Há certos privilégios que são ainda mais raros do que o “privilégio” regular – já de si disponível apenas a uma elite. Por exemplo: eu já tive o privilégio de ver Ryan Giggs jogar ao vivo. Por duas vezes. A última das quais, jogou em simultâneo e na equipa oposta à de Pablo Aimar. Isto, sim, é um privilégio à séria. É um momento raro.
Há jogadores muito bons, que jogam muito bem, que incendeiam plateias, fazem explodir euforias, levam pessoas ao delírio. E depois há aqueles a que gosto de chamar “masters” – o termo “mestre” não tem a carga de “poder” que a palavra inglesa carrega.
Ser master não é só “jogar muito”. Por exemplo, Cristiano Ronaldo não é um master. É um craque – um super-craque (e bonito e milionário). Mas master é o Messi. O master pensa com agilidade, corre com imaginação, executa com felicidade e sem esforço e faz o jogo depender de si – porque tem esse poder, porque é superior. Não apenas futebolisticamente. Não. É em absoluto superior. Rooney nunca será um master, por melhor jogador que seja. “O” master foi Zidane, provavelmente o maior e mais potente que vi jogar (falamos desta estirpe; continuo a preferir, enquanto jogador, Ronalducho Nazário e Diego Maradona).
Ontem, entre quase 64 mil pessoas, num ambiente inexplicável – nem me vou dar ao trabalho de tentar -, vi no mesmo relvado dois dos raros masters da actualidade. Pablito, o nosso enorme Aimar. E Giggs, um britânico com um tremendo azar geográfico que o destino quis ver confinado a uma das mais pobres selecções da Europa, hoje em dia. Ver Giggs retirar-se da selecção do País de Gales em 2007 provocou-me aproximadamente a mesma sensação que assistir à despedida de Henry do Arsenal. Acabava ali uma era - sem a glória merecida. Mas com muita honra. E é também isso que distingue masters de craques. É esse prolongamento dos pés e da cabeça até ao coração e ao carácter (não estou a pensar em episódios da vida familiar, conjugal ou extra-conjugal, claro; falo apenas de personalidade).
Ontem vi-me deliciado perante a inteligência, a elegância, o toque, a suavidade, a importância daquele senhor dentro do campo. É uma maravilha. À beira dos 38 anos, trocou a sua personalidade de craque dos extremos pela bênção de quem sabe o que faz e o que quer fazer no centro do terreno. Só pela honra que é vê-lo vale a pena ir a um estádio.
PS - Um amigo alertou-me para a tremenda falha deste post: Dennis Bergkamp. Obviamente, Bergkamp é um dos expoentes máximos do ser master. Por estas e por outras é que não tenho como escapar ao Arsenal. Mesmo quando se leva oito do Náite.
1 comentário:
Comecei a acompanhar o Giggs em 1992.
Envelhessemos juntos.
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