “já os vi ganhar duas, era eu da tua idade. Desde então – desde o Bella Gutman! – nunca mais… já são quatro que vejo perder…” e eu por alguma razão senti-me culpado, porque era a primeira a que assistia, porque tinha a idade que o meu pai tivera quando ganhou as outras duas e porque não consegui repor a sorte do Benfica, fazer com que ganhasse novamente. E prometi a mim mesmo aplicar-me mais, dar mais atenção, projectar melhor a minha energia. E aplaudir os nossos jogadores em qualquer circunstância, ir ao Estádio sempre que pudesse e proteger aquele prato sempre que a coisa corresse mal.
Mas lembro-me, mais do que de tudo o resto, de ter desejado um dia poder voltar a ver o Benfica enfrentar o PSV. Se possível, em plena Luz. Para, então, poder desfazer aquele sentimento de culpa que nunca consegui debelar. Dia 7 de Abril, isto é entre nós, ó Eindhoven: só eu e tu, olhos nos olhos.
1 comentário:
Enorme post, Diego!
Tanta coisa parecida com o que o nome Eindhoven me diz. Está encravado há 23 anos. Isso e a mais recente com eles, há uns anos para a fase de grupos da Champions, em que, por um trânsito infernal, só consegui entrar no Estádio na segunda parte.
É para esfolar! Pelo Veloso, pelo Diamantino, por todos, no fundo.
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