terça-feira, 17 de janeiro de 2012

«Mi casa es mi casa» (contém ilustrações)

Para mim, com o Benfica não há dilemas: ou há impossibilidade, ou há a obrigação moral de ir à Catedral. Por impossibilidade, entenda-se a própria morte, a morte de alguém próximo, doença incapacitante, lesão dolorosa recente, bancarrota, compromisso profissional intransigente ou datas profundamente inalteráveis – o casamento, por exemplo, não está contemplado nesta última categoria e, se algum dia me casar, tentarei fazê-lo na segunda metade de Julho ou, se for em ano sem Europeu nem Mundial, na segunda metade de Junho ou primeira de Julho; já o aniversário da minha namorada, por seu lado, está amplamente abrangido pela categoria e permite escusa com justificação.

Acontece, precisamente e é uma feliz coincidência estarmos agora a falar disto, que a minha namorada fez anos no fim-de-semana e lá fomos nós ao Algarve, que é a terra dela. É estranho dizer-se que se “vai à terra” indo uma pessoa ao Algarve. Normalmente, vai-se “à terra” a Oliveira do Hospital, ao Sabugal, a São João da Pesqueira ou, sei lá, a Borba. Parece quase injusto ir-se à terra ao Algarve. Mas a vida é feita destas contrariedades e, assim, todos os santos verões, só para que tenham uma ideia do que passo, lá me vejo obrigado a rumar ao Sul, a ter de enfrentar águas tépidas e mansas, para não falar nas temperaturas de 35 graus, do marisco e das sardinhas. Enfim, tudo na vida tem um preço e eu estou disposto a pagá-lo, de bom grado, em troca da harmonia familiar. Fomos, portanto, à terra festejar o aniversário.

Chegados ao destino, fui em busca de um bom sítio para ver o Benfica – escusa de ir ao Estádio não abrange licença de abstinência: lá ou aqui ou em qualquer lado, o Benfica é para ser sentido, acompanhado, celebrado e adorado. Há que cuidar bem das coisas bonitas da vida. Desci direitinho ao Merlin’s, faltavam dez minutos para o apito inicial, mas…



Fechado.



Faltavam nove minutos para começar a partida. Baralhado, desorientado, em pânico, comecei a subir a rua, de regresso. Mas de regresso para onde? Não, erro. Voltemos para baixo. E lá fui eu, descendo em passo rápido, auscultando cada café, cada pub, cada restaurante, em busca de uma SportTV sintonizada e de um distintivo azul na porta. Por toda a parte, apenas Sky Sports ou, em alternativa, canais abertos nacionais. Seis minutos para o kick-off e eu a percorrer ruas estreitas e retorcidas da zona velha de Albufeira, dirigindo-me ao centro, esperando encontrar no meio daquela cidade apagada, abstraída de Portugal, um lampejo de amor ao futebol de cá da terra – eu já nem pensava em Benfiquismo, não pedia tanto.

Ao virar uma esquina e chegar à praça central, ouço um inconfundível separador publicitário, um «trululum»… SPORTTV!!!!!



Segui aquele som como se, no limite da minha sede, seguisse o ruído pacífico de um curso de água no meio da floresta (ando a ler a Pearl S. Buck, todas as minhas metáforas devem conter elementos da natureza transmitindo a paz e a serenidade tipicamente orientais). Quando chego perto, a incredulidade arrebata-me, primeiro, esmaga-me, em seguida, e, por fim, faz-me grato e comovido: o som vinha da Casa do Benfica de Albufeira.



Subi as escadas e, entrando na sala, disse bem alto «boa tarde e viva o Benfica!». Uma mini Sagres posou graciosamente sobre o balcão como se tivesse esperado por mim a vida inteira. Sentei-me, em casa, entre os meus, acendi um cigarro e vi o nosso Benfica ganhar.

13 comentários:

Constantino disse...

Não sabia que havia outros sitios para ver o SLB no Algarve sem ser no Cafe Barrinhos em Almancil. Não quero colocar em causa o local onde foste, mas melhor que o Barrinhos... hesito...

Diego Armés disse...

Talvez eu não me tenha explicado bem: eu vi o jogo na Casa DO Benfica. Heresias aqui não!

(Porém, não digo que não a experimentar o Barrinhos em Almancil numa próxima aventura...)

Baresi disse...

Eu vi em Faro, num café bem conhecido dos farenses por o dono ter sido um corredor famoso do fundo português: Ezequiel Canário.

O homem é tão benfiquista, que nem num jogo de "casa cheia no café" evitou ir á Catedral para ver as 4 batatas "in loco".

Considera-te também convidado ;)

Berrante De Encarnado disse...

Hehe. Do melhor.

Tempos te namoro têm tanto de mágicos como por vezes de chatos. Não quero com isto dizer que os tempos de casado sejam melhores, mas pelo menos existe nos últimos já um certo estatuto se assim podemos dizer, que nos dá uma espécie de legitimidade para termos "aquele tempinho sagradamente só nosso" para fazermos ou vermos o que quisermos.

Adorei. Cá estarei a aguardar o próximo.

Cumprimentos Benfiquistas

Berrante De Encarnado disse...

... Isto é, sem ninguém nos chatear e o telefone sempre a tocar, se é que me fiz entender. Hehe

Cumprimentos

Unknown disse...

Parece na Disney... uma história com final feliz.

Éter disse...

Ainda julgo que teria sido exequível ires à Luz e pedires à tua namorada para marcar o jantar de aniversário no Algarve lá para as 22h.

Mas pronto, emendaste a mão de forma minimamente aceitável.

Diego Armés disse...

Criticar-me, criticar-me, criticar-me... Sempre a criticar-me.

Ricardo disse...

Ahahahah a cara dos gajos da foto: "ali há spoltv, lalguem as lojas, vamos para Albufeila!". Por uma razão qualquer, estavam na Serra de Monchique a treinar bolas paradas defensivas à Jesus.

Com a Pearl S. Buck tive inicialmente uma questão de preconceito: todas as casas dos gajos que não lêem têm livros dela, juntamente com enciclopédias, Selecções e livros do Paulo Coelho, Susanna Tamaro, Daniel Sampaio e José Rodrigues dos Santos - para além do sempre ansiado por alturas do Natal livro de horóscopos da Maya.

De modo que, uma vez, quando o meu Pai se me chegou à beira, colocou um livro no ombro e disse: "lê", senti quase o mesmo asco que tinha sentido uns meses atrás quando a minha namorada da altura me pediu para ir ao Allegro ver com ela o segundo filme da saga extraordinária de O Sexo e a Cidade. Havia ainda a temer e a criticar o facto de o título - "A Mãe" - ser uma cópia vergonhosa de um dos maiores livros da História da Pornografia bolchevista.

Depois li - fabuloso. Era realmente melhor do que os fascinantes capítulos sobre as idiossincrasias dos Gémos de 2007. E ainda não percebi muito bem o que faz Pearl S. Buck na estante dos livros lado dos bibelots nas casas das pessoas que não lêem.

Espero nunca ver lá "227218 - os melhores textos". A incongruência tem limites.

mago disse...

Desconheco Pearl S. Buck, mas estou a ver que tem de entrar na lista.

E ainda tenho de experimentar a Casa do Benfica de Marrickville, mas `as 5:30 am pode ser dificil encontra-la aberta.

POC disse...

A fotografia dos chinocas a correrem no prado matou-me.

Diego, de qualquer forma parece-me que, tal como o Éter diz, limitaste-te a emendar a mão. Há Algarve e há jogo, há ir e voltar ;)

http://simaoescuta.blogspot.com

Diego Armés disse...

Eles não são chineses, eles são japoneses!

mago disse...

E o pormenor da foto se chamar "heppiness"? Ca-tau.