O Barcelona fez o terceiro golo e eu disse para um amigo, que também aprecia desfrutar da paisagem de fim de tarde às portas da Típica, "isto hoje vai aos oito". Esta frase ficou-me na cabeça. Não tanto por ter acertado no resultado final, mas sobretudo por dois motivos: primeiro, pela reacção do meu amigo - nem olhou para mim, aceitou a profecia com uma naturalidade gélida, como se a minha frase fizesse todo o sentido do mundo; segundo, não me parece que fosse difícil adivinhar "aquele" resultado - se não fossem oito, teriam sido nove ou sete ou dez. Em última análise, o que importa é que uma goleada de oito a zero num jogo do campeonato da primeira divisão da segunda melhor liga do mundo que envolva Barcelona ou Real Madrid não só não causa espanto, como é encarado com uma tremenda naturalidade. Tornou-se uma espécie de "faz parte" ou de "pois, estava-se mesmo a ver". E eu vejo as loas e elogios que se tecem aos dois portentos - sobretudo ao Barcelona - e não vejo uma só pessoa a entrar em pânico pelo facto de a liga espanhola se resumir ao resultado do confronto directo entre os dois grandes rivais, apimentado pelo concurso a ver quem faz mais golos (por jornada ou por atacado) e por qual dos dois craques é o melhor do campeonato e, por conseguinte, o melhor jogador do mundo, sabendo-se à partida que se um deles marcar menos de 50 golos no decorrer da temporada, a coisa é capaz de ser vista como um fracasso.
Se em Espanha um campeonato com 20 equipas serve apenas para tirar teimas entre o poderio de duas, não passando as restantes 18 de simples figurantes, em Inglaterra não é muito diferente. Há o United e, depois, mas bastante depois, o irrequieto intruso londrino de Chelsea. Os outros londrinos são uma sombra deles próprios - o Arsenal está desfeito e, de há alguns anos para cá, tornou-se definitivamente na terceira ou quarta força do campeonato. O Liverpool abdicou há 20 anos de lutar pelo campeonato, contentando-se com os quartos lugares que dão acesso à Liga dos Campeões, prova que levavam bastante mais a sério. Entretanto, nem à Champions chegam. O City não passa do mais forte concorrente a Bitch of the Year da próxima jantarada da OPEP. Ou seja, a questão deixou de ser se o United consegue ser campeão. A curiosidade prende-se mais com o grau de dificuldade com que o fará. A avaliar pelo arranque da época, a FA colocou a prova em "very easy".
O caso inglês é muito semelhante ao português. A questão "será que o Benfica consegue ser campeão?" surge-me muito depois da outra, "quando será a primeira vez que o Porto perde pontos?". O nosso campeonato nacional só poderá ter alguma emoção se o Benfica não cometer o mínimo deslize E vencer os portistas em pelo menos um dos confrontos directos. De outro modo, não passam de umas longas e protocolares 30 jornadas para consagrar aquele que já era campeão à partida.
O desequilíbrio começa a tornar-se tão gigantesco e a afigurar-se tão incontornável que o futebol doméstico corre o risco de passar a ser aquele entretenimento de encher chouriços enquanto se espera pela jornada internacional. Qualquer dia, um campeonato nacional terá o mesmo sabor que a vitória no Campeonato de Lisboa tinha na década 30. Estaremos perante uma mudança de paradigma? Se sim, e se for irreversível, aquela ideia elitista da Liga Atlântica começa a fazer algum sentido. Mas valerá sempre a pena tentar perceber que acontecimentos e circunstâncias levaram a este estado de coisas.
3 comentários:
Isto, lido agora, perdeu um bocado de sentido... ;-)
Como dizia o outro, «prognósticos só no fim do jogo!»
Caríssimo, o jogo ainda não chegou ao fim. Ainda vai no início ;) Falamos em Maio.
Não me refiro a como vai acabar - em Espanha a decisão deve estar confinada à disputa Barça/Real, em Inglaterra a MU/Chelsea (favoritismo para o primeiro) e em Portugal a Benfica/Porto (o Vitinho é capaz de não acabar a época), mas em Espanha e por cá, principalmente, por enquanto - pelo menos - a coisa até está engraçada. ;-)
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