quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O desvendar de um mistério

Que razão me leva a ler gente que não gosto de ler, semana após semana? A pergunta é de um leitor que assina Here Comes the Rain – alcunha que, junto com a sua breve nota acerca da Antena 3 e a impropriedade ligeira da questão, parece indiciar que HCtR tem maior afinidade com o universo da música do que com o do futebol. Ao contrário de mim, apesar dos meus esforços regulares para equilibrar um pouco mais as coisas.

A pergunta não é tonta, não chegamos a tanto. Eu próprio dou por mim a pensar «ó Diego, mas para que é que tu insistes? Para quê?!». Mas depois caio em mim – e este processo não demora muito – e apercebo-me de que o assunto, enfim, é futebol. E esta, disfarçando-se de explicação simples, é uma condição explicativa de boa parte dos fenómenos do meu quotidiano.

Imaginemos a seguinte situação: vai dar o Sporting – Porto. E eu – surpresa, surpresa - sou Benfiquista. Mas generalizemos esta situação a todos os leitores: os que não forem do Benfica (gosto de cultivar a ilusão de que os há neste blogue), substituam os termos à medida do que vos for mais conveniente. Portanto: vai dar o jogo, sábado, às oito da noite.

Situação paralela: eu tenho um convite para jantar mais a minha senhora e três outros casais amigos. É daqueles jantares que prometem bom convívio, bom prato e bom vinho, muita conversa, trocas de ideias, apresentações públicas de tremendos projectos para o futuro, elogios mútuos, uísque velho, boa sobremesa e, havendo juízo, uma saída louca até às duas da manhã ou mais. Uma jantarada!

«Quando é que é mesmo o jantar, xuxu?»
«Sábado, fofinho. Sábado, às oito e meia.»
«Opá, que aborrecido… Não posso, minha flor. Já tinha combinado umas coisas…»
«Coisas?! Que coisas?! Diego Armés, Diego Armés… é a um sábado… e o Benfica joga no domingo, que eu sei muito bem e até disse logo à Luísa “tu não marques para domingo senão o Diego diz logo que não vai”… Portanto, o que é que tu tens de tão importante para fazer sábado à hora do jantar que te impede de aceitar o convite?»
«É o… bom, é o… zbôd – pürt…»
«Desculpa?»
«zbôd – pürt»
«Ahn? Fala como um homem, que assim não te percebo!»
«É o SPORTING – PORTO».
Longo silêncio. Decidida saída feminina em direcção à cozinha. Água a correr. Pratos são lavados com muita energia.
Nesta altura, o narrador-protagonista suspendeu a respiração e está profundamente estático, imóvel, de olhar fixo no vazio, esperando que o tempo passe até que…
«Tu explicas-me, hum? Explicas-me? Explicas-me como é tu, Benfiquista»
«Amor, acho que a água ficou a correr»
«Eu quero que a água se lixe! Como é que tu, um Benfiquista que só vê é o Benfica à frente, faz planos – planos ah-ah, espera, planos imutáveis! Não se toque nos planos do menino! – como é que me fazes planos para ver a merda de um jogo entre duas equipas que tu odeias? Como? Explicas-me?»
«Eu… é que…»
«Fica sabendo que eu vou a esse jantar! Não queres vir não vens.»
Saída com andar no imperativo. Os mesmos pratos são novamente lavados, agora com mais energia.

Caro Here Comes the Rain: na verdade, há coisas que não têm explicação. São assim simplesmente porque são assim. Não trazem nada de bom às nossas vidas, acrescentam apenas aborrecimentos, rancores e energias negativas. Mas não conseguimos passar sem elas.

12 comentários:

POC disse...

Este post é um espelho para alguns de nós.
E quando termina com "tu é que sabes..." ou "faz como quiseres"? Genial...

Malta, ajudem na Operação Eleanor, tal como a Coração:

http://simaoescuta.blogspot.com/2012/01/eleanor.html

Manuel Neves disse...

Não tenho de explicar essas coisas :)

Constantino disse...

Diego,

Este post também pode ser aplicado aos "porra mas porque é que escreves sobre os lagartos e os corruptos?" Na verdade eles existem (mesmo apesar doe sforço do bettencourt).

Quanto à questão do "ela saiu em direcção à cozinha e foi lavar pratos", na minha casa é mais "ela mandou-me ir lavar os pratos".

Abraço

Éter disse...

Dica: ter namorada do Benfica.

Diego Armés disse...

Duvido que uma namorada Benfiquista compreendesse a minha necessidade quase aflita de ver o Sporting - Porto. E nenhuma namorada - não negues, é impossível - entenderia o meu hábito compulsivo de ler o senhor Barroso.

Diego Armés disse...

Constantino,

em minha casa é assmi! Primeiro, dramatiza-se, depois, concretiza-se. Meia-hora mais tarde, fui obrigado a relavar toda a loiça.

Éter disse...

Quanto ao jogo, talvez a moça pudesse ser convencida de que o mesmo era vital para os interesses do Benfica, e que terias mesmo que o ver.

Em relação à tua obsessão pelo Barroso, concordo contigo. Namorada alguma entenderia tal coisa. Talvez o Salema Garção, vá.

Meneldor disse...

Não julguem todas as mulheres pelas que vocês conhecem! ;)

Here Comes The Rain disse...

Em 1º lugar, tal como o ENORME, desculpa o inconveniente, mas deduzi que se assinas Diego Armés não havia problema de mencionar tal facto.

2º- Eu simplesmente deixei de os ler e de os ouvir na tv pelos motivos que tu assinalas...mas que continuas a auto-flagelar-te com essa leitura.

3º- Benfica na final da Champions ou o concerto da tua vida iria sempre deixar-me dividido, mas acabava por ver o Benfica pá.

Diego Armés disse...

1.º - Não há problema de mencionar tal facto, não tem qualquer inconveniente.

2.º - É um flagelo necessário que obedece a um apetite inexplicável e incontrolável.

3.º - Same here. E "o concerto da minha vida" poderia ser eu próprio a tocar em Wembley. Se a final da Champions fosse no Emirates, ainda podia considerar fazer o concerto um bocadinho mais tarde, a seguir à entrega do troféu. De outra forma, teria de ficar para outro dia.

bjorn disse...

eu compreendendo a leitura do senhor como matéria de escárnio, aquilo são pérolas em barda, mas confesso que, para mim, é contraproducente. acabo invariavelmente por me enervar a meio da crónica/pseudodebate televisivo e passo à frente. a falta de honestidade intelectual exaspera-me pfofundamente, mesmo no domínio irracional que é o da bola.
eu n conheço mulheres que compreendam a energia que desperdiço - pensam elas- com a bola. e devo dizer que me agrada que assim seja. torna-se muito divertido esconder,justificar e negociar este fanatismo com a déspota doméstica. venham os pratos, até uma sanita se limpava depois de umas jolas a ver uma goleada vermelha!

Mario Rui disse...

Sublime como sempre, Diego! Tb eu o leio, embora me irrite profundamente. Entao qd se refere ao seu clube como "o meu querido s...", da vontade de rir! Pior q isso so qd fala das msgs q troca com os seus "queridos" filhos...como na pre-temporada, em q os ditos lhe mandaram msg a dizer q parecia o Barca a jogar. Hilariante!!! Quanto a TV, nao tenho estomago para ouvir aquilo, mas ai julgo q a culpa e dos nossos frouxos representantes. Grande abraco desde Inglaterra (dai esta escrita sem acentos).