“Costumo dizer aos mais novos para apreciarem cada minuto do jogo, para não esperarem até serem mais experientes. Ser futebolista é fantástico e cada segundo deve ser apreciado.”
A admiração e respeito que tenho por Pablo Aimar – a quem não identificou de imediato o autor da citação: vergonha nessa cara – não pára de crescer e, mesmo quando penso que atingiu o expoente máximo, o Mago entra pelo meu mundo adentro, ora com a bola nos pés, ora com o brilho na ponta da língua, e explica-me que é sempre possível fazer melhor – mesmo quando já se fez o melhor. Não há limites para esta nossa relação, o crescendo é permanente e desconfio que será sempre assim. E até é uma relação, bem vistas as coisas, bastante próxima: vemo-nos pelo menos duas vezes por mês e, normalmente, até fico perto dele. O Pablo não sabe quem eu sou mas isso pouco importa: piso zero, bancada Sagres na direcção da linha direita (para quem ataca) da pequena área, por volta da 20.ª fila – sou aquele rapaz parecido contigo, Pablito.
Sobre ser futebolista sei muito, muito pouco. Joguei mais ou menos a sério, mas era novo e jogava muito mal. Muitos anos mais tarde, já eu não jogava a sério – e, mesmo a brincar, jogava muito pouco –, recebi aquela que parecia ser a solução para a minha falta de talento: a camisola com o 10 nas costas e a inscrição “Aimar”. Ganhei, de cada vez que entrei em campo com ela, pelo menos uns bons 10 a 15 minutos de respeito de adversários e companheiros. Por um lado, pela inequívoca beleza da camisola em si; por outro, pela ilusão que a minha fisionomia, em conjunto com o jersey ungido, criava nos jogadores em campo: «será El Mago?», «Pablo, és mesmo tu?» ou «o que se passa contigo, Pablito? Estás doente?» foram frases que ouvi diversas vezes. Como gosto de futebol e de fantasia, não gosto de desfazer logo o equívoco revelando a minha identidade reduzida. Prefiro deixar andar até àquele momento em que alguém mais perspicaz exclama «ó, bolas, afinal é o Diego!…» e, pronto, mais ninguém me passa a bola. Nestas coisas, quanto mais tarde, melhor… afinal, eu também pago o aluguer do campo.
Ainda assim, entendo na perfeição o que diz Aimar. E é tão bonito saber que ele pensa assim. Desfrutar, deleitar-se: coisas tão simples de fazer e que o ser humano faz tão raramente. Somos ingratos, não somos? Aimar não é, é sim clarividente e apaixonado pelo que faz.
Mas, se de futebolista nada percebo, já sobre ser adepto de futebol sei muita coisa. E sobre ser do Benfica sei muito mais, porque só sei ser dessa maneira, não conheço outra. E, se há coisa fantástica em toda esta circunstância de adorar o futebol e de viver com o Benfica, é precisamente poder apreciar Pablo Aimar, camisola 10 encarnada, franzino e genial a conduzir o jogo como nunca vi outro. A expressão “dominar a bola” assenta aqui como a bola assenta no pé de Aimar quando recebe um balão de 40 metros. Acontece que a coisa não fica assim, porque “dominar” é um termo de peso que aponta à subjugação e eu não creio que Aimar subjugue a sua doçura redondinha. Nada disso, aquela obediência é coisa cúmplice, tudo ali é amor e não temor. Aimar domina porque a bola o consente e até gosta. Cúbica, caprichosa e escorregadia para tantos; oferecida, redonda, suave e macia para tão poucos, a bola de futebol, como qualquer mulher, escolhe aqueles que podem encantá-la e encantar com ela. E eu nunca vi uma que resistisse aos encantos de Pablito.
Tudo isto para dizer aos mais poderosos do Benfica para apreciarem cada minuto de Aimar em campo, para não esperarem até ser tarde demais. Tê-lo como futebolista é fantástico e cada segundo seu em acção deve ser apreciado. Se possível, prolongado, esticado, acrescentado. E renovado.
2 comentários:
Ambos tem imensa razão, o Aimar sobre se futebolista, e tu sobre ser adepto.
Eu penso que todo o adepto benfiquista olha para o Aimar assim, e mais alegria me dá, quando sei que muitos adeptos rivais olham com igual respeito pelo seu futebol.
Abraço
Post estupentástico!
Uma característica do Pablito que me causa estranheza (ou não!):
Fora de campo, um gentleman!
Em campo, mesmo para os que lhe dão no osso, um gentleman!
Com os árbitros, passa-se dos carretos!
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